Vocês conhecem aquele ditado que diz “Mãe é tudo igual, só muda de endereço”? Significa a prática de comportamentos iguais, realizados por pessoas distintas, mas que exercem um mesmo papel. Dá para a gente fazer uma adaptação e dizer que “Headbanger é tudo igual, só muda de endereço”! Essa é a melhor interpretação do livro “Tá No Sangue – A História do Rock Pesado Gaúcho – Anos 70 e 80”, escrito em parceria por Douglas Torraca, Luis Augusto Aguiar e Maicon Leite.
Os nomes das pessoas, das bandas, os locais, são todos pertinentes ao desenvolvimento do Rock e do Heavy Metal no Rio Grande do Sul, mas se alguém ler e, mentalmente, transferir os relatos para a sua própria vivência, seu próprio ambiente, verá que existem muitas semelhanças. As formações de bandas, as trocas de fitas, as lojas como ponto de encontro, os shows e festivais realizados na raça, as histórias folclóricas, os fãs que utilizam o nome das bandas para criarem pseudônimos…. Tudo mais ou menos semelhante, em maior ou menor grau, com a realidade dos outros 25 estados do país.
Mas a obra refere-se especificamente ao Rio Grande do Sul e consegue retratar os nomes e os eventos daquele estado com uma preciosidade invejável. Começando com as primeiras bandas de baile, nos anos 50, a parte inicial do livro traça um roteiro cronológico que se aprofundará melhor nas décadas ressaltadas na capa, e tem o devido cuidado de fazer o registro de vertentes importantes como o Rock Progressivo, destacando grupos pioneiros, como o Bixo da Seda, por exemplo.
A partir daí os capítulos serão mais temáticos, abordando tópicos como as coletâneas, os bares, as rádios e as lojas da região. Os shows que marcaram a época, tanto dos artistas locais, como dos de outros estados e internacionais. A presença feminina no cenário e os músicos e companheiros que já partiram desta vida.
O trecho dedicado às bandas é bem extenso e detalhado, trazendo muitas informações sobre diversos artistas, tanto do Metal – tradicional ou extremo – quanto do Progressivo e do Punk Rock. É possível, portanto, sempre recorrer ao livro para saber mais sobre Leviaethan, DeFalla, Câmbio Negro, Pupilas Dilatadas, Replicantes, Panic e vários outros, tudo intercalado pela inserção de depoimentos dos próprios músicos ou de quem acompanhou de perto o período.
A parte mais saborosa da leitura, porém, está no finalzinho do livro. Aqui, encontram-se diversas participações dos entrevistados, contando causos pitorescos e relatando de que forma vieram a se apaixonar pela música pesada. É sempre curioso constatar o efeito do atraso nas informações sobre cada um e, mais ainda, quantas e quantas vezes o interesse pela música começou por um contato unicamente visual, sem que uma nota musical sequer fosse ouvida. As capas de discos e as páginas de revistas foram o gancho inevitável para que tantos se sentissem impelidos a saber o que havia no noutro lado. E quanto aos causos, certamente são aqueles que – tenho certeza – até hoje são rememorados quando os velhos amigos se encontram. Aquela coisa do tipo “Lembra daquele dia em que a gente…” Aliás, você acredita que uma Kombi, descendo a serra, poderia atropelar um peixe???
Enfim, a obra tenciona ser um documento e um entretenimento, e atinge com louvor os dois alvos, merecendo um lugar de destaque na estante de qualquer um que queira conhecer melhor os processos de formatação do Metal brasileiro, deixando um gancho para a anunciada segunda parte, que promete cobrir o cenário a partir dos anos 90.
Bah, que livro bom!