Contrariando o imaginário preguiçoso, que não se furta de ocupar a cabeça daqueles que adoram um estereótipo, Fortaleza é uma metrópole com cena roqueira extremamente rica. Encontram-se bandas de todos os estilos sem demandar muito esforço. Entre tantas formações, uma das mais destacadas e respeitadas da cidade são os Renegados. Já se vão pelo menos vinte e cinco anos que os irmãos Pinheiro – Marcelo e Ricardo – estão na batalha, tendo ao longo da trajetória experimentado algumas variações de formação, mas já estabelecidos há algum tempo com o baixista Romualdo Filho e, agora, contando com o retorno do percussionista Celso Silva.
Em suas enérgicas apresentações, o guitarrista e vocalista Marcelo não se furta de reafirmar sempre que todas as formas de arte são válidas e isso não são palavras ao vento. Nós poderíamos fazer um resumo deste álbum apenas pinçando dois trechos de texto constantes na ficha técnica e no encarte. O primeiro diz que este é um disco de “música cearense-nordestina-brasileira-mundial-interplanetária”; o segundo são os versos iniciais da primeira faixa: “blues, rock, xaxado, maracatu e baião”. Sínteses perfeitas da mescla proporcionada pelo quarteto, que traduz toda a miríade de ritmos de nosso país – com maior ênfase no Nordeste – e entrega-nos embalado com sons de guitarra distorcida e bateria. Na música dos Renegados, Led Zeppelin encontra Alceu Valença, Rolling Stones encontra Ednardo, Jethro Tull encontra Zé Ramalho.
“Pra Se Sentir Vivo” é o quarto álbum de sua discografia e surge em uma embalagem digipack simples mas caprichada, tal qual pode ser dito também da música da banda. A faixa título já se tornou presença obrigatória nos shows e inicia com uma guitarra pesadíssima, prevalecendo o constante clima de jam, principalmente durante os solos, que surgem intercalados como momentos indispensáveis de cada canção, feitos sem pressa de terminar. A forma abrasiva como eles soam faz transparecer que o próprio sol nordestino seria um elemento de inspiração na arquitetura de suas notas.
“Camarada”, por outro lado, traz guitarras rítmicas que revelam influências do Soul brasileiro e “Colheita” faz um olhar para dentro da região de origem, lembrando a musicalidade de poetas do agreste como Elomar ou Vital Farias. A gaita no começo de “Cotidiano” impõe uma inevitável associação com as antigas composições de Bob Dylan, mas a melodia de seus versos finais tende para algo na linha do cantor Taiguara, enquanto que “Estrada Blues” tem a força das canções do saudoso Celso Blues Boy.
Entre tantas vertentes, é curioso que uma marchinha de carnaval surja como destaque dentro de um disco de Rock, mas “Pau Brasil (A Fanfarra Nacional)” é uma pérola de composição, possuidora de uma letra que, acaso submetida a um grupo de foliões desavisados, rapidamente substituiria seus sorrisos de festa por expressões de indignação e revolta perante os absurdos históricos e sociais relatados.
Ao se aproximar de seu final, as duas últimas faixas trazem um crescendo de emoção, representado pelas cativantes levadas setentistas de “Lua dos Segredos” e pelo Hard Rock calejado de “Mistério”. O saldo do álbum é de reafirmação da identidade do Renegados e da coerência com tudo que eles fizeram até agora. Absorvendo elementos e transmutando-os para o seu próprio sotaque, não se alienando de sua proposta, mas permanecendo sabiamente além dos rótulos.
Formação
Marcelo Renegado – voz, guitarra, violão, gaita
Ricardo Pinheiro – bateria, voz, percussão
Romualdo Filho – baixo, teclado
Celso Silva – percussão
Músicas
01 Pra se sentir vivo
02 Automatizado
03 Camarada
04 Colheita
05 Cotidiano
06 Estrada Blues
07 Naufrágio
08 Trem da história
09 Pau Brasil (A fanfarra nacional)
10 Samba da vida
11 Gente que sente
12 Lua dos segredos
13 Mistério