O Doomzão clássico habita nas catacumbas e é lá onde ele expressa de forma pungente sua essência soturna e pesada. Tal qual uma criatura abissal que nunca conheceu a luz, ele necessita se cercar da escuridão para se desenvolver. O Doom clássico não é uma criatura arredia, mas não espere que ele saia de seu habitat para encontrar você – é você quem precisa descer às catacumbas para encontrá-lo; isto é, se assim você desejar. Por isso o Doom Metal não é para qualquer um.
Esta é a sensação que percebemos quando ouvimos a banda Suum, de Catanzaro, na Calábria italiana. O quarteto formado por Mark Wolf (vocais), Painkiller (guitarras), Joe Grave (contrabaixo) e Fed Kemper (bateria) acaba de lançar o seu segundo álbum de estúdio, Cryptomass, via Seeing Red Records. Em relação ao debut, Buried Into The Grave (2018), a maior mudança ficou por conta das estreias de Joe Grave e Fed Kemper na cozinha, pois a proposta musical se mantém a mesma: Doom Metal clássico, pesado, imponente, grandioso e mortal. Riffs criativos se juntam a bases esmagadoras e vocais expressivos onde elementos tanto do Doom épico ensinado pelo Candlemass quanto do Doom arrastado do Reverend Bizarre se misturam ao DNA típico do Metal italiano, produzindo um som com identidade e ao mesmo tempo com essência notória.
A sensação de estar ouvindo a música do Suum de dentro de uma caverna, ou de uma cripta, é altamente perceptível. E esta sensação provem não somente da belíssima e perturbadora arte de capa de autoria do próprio guitarrista Painkiller. Os riffs iniciais da faixa-título, que dá início aos trabalhos, vêm fortemente besuntados em reverb e echo, elementos que também são aproveitados fortemente nos timbres da bateria (em especial no bumbo) e nos vocais de Mark Wolf quando este se apresenta, potencializando sua performance altamente interpretativa como de quem conduz uma missa macabra. Ao final desta faixa, guitarras limpas se metem em meio as bases pesadas criando um final épico e doloroso. A proposta da faixa-título segue intacta em The Silence Of Agony, que já havia sido disponibilizada antes em formato de single. Em sua metade a música descamba para um ritmo mais rápido e as guitarras usam todo o poder de suas afinações baixar para destruir o Universo sob o comando de gritos guturais de Mark Wolf.
Creatures From The Vault vem num ritmo mais animado e groovado. As guitarras e o baixo são tão pesados que passam a impressão de que estão formando uma muralha fortificada e tão gigantesca que nem os judeus conseguiriam derrubar como derrubaram a de Jericó. O ritmo volta a ficar lento em Funeral Circle que, fazendo jus ao seu título, remete o ouvinte a uma colossal marcha fúnebre. A andamento e as linhas vocais de Wolf remetem imediatamente a banda norueguesa Fallen nesta faixa em particular. Após a marcha fúnebre, vem finalmente o enterro com Burial At Night, dona do refrão mais cabuloso de todo o álbum. O riff de The Failure Of Creation deixa claro para quem quiser ouvir que o baixo de Joe Grave está engordurado de distorção, o que reforça mais ainda o peso da seção de cordas do álbum. Hora de se sentar e de contemplar uma certa mansidão com Mass In The Catacomb, tocada toda com dedilhado na guitarra e com um som de chuva ao fundo.
Após o descanso, se prepare para ser massacrado novamente pelas duas últimas faixas. Claws Of Evil possui um riff asfixiante puxado por Painkiller e nos remete ao Candlemass antigo. O baixo de Joe Grave se revela líder novamente na parte mais enigmática do meio antes que um fade-out leve embora toda a maldição perpetrada por esta música. O álbum se encerra de forma magnânima e imponente com Reaper Looks In Your Eyes, dotada de várias mudanças de andamentos e uma seção maravilhosa ao final onde o monstro sai das cavernas para contemplar o pôr-do-sol escarlate e para sentir uma brisa fria no topo de alguma montanha próximo ao Mediterrâneo.
Daniele Perticalori foi o responsável por toda a parte técnica das gravações de Cryptomass e seu trabalho por trás dos botões foi essencial para a música do Suum, pois ele soube dosar as toneladas de efeito como distorções, reverbs e chorus em todos os instrumentos sem que nada soasse incompreensível ou embolado. A sujeira carregada é uma característica do Doom de Catanzaro e o modo que ela foi impregnada nas composições reforçou a repugnância do monstro que habita nas cavernas de lá. Ou seja, aquilo que mais atrai o fã de Doom.
Pouco após a conclusão das gravações do álbum, Mark Wolf deixou o posto de vocalista do Suum, cedendo a ingrata missão de substituí-lo a Misantrophil, que terá a missão de celebrar as missas negras com a mesma eloquência de seu antecessor daqui em diante. Mas Mark não deixou a banda sem um feito expressivo: o Suum manteve o alto nível apresentado no debut Buried Into The Grave e posiciona Cryptomass como sério candidato a figurar entre os melhores álbuns do estilo em 2020. Afinal, cravo ainda em fevereiro que será bastante complicado surgirem dez álbuns tão pesados, asfixiantes, agourentos e “casca-grossa” quanto este lançamento. Ouvir Cryptomass em sua plenitude é como se sentir esmagado por uma procissão macabra e gigantesca, que te carrega para as profundezas da escuridão, onde somente os mais soturnos morcegos habitam e cujo odor repugnante de suas ureias se misturam aos dos incensos jorrados por velas negras. É lá onde habita o Doom clássico. É lá onde habita o Suum. É lá onde ele deve viver para sempre.
Tracklist:
01. Cryptomass
02. The Silence Of Agony
03. Creatures From The Vault
04. Funeral Circle
05. Buried At Night
06. The Failure Of Creation
07. Mass In The Catacomb
08. Claws Of Evil
09. Reaper Looks In Your Eyes
Line-up:
Mark Wolf – vocais
Painkiller – guitarras
Joe Grave – contrabaixo
Fed Kemper – bateria