Resenha: Mötley Crüe – Dr. Feelgood (1989)

Seria engraçado se não fosse cômico. A banda mais conhecida por suas loucuras no mundo do rock´n´roll tem como um de seus melhores álbuns na época em que estava sóbria. Irônico também é o fato de o nome do álbum ser inspirado em traficantes de drogas, quando Vince Neil, Nikki Sixx, Tommy Lee e Mick Mars tinham recém-saído da reabilitação. Mas, se for pensar bem, esse tipo de coisa é bem a cara do Mötley Crüe.

O dia 17 de janeiro é considerado o dia de nascimento da banda. A banda começou em 1981, quando Nikki encontrou Tommy. Naquela época eles tocavam com Greg Leon, na guitarra e nos vocais. Com a saída de Leon, entrou Mick Mars na guitarra e logo depois Vince nos vocais. O quarteto estava completo e foi questão de pouco tempo para vir o sucesso. Foram três álbuns que fizeram o caminho até aqui: “Shout at the Devil” em 1983, “Theatre of Pain” em 1985 e “Girls, Girls, Girls”, em 1987. Para a gravação de “Dr. Feelgood”, eles passaram seis meses no estúdio canadense Little Mountain Sound Studios, em Vancouver com o produtor Bob Rock, que já tinha trabalhado com Bon Jovi e Aerosmith. O disco foi lançado em 01 de setembro de 1989, e é composto por 11 músicas e algumas participações especiais.

Considerado um trabalho mais maduro do Mötley Crüe, o álbum abre com “T.N.T. (Terror ‘N Tinseltown)”, uma intro que se inicia com uma guitarra e a distorção se transforma em batidas de coração e sons de hospital como vozes, ambulâncias e culmina em uma batida. São 40 segundos. Aí começa a estrela do álbum, “Dr. Feelgood”. A letra fala sobre um traficante chamado Jimmy, “Ele é aquele que chamam de Dr. Feelgood / Ele é aquele que faz você se sentir bem”. A guitarra cativante dos dez primeiros segundos já é um sinal do que vem por aí, um hard rock farofa de primeira. A repetição de “Dr. Feelgood” contribui para dar familiaridade à música. Isso porque lá pela terceira vez, já dá para sair cantando, mesmo que seu inglês seja ruim. O ritmo é atraente e é quase impossível não sair por aí balançando a cabeça. O próprio Vince tem essa mesma sensação. “Eu sabia que era um clássico no momento em que escutei aquele primeiro ‘bomp bomp bomp bomp’ – aquela intro meio que te pega.”, disse em entrevista à Rolling Stone.

Reza a lenda que Slice Of Your Pie” foi inspirada na canção “I Want You (She’s So Heavy)”, dos Beatles. Talvez, no final quando o ritmo é desacelerado, com uma marcação forte e melodicamente quase onírica, soe até que parecido. Mas, claro, pode ser também como diz o velho ditado, quem procura, acha. Com inspiração ou não, “Slice Of Your Pie” é um pouco datada e soa mais genérica como outros hits da época, tipo os do Aerosmith. Acho que aqui faltou um pouco mais de uma pitada de Mötley Crüe. O mesmo não ocorre com Rattlesnake Shake” que é a cara da banda. Um dos pontos interessantes sobre as músicas do Mötley é que a introdução da música já mostra ao ouvinte o que vem por aí, uma espécie de resumo de ritmo. Mas, espera aí, não é assim sempre? Não, e nem com toda essa destreza. Nesse caso e da forma como eles fazem, essa repetição causa uma sensação de que já se ouviu isso antes e deixa novamente uma sensação de familiaridade com o som.

O lema clássico sexo, drogas e rock´n´roll era vivido às últimas consequências pela banda. Mas mesmo o mais roqueiro de todos um dia acorda do sonho, e as contas da realidade batem na porta de qualquer um. Não é a toa que Cazuza já dizia “meus heróis morreram de overdose”. Nikki Sixx que o diga. O baixista do Mötley Crüe morreu, mas passa bem. Por conta de uma overdose, ele chegou a falecer por alguns segundos, e reviveu com uma dose de adrenalina. Ou assim, contam. A questão é que a música “Kickstart My Heart” foi inspirada neste fato. E ela própria é uma injeção de adrenalina. Rápida. Forte. Ritmada. A letra também fala disso quando diz: “Quando eu me chapo/ Eu chapo com a velocidade/Carros engraçados com o tanque cheio/São drogas para mim/Meu coração, meu coração/Meu coração dispara”. Funciona quase como uma corrida e passa a ideia de muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. “O que se pode dizer de Kickstart? Ela explode na sua cara. É sobre Nikki morrendo.”, disse Vince em entrevista.

Para desacelerar, “Without You”. A balada romântica é bem construída e soa como um ponto de esperança no fim do túnel. “Foi uma ideia muito simples para uma música, que eu escrevi sobre Heather Locklear e Tommy. Eles vinham direto na minha casa naquele tempo. Eu pensei comigo mesmo um dia, ‘Without You’ (sem você), vindo da perspectiva do Tommy, a vida não seria a mesma. Era um bom relacionamento naquele momento. Foi meio que um momento romântico. Eu peço desculpas por isso.”, disse Nikki em entrevista à Rolling Stone. “Same Ol’ Situation (S.O.S.)” lembra um pouco do ritmo de “Girls Girls Girls”, talvez mais do que deveria. “É sobre garotas deixando você por garotas. Acontece. Definitivamente acontece. É pior que uma garota deixando você por um cara porque não há nada que você possa fazer sobre isso.”, disse Vince. “Eu amei porque quando a Elektra ouviu eles ficaram ‘Oh, isso é perfeito para um single’. No estilo Mötley, nós ficamos ‘Maravilha. Nós vamos te contar depois que é sobre lésbicas.”, contou Nikki.

Duas participações especiais marcam“Sticky Sweet”: Bryan Adams e Steven Tyler estão como backing vocals. “Nós gravamos esse álbum em Vancouver, que é onde o Bryan mora. Então acontece que nos estávamos gravando perto do Aerosmith, no mesmo estúdio que eles estavam gravando Pump. Steven veio e fez os backing vocals.”, disse Neil. “She Goes Down” exala sensualidade do começo ao fim. Aliás, o início já é o som de abertura de um zíper. Robin Zander está no background vocals. “Cheap Trick sempre foi uma de nossas maiores influências. Nós amamos aquela banda.”, disse Nikki.

As duas últimas músicas de “Dr. Feelgood” são um pouco mais lentas e carregadas com uma certa carga emocional. “Don’t Go Away Mad (Just Go Away)” não é exatamente uma balada, o primeiro riff já surge com aquele sentimento de otimismo, com um quê de Jump do Van Halen. Ainda que sejam músicas muito diferentes, o tom é o mesmo. Nikki Six comentou em entrevista que retirou essa frase de um filme que ele não lembra muito bem qual. Bem, provavelmente, foi do filme “O Destemido Senhor da Guerra” (“Heartbreak Ridge”), dirigido e estrelado por Clint Eastwood, lançado em 1986.

Time For Change” traz o aviso de que muita coisa iria mudar no Mötley Crüe, ainda que os próprios integrantes não soubessem disso na época. Logo depois, Vince Neil saiu da banda. Nikki afirmou não se lembrar sobre o que era a música. “Naquele tempo a gente tinha viajado muito e visto muitas coisas pelo planeta. Se eu me lembro corretamente, e provavelmente não, tem algo a ver com isso.”, disse o baixista e compositor de grande parte do material do Mötley.

A conclusão que fica aqui é que “Dr. Feelgood” foi muito bem trabalhado, e tem todos os elementos de um sucesso. É um álbum que consegue agregar outras referências dos anos 80, a fala do filme, e as participações como de Steven Tyler e Cheap Trick. Sem contar que define o lema “sexo, drogas e rock´n´roll”, encarnado pelo Mötley Crüe. Ainda assim, nada disso faz com que ele seja um disco datado, e muito menos que tenha perdido seu espaço no tempo, muito pelo contrário, é um clássico que vale ser ouvido em qualquer época.

Mötley Crüe – Dr. Feelgood
Data de Lançamento: 01/09/1989
Gravadora: Elektra Records

Tracklist:
01. T.N.T. (Terror ‘N Tinseltown)
02. Dr. Feelgood
03. Slice Of Your Pie
04. Rattlesnake Shake
05. Kickstart My Heart
06. Without You
07. Same Ol’ Situation (S.O.S.)
08. Sticky Sweet
09. She Goes Down
10. Don’t Go Away Mad (Just Go Away)
11. Time For Change

Formação:
Vince Neil (vocal);
Mick Mars (guitarras);
Nikk Sixx (baixo e coros);
Tommy Lee (bateria e coros)

Músico convidado:
– Bryan Adams (backing vocals em Sticky Sweet)
– Steven Tyler (backing vocals em Sticky Sweet)
– Rick Nielsen (backing vocals em She Goes Down)
– Robin Zander (backing vocals em She Goes Down)

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