É impactante saber que, após a gestação de um disco tão bem realizado como foi o álbum “Wing Seven”, lançado em 2017 pelo Sunroad, o guitarrista Netto Mello tenha deixado a banda. Impactante mas justificado pois, como revelado em entrevista, a opção foi tomada com base na forma como o músico trabalha. Havia o desejo de realizar o presente trabalho solo, denominado “Bunker”, e Mello prioriza o foco em suas ações, concentrando sua atenção máxima a cada projeto de forma individualizada.

E o projeto de “Bunker” era merecedor dessa atenção, pois apesar de ser, essencialmente, um disco instrumental, o mesmo traz um conceito por trás. Algo que, convenhamos, é um desafio de composição para quem assume essa proposta. Partindo da dicotomia que se pode obter do conceito de “bunker”, que pode ser tanto um local de proteção quanto uma prisão, o guitarrista buscou uma visão introspectiva dessa ideia, colocando o bunker como um ambiente imaginário dentro da cabeça de um personagem fictício.

Começando, portanto, o disco, “Day 1#” mantém-se em um mid-tempo mais adequado ao início de uma história, onde as diretrizes da mesma estão sendo apresentadas. Nesse sentido, já podemos ter também um vislumbre das diretrizes musicais que o disco propõe, pois Mello, juntamente com o produtor Samuel Sammet, buscaram afastar-se do padrão de “disco de guitarrista”, onde o instrumentista costuma usar a fórmula de solar sobre as bases, música por música. “Day 1#” tem seus solos, claro, mas apresenta um padrão mais consistente de música instrumental, onde a guitarra não atua por cima das bases, mas junto com estas, criando riffs, padrões e texturas.

“No Strength To Stand” é uma faixa que se aproveita dessa mesma forma de criação e passeia por momentos de suavidade, onde o contrabaixo se destaca na melodia, mas “Out Of Control” nos surpreende pela presença de palavras proferidas por um narrador. Daí o fato de termos dito, lá no alto, que o disco era “essencialmente” instrumental, pois essa não é uma regra e nem poderiam haver regras restritivas aqui.

Melancolia, angústia e tensão são algumas das sensações evocadas por “Always Alone”, decerto um dos pontos altos do disco e sua rítmica prossegue em “Memories”, que possui mudanças inesperadas de andamento, chegando em certo momento a passar por melodias que me lembraram as utilizadas pelo Jazz Manouche.

“Eye Grids” retoma o padrão dinâmico mais afeito ao climax que se aproxima, visto ser a penúltima faixa. Por ser cantada, em uma ótima participação de Andre Adonis do Sunroad, ela revela muito sobre a verdadeira natureza do bunker e nos encaminha para o final com “Just Another Day”. Seu título, visto em paralelo com o da primeira faixa, nos faz concluir que não há uma solução para o tema. Apenas outro dia, que será seguido por outro e mais outro, um de cada vez, enquanto o personagem não resolver se deve ou não abandonar a ilusória segurança que o bunker lhe fornece…

Essa sensação de segurança, contida na narrativa, foi o contraponto para  refletir o talento e a criação de Netto Mello, que assumiu os riscos de desenvolver este trabalho e que, em breve, deverá estar montando a sua própria banda ou qualquer outra atitude de carreira que queira tomar. Que seja assim, pois, na realidade, para nós que estamos do outro lado do disco, a segurança advém dos momentos em que o artista abre mão dela. Segurança de que a música será irrequieta, criativa, desafiadora….

Mas, para desfrutá-la, precisamos abrir diariamente as portas de nossos próprios bunkers pessoais.

Músicas

01.Day 1#

02.Unbelievable

03.No strenght to stand

04.Out of control

05.Always alone

06.Memories

07.Eye grids

08.Just another day

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