Resenha: Saint Vitus – Born Too Late (1986)

Antes de tratarmos de fato sobre o álbum do Saint Vitus, cabe aqui um prólogo acerca do nascimento do Doom Metal.

Apesar de ainda não ser chamado por esse nome, o Doom Metal já existia no começo dos anos 70. No princípio criou Tony Iommi o Heavy e o Doom Metal. O estilo era sem nome e controverso, e haviam trevas sobre a face de seus arranjos. Ao mesmo tempo, nos EUA, o Pentagram também praticava seu Rock pesado e soturno, embora a banda de Bobby Liebling tenha se mantido no underground ao contrário de sua prima britânica. O Black Sabbath inaugurava (segundo o entendimento de muitos) um novo jeito de fazer Rock que se ramificaria em diversos sub-estilos a partir da década seguinte, mas o estilo particular lerdo e maldoso do som sabbathico teria sua própria denominação uma década e meia depois, tendo em vista que sequer o termo “heavy metal” era difundido nos anos 70 (quanto mais “doom metal”). Ainda nos anos 70 o Metal já mostrava sua capacidade esplendorosa de mudar e de se reinventar. Ora, o Judas Priest enriquecia o Heavy Metal com arranjos dobrados de guitarras enquanto o Motörhead e o Accept imprimiam velocidade ao Metal. Entretanto, outras bandas foram surgindo com a proposta de praticar o Heavy Metal puro e sem mácula inaugurado pelo Black Sabbath: lento, soturno e assombroso. Foi assim que nos anos 80 o Doom Metal conquistou sua emancipação através de bandas como o próprio Pentagram (contemporânea do Black Sabbath, mas de tardio reconhecimento), Pagan Altar, Witchfinder General, Trouble, The Obsessed e o Saint Vitus, tema deste artigo.

Pois bem. Em 1986 o Saint Vitus já se tornara expoente em meio ao novo nicho sonoro que praticava graças a seus dois primeiros álbuns lançados, Saint Vitus (1984) e Hallow’s Victim (1985), ambos registrados com os vocais do cantor original do grupo, Scott Reagers. Após a saída deste, a banda formada por Dave Chandler (guitarras), Mark Adams (contrabaixo) e Armando Acosta (bateria) recrutou os serviços de Scott “Wino” Weinrich, vocalista e guitarrista de outra importante pioneira do Doom, o The Obsessed, aproveitando que esta banda estava em hiato. Apesar de ser um exímio guitarrista, Wino chegou somente para cantar.

Foi com esta formação que o Saint Vitus registrou o álbum que é considerado por muitos o melhor da banda, Born Too Late (1986). Com uma carga soturna mais densa em relação aos dois primeiros álbuns, este álbum exala um odor sabbathico inebriante. Basta colocar o álbum para ouvir e sentir o peso mórbido da faixa-título, encimado pelos vocais sofridos e regados a álcool de Wino. E é exatamente “álcool” e outras ilicitudes o tema lírico preferido do Saint Vitus. Cantando sobre os sofrimentos e viagens criadas pelas “substâncias” foi que o Saint Vitus criou, por exemplo, a mortal Dying Inside. Raramente trilha sonora e temática lírica se encaixam de forma tão impecável. Como cantar que o álcool está fazendo o sujeito perder tudo na vida se não for com um Doom Metal sofrido, arrastado e denso? Queda livre em abismos e quartos negros são as imagens que a música do Saint Vitus cria nesta música.

Além destes dois clássicos pétreos do Doom, o álbum traz a Hendrixiana Clear Windowpane, o Blues/Doom H.A.A.G. (dona de um refrão frenético e melancólico), a introspectiva The Lost Feeling e o encerramento com The War Starter, onde o baixo gordo de Mark Adams faz toda a diferença. O único problema deste álbum (algo que se repete em toda a discografia do Saint Vitus) são os solos de Dave Chandler. O guitarrista é um exímio aluno de Tony Iommi em se tratando de riffs e timbres, mas parece que ele faltou às aulas de solo, pois ele só sabe dar palhetadas rápidas na mesma nota afetadas por pedal wah-wah. Sempre!

Ok, isso é o de menos, felizmente. E sim, são somente seis músicas! Nenhuma a menos, sem necessidade de outras a mais. Em versões posteriores, as três faixas do EP Thirsy And Miserable foram incluídas. Mas a versão definitiva de Born Too Late é esta e foi a que fez deste disco uma referência do estilo. A importância de Born Too Late é tamanha que ele rivaliza com Epicus Doomicus Metallicus, lançado no mesmo ano pelo Candlemass, pelo título de mais importante e influente álbum de Doom Metal dos anos 80. A banda sueca liderada por Leif Edling recorreu a elementos inicialmente estranhos ao Doom Metal, como excesso de momentos velozes (para os padrões do Doom), vocais operísticos e composições progressivas, para forjar seu clássico e inaugurar um subgênero de Doom Metal, o Epic Doom. O Saint Vitus não; a banda liderada pelo guitarrista Dave Chandler apostou no oposto; menos foi mais. Simplicidade foi tudo para que a carga densa, depressiva e melancólica do Doom Metal Vitusiano fosse (seja) melhor absorvida e aproveitada. Tanto é que a capa de Born Too Late não passa de uma pequena cruz sobre um fundo roxo, com o logo maldito da banda enegrecido no topo e o nome do álbum em amarelo em fonte simples no canto inferior esquerdo. Simplória e impactante, assim como seu conteúdo musical. Já se passaram 32 anos de seu lançamento, mas nunca será tarde para ouvir, e sentir, Born Too Late. Recomendada audição com álcool para melhor absorção e metabolismo de seu conteúdo. Beba com moderação.

Born Too Late – Saint Vitus (SST Records, 1986)

Tracklist:
01. Born Too Late
02. Clear Windowpane
03. Dying Inside
04. H.A.A.G.
05. The Lost Feeling
06. The War Starter

Line-up:
Scoot “Wino” Weinrich – vocais
Dave Chandler – guitarras
Mark Adams – contrabaixo
Armando Acosta – bateria

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