O Texas é o estado americano cuja cultura mais se aproxima do país vizinho, o México. Musicalmente, porém, de todos os elementos que as bandas daquele estado absorveram, falta um que nunca foi devidamente incorporado: a latinidade. Aquele “quê” a mais que caracteriza a música da região e lhe dá o seu maior acento étnico. Coube, portanto, a um guitarrista naturalmente mexicano, mas erradicado na América do Norte, fazer essa fusão de ritmos com a devida naturalidade: Carlos Santana.
O músico, que deu o próprio sobrenome à banda que criou, não poderia ter escolhido melhor lugar, para montar sua base de operações, do que o sempre onírico estado da Califórnia, mais precisamente na cidade de San Francisco. Em agosto de 1969, aos 22 anos de idade, ele já estabeleceu dois marcos em sua carreira: lançou o primeiro disco de sua banda e realizou uma avassaladora apresentação no festival de Woodstock, que ocorreu na costa leste do país, no outro lado do continente. Um ano após, era lançado “Abraxas”, seu segundo disco, sequência natural e lógica do que já tinha sido realizado artisticamente na estreia.
Liderando um grupo que, além da estruturação básica de guitarra, baixo, bateria e teclado, ainda continha dois percursionistas, Santana pôde deixar fluir a mistura de Rock, Jazz, Salsa e misticismo que lhe tornou famoso, sendo que, liderar, no presente caso, não significa monopolizar. Esse não é o disco de um guitarrista com uma banda de apoio. É o disco de uma banda, onde todos interagem para o melhor resultado musical. Para comprovar isso, basta observar que, das nove faixas do álbum, apenas duas tem a assinatura de Carlos Santana. Mike Carabello, um dos percursionistas, responde pela autoria da instrumental “Singing Winds, Crying Beasts” que abre o trabalho, com levada hipnótica, gerando o clima para a clássica “Black Magic Woman”, que é, originalmente, um blues composto por Peter Green, do Fleetwood Mac.
Faixas como “Oye Como Va”, de Tito Puente, “Se a Cabo” e “El Nicoya”, de José Areas, o outro percursionista, deixam bem claro o apego às tradições da terra natal e contribuem para reforçar o clima de jam session que permeia todo o disco. “Mother´s Daughter” e “Hope You´re Feeling Better”, as músicas de Gregg Rolie, o vocalista e tecladista, são boas, mas sem nada de extraordinário. Cumprem bem o seu papel dentro do disco, sem comprometer, mas também sem influírem substancialmente dentro do resultado. Restam apenas as já mencionadas duas músicas de autoria de Carlos Santana, ambas instrumentais. Uma é a maravilha jazzistica “Incident at Neshabur”; A outra merece uma menção à parte
“Samba Pa Ti” é uma das mais belas músicas já feitas no universo. Uma pérola melódica única e incomparável. Começando meio melancólica e evoluindo, no seu decorrer, para um ritmo mais vibrante, a música consegue, sem letras, transmitir uma miríade de emoções como poucos seriam capazes de repetir com a mesma sútil intensidade: esperança, amor, saudade, alegria e tristeza estão espalhadas ao longo de quatro minutos e meio de inspiração.
“Abraxas” é, portanto, um disco que demonstra que o padrão para a música deve sempre ser a fuga de padrões. Não é preciso, e nem recomendável, o esforço para enquadrar-se em uma determinada fórmula, em um lugar comum. O que não falta por aí é a existência de artistas que rezam por essa cartilha, e que podem até ser bem sucedidos por um determinado tempo, mas serão sempre mais lembrados por suas influências do que por sua própria obra. No caso de Santana, a influência está bem perceptível, mas o produto final se sobrepõe a ela.
Formação
Carlos Santana – guitarra
Gregg Rolie – teclado, vocal
David Brown – baixo
Michael Shrieve – bateria
José “Chepito” Areas – percussão
Michael Carabello – percussão
Músicas
- Singing Winds, Crying Beasts
- Black Magic Woman/Gypsy Queen
- Oye Como Va
- Incident at Neshabur
- Se a Cabo
- Mother’s Daughter
- Samba Pa Ti
- Hope You’re Feeling Better
- El Nicoya