A Islândia é um país único e peculiar. É um país europeu formado por uma grande ilha que fica mais perto do Polo Norte do que mesmo da Europa continental. O nome “Islândia” vem das línguas nórdicas antigas e significa “Terra do Gelo”, tendo em vista que seu território é todo coberto deste estado aquífero. Apesar deste fato e de sua intensa atividade vulcânica, a Islândia é uma terra habitável graças a Corrente do Golfo que aquece o litoral daquele país insular, permitindo que pouco mais de 320 mil pessoas habitem a ilha.
Culturalmente falando, a Islândia preserva seu idioma nórdico antigo, donde seu alfabeto contém letras que são consideradas mortas nos idiomas norueguês e sueco. Por ser um país distante e com tantas peculiaridades, afere-se que estes fatores influem na música da Islândia quando travamos contato com ela. Para constatar isso, basta ouvir, por exemplo, a banda Sólstafir, o maior nome do Metal islandês.
Lançado em maio de 2017 e produzido por Jaime Gomez Arellano (Paradise Lost, Cathedral), o álbum intitulado Berdreyminn é o sexto full-length lançado pelo Sólstafir, banda que surgiu em 1995 na capital Reykjavik praticando Viking/Black Metal, mas que atravessou um período de mudanças de sonoridade até chegar hoje a um Post Rock/Metal, podendo ser classificada como uma versão pesada de seus conterrâneos do Sigur Rós. O som do Sólstafir não é algo comum, ou coisa que a gente escuta sempre todos os dias. Influenciado pelas características climáticas/atmosféricas de seu país, a musicalidade do Sólstafir nos transporta através de viagens iluminadas por auroras boreais, correntes transcendentais e flutuações etéreas, dadas as características psicodélicas e introspectivas das músicas do grupo.
O lado pesado e de suspense do Sólstafir é quem dá o cartão de visitas com a música Silfur-refur, cuja progressão de notas causa um efeito de suspense no ouvinte, antes que as guitarras distorcidas e a bateria com groove crie um clímax pesado. Segue a faixa Ísafold, trazendo uma agradável dobra de guitarras e uma certa aura oitentista, regada por um ousado trecho solado do contrabaixo de Svavar Austman. A faixa 03, Hula, é calma e viajante, pois cria uma imagem ao mesmo tempo sombria e bela, como um crepúsculo a cobrir montanhas e vales inundados de tundra. Afora isso, o idioma islandês cantado por Aðalbjörn Tryggvason, que também responde por uma das guitarras, confere à música um charme exótico. Ganhou clipe:
A faixa 4, Nárós, parece uma continuação da segunda música e repete a mesma frase de guitarra durante dois minutos e meio, antes de se tornar pesada e de mudar seu andamento repentinamente. Mas isto é o Post Rock. Uma hora você está num sonho sereno e inebriante, e de repente você é acordado por um susto que o leva a hecatombes e a desespero. Esta é a sensação apreciada quando se escuta a faixa 5, Hvít sæng: esta música começa parecendo Yesterdays, do Grave Digger, demorando três minutos somente numa linha de baixo e uma orquestração ao fundo, para depois saltar para um clímax denso e bastante empolgante, como uma marcha épica sob a tempestade. Dýrafjörður (eu não disse que o idioma islandês é único?) chega com um solo distorcido por uma pedra que Aðalbjörn Tryggvason desliza nas cordas de sua guitarra, baseado em uma condução leve e uma trilha de piano. O sensação de fenecimento aqui é forte.
Ambatt é a que apresenta mais influências externas à Islândia. Impossível ouvir este som e não lembrar do Pink Floyd. Aqui, o destaque é o baterista Hallgrímur Jón Hallgrímsson, que conduz a música quase que o tempo todo com viradas em tempos quebrados, acompanhando várias passagens de andamento e de atmosfera. O disco se encerra com a frenética Blafjall, momento em que a cozinha formada por Austman e por Hallgrímsson se endiabra e conduz com força o clima apoteótico criado pelas guitarras e vocais de Tryggvason e do pela primeira vez citado guitarrista Sæþór Maríus Sæþórsson. Toda sensação de introspecção e de calmaria contemplados durante o tempo do álbum se dissipa na metade final desta música, um Heavy Metal agressivo, pesado e rápido, que fecha com louvor um álbum cheio de mudanças de climas e ritmos.
Sólstafir não é uma banda para iniciados ou pessoas que não gostam de um som introspectivo. Ouvir o álbum Berdreyminn é um exercício de concentração, onde toda calma e entrega se faz necessária para que se possa compreender a proposta sonora que a banda executa.
Aliás, a música islandesa não é para ser entendida. É impossível para nós, tropicais que habitamos sob o Sol impiedoso, compreender a musicalidade de uma terra única, fria e vulcânica. Resta-nos senti-la e nos deixar ser sugados pelas viagens transcendentais e etéreas oferecidas pelo transporte Sólstafir.