Imaginem o longo percurso de uma banda independente, durante 20 anos, passando por todas as tradicionais etapas: ensaios, lançamento de demos, EPs, shows e, eventualmente, um período de suspensão de atividades, onde toda a história vivida entra em pausa na rotina, mas nunca sai do coração. Até o dia em que esse retoma aquela velha batida e a banda revive. Dessa vez mais forte, com mais ímpeto, atingindo, finalmente, a concretização do sonho de lançar seu primeiro álbum. Nesse momento, você pega aquele objeto concreto, que saiu do mundo imaginário diretamente para o mundo real, após 20 anos, e pode, orgulhosamente, bradar: Valeu cada momento de espera!
Essa deve ser uma analogia aproximada dos sentimentos que vivem atualmente os integrantes da banda carioca Quintessente, mormente seus mais antigos membros, André Carvalho (vocal) e Cristiano Dias (guitarra), pois “Songs From Celestial Spheres” é uma obra absolutamente primorosa e, sem nenhuma dúvida, um dos melhores discos de Metal brasileiro deste ano de 2017.
Cada detalhe parece ter sido meticulosamente preparado, seja na concepção do caprichado logo ou da belíssima capa desenvolvida por Marcus Lorenzet, seja na escolha do profissional responsável pela produção, a cargo de Celo Oliveira, que também assinou a excelente estreia do Vorgok.
Em sintonia com o título do álbum, os primeiros sons que surgem são levemente etéreos, elípticos, como as esferas em movimento, e então a música explode sem pausas, mergulhando de imediato nas primeiras estrofes. O nosso cérebro começa a processar as informações e, por força do hábito, tenta localizar uma definição precisa para a música da banda. Bem, esqueça isso… As primeiras impressões podem criar associações com o Metal gótico, mas isso é reducionista. Existirão, ao longo do disco, elementos de diversas vertentes do Metal, não permitindo que o todo seja encaixado dentro de um único rótulo específico e, essa ausência de amarras, permitiu ao Quintenssente a criação de um disco variado e dinâmico. Portanto, siga o exemplo da banda e jogue também os rótulos para escanteio.
Em “The Belief Of The Mind Slaves”, que é uma faixa dominada pelo teclado, somos logo fisgados por um refrão cativante, antecedido por um pré-refrão com elementos de Power Metal, notáveis nas passagens com pedal duplo nos bumbos. O baterista Leo Birigui se sobressai com uma atuação orgânica em seu instrumento, em uma performance que vai na contramão de uma lamentável tendência atual, onde as gravações de bateria estão soando cada vez mais como padrões mecanizados. André Carvalho também se destaca pela variedade de abordagem em seus timbres, tratando cada canção com um tipo específico de interpretação: mais limpo e melódico em “Essente”, mais rasgado e agressivo em “Eyes Of Forgiveness”, ou unindo esses dois mundos em “L´Eternità Offerto”.
“Delirium” inicia com muito peso e traz um pouco do antigo In Flames em suas melodias, mostrando que a miríade de influências da banda vai para bem além dos nomes mais evidentes como Lacuna Coil ou Paradise Lost, cuja presença percebe-se mais aproximada nas varáveis de drama e tensão de “A Sort Of Reverie”. Por outro lado, “My Last Oath” coloca o teclado de Cristina Muller novamente em sua posição de evidência dentro da musicalidade, marcando o final de cada compasso como se fosse um ponto de exclamação, dando sentido de urgência ao final de cada fraseado, ou, sob outra perspectiva, surgindo com um timbre que lembra o synth pop oitentista, no começo de “Unleashe Them”, fazendo um interessante contraste com uma canção que traz muito de Sisters Of Mercy.
Ouvidos atentos poderão identificar alicerces maidenescos na estrutra dos riffs de “Reflections Of Reason”, permitindo que Cristiano Dias e o baixista Luiz Fernando de Paula, possam se soltar a vontade, nessa canção de tons mais tradicionais, que antecede o clima mais contemplativo do encerramento com “Matronæ Gaia (Chapter II)”, cuja primeira parte data do ano 2000, contida na demo “Lonely Seas Of Dreamer”
Contemplativo… Interessante essa palavra ter surgido no final dessa resenha, pois ela resume a ação que nos domina desde que temos a primeira oportunidade de olhar para a capa até o final da audição. Contemplação…
Mas, não é isso que fazemos com as obras de arte?
Formação
André Carvalho – vocal
Cristiano Dias – guitarra
Cristina Muller – teclado/vocal
Luiz Fernando de Paula – baixo
Leo Birigui – bateria
Músicas
01.The Belief Of The Mind Slaves
02.Delirium
03.A Sort Of Reverie
04.My Last Oath
05.Essente
06.Eyes Of Forgiveness
07.L´Eternità Offerto
08.Unleash Them
09.Reflections Of Reason
10.Matronæ Gaia (Chapter II)
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9/10