Uma das características que mais deixam a desejar em biografias – e principalmente autobiografias – de rock é o fato de que às vezes não ficamos sabendo praticamente nada sobre a criação das músicas, as gravações dos álbuns e a história da carreira do artista ou da banda. Biógrafos e autobiógrafos mais estão interessados na vida pessoal e nos escândalos do que em qualquer outra coisa. Mas uma autobiografia e uma biografia, coincidentemente de membros da mesma banda, o Sepultura, fogem disso.
Tanto a autobiografia de Max Cavalera (da qual falarei no futuro) quanto a biografia Relentless – 30 anos de Sepultura, são livros que se dedicam a falar (e muito) sobre o processo criativo dos artistas, o que é uma grata surpresa para o fã que de fato acompanha a carreira da banda que admira.
No caso do livro sobre o Sepultura, pode-se afirmar que esta não é apenas uma biografia da banda, mas um tratado sobre o Sepultura, o que, de certa forma, é positivo e negativo.
No lado positivo, você pode estar certo de que saberá detalhes e mais detalhes sobre tudo o que envolve a carreira da banda, da vida profissional (e às vezes pessoal) dos integrantes e os supostos reais motivos pelos quais muitas coisas aconteceram e que o público nem ao menos chegou perto de saber, muito menos desconfiar dos reais motivos. Jason Korolenko, o autor, não é apenas o cara que pesquisou e sabe praticamente tudo sobre a banda, mas um fã ardoroso que acompanha a história do Sepultura desde os primórdios – mesmo que tenha conhecido o grupo um pouco depois de sua formação.
Korolenko leva o leitor por cada álbum, por cada música, por cada conceito criado através dos anos, traçando o caminho que o Sepultura traçou e mostrando ao leitor o que de fato motivou o grupo a tomar determinadas decisões, quais os sentidos por trás de determinadas letras, quais as motivações para álbuns terem sido criados com uma temática específica. Tudo isso e mais uma análise quase emotiva de canção por canção, dando vida e colocando uma luz de naturalidade no talento artístico de todas as formações do grupo até hoje. O livro merece todas as glórias por isso, é uma verdadeira bíblia em que o Sepultura é o ponto principal.
Por outro lado, se podemos chamar de negativo (ou duvidoso), está o fato de que Jason Korolenko é tão fã do Sepultura que praticamente não permite um olhar neutro sobre a banda, coisa que me parece necessária em uma biografia. Exemplos disso são autores como Mark Blake, Mick Wall e Philip Norman, que não hesitam em falar do que muitos não teriam coragem de mencionar. É uma questão de sanidade literária, afinal ninguém é perfeito e uma vez que só há elogios a um artista a coisa começa a ficar meio fantasiosa.
Nesse sentido, você não vai ouvir uma única palavra negativa sobre o Sepultura, sobre nenhuma decisão, sobre nenhuma música, nenhuma letra, nenhum movimento na carreira. Você vai, sim, ouvir coisas (muitas) sobre Gloria Cavalera, (não muitas) coisas negativas sobre Max Cavalera e algumas poucas sobre Iggor, pois quem se torna “inimigo” do Sepultura se torna inimigo de Korolenko e, assim, se torna o bicho-papão da biografia. Isso não é legal nem saudável. Mas se levarmos em consideração que estamos lendo – como falei – um tratado sobre o Sepultura, então sabemos que estamos sendo apresentados a uma defesa da banda perante o mundo e perante aqueles que quiseram dificultar seu caminho.
Ok, é um pouco infantil do ponto de vista de uma biografia, mas ao mesmo tempo, Relentless – 30 anos de Sepultura não deixa de ser um livro e uma obra supercompleta e, mais do que qualquer coisa, muito bem escrita e perfeita para os fãs – muito mais do que para meros curiosos.