Todo mundo hoje conhece o Metallica, todo mundo mesmo. Desde o headbanger mais tr00, até aquele seu amigo de escola que não curte “Rock pauleira”, e acha que qualquer coisa mais pesada que Charlie Brown Jr. e Detonautas “apenas barulheira”. E é exatamente essa abrangência que muitas vezes causa birra e descontentamento com a banda, quando se fala dos trabalhos da mesma saídos nos anos 90. Eu não tiro a razão de ninguém, afinal, gosto é gosto. E especialmente os fãs “mais hardcore” de Metal, que tiveram a oportunidade de conhecer a banda ainda no começo, e acompanharam os lançamentos de dos quatro primeiros álbuns (83-89), hão de ser compreendidos. Consigo simpatizar com o sentimento de “ter se sentido traído” quando uma banda que você curte por causa do som agressivo, atitude “in your face” e sua capacidade de influenciar outras bandas com esses elementos, resolve fazer algo que – ao ouvir – deixa claro que esses elementos parecem não estar lá.
Acho que o “começo da traição” para muitos talvez tenha sido no “Black Album” – e sim, já ouvi muita gente dizendo que “Metallica acabou no ‘Justice for All’”, e outros (mais tolerantes) que disseram que o Metallica que eles conheceram se perdeu em algum limbo musical depois do “Black Album”. Pois eu, particularmente, conheci o Metallica no “ReLoad”. Os demais álbuns, eu fui conhecer mais tarde depois de pesquisar mais sobre a banda. Eu fui adolescente nos anos 90, então Rock para mim ou era qualquer coisa de “Rock nacional” que a MTV empurrava goela abaixo, ou Grunge ou Nu Metal. E daí um dia, assistindo a famigerada MTV, estreou “The Memory Remains”, e me foi apresentada uma quarta opção: Metallica.
“Load” e “ReLoad” não eram para ter existido, do jeito que nos foram apresentados. Era para ser apenas um álbum duplo, mas com “Heavy Metal em baixa” – possivelmente influenciados pela gravadora – decidiram distribuir dois álbuns separados. Mas vamos considerar alguns fatos: música pesada não estava em alta, e ainda assim o Metallica já gozava de uma posição estabelecida como potência do Metal, se tornando inclusive referência; após terem conquistado status-quo no mainstream eles não podiam simplesmente desaparecer agora que haviam holofotes voltados para eles (como resultado pelo sucesso do “Black Album”, que tinha inclusive músicas tocando em rádios sem “radio edits”); tinham de alguma forma que se manter em evidência e após um trabalho “ousado” como foi o “Black Album” eles não podiam simplesmente dar passos para trás, e considerando que a mídia mainstream na qual eles tinham conseguido alcançar espaço estava focando em “Rock alternativo” (com os grunges, rap metals e nu metals) eles tinham de alguma forma fazer parte da festa, sem deixarem de ser o Metallica.
O resultado foi um álbum com pegada mais alternativa, tempos reduzidos, vocais mais melodiosos ao invés de gritos agressivos e nem sempre com solos complexos – algumas vezes mal solos eram, e sim alguns riffs meio elaborados que se repetem por um curto período de tempo, ou apenas cheios de efeitos de forma a parecerem mais ruídos (nada semelhante ao que já estávamos acostumados que o Kirk fizesse). Ou seja, “Load” não soa como um álbum de Thrash Metal. Ele nem se esforça para ser, ao contrário do “ReLoad”, que tem músicas que flertam um pouco com a velocidade e agressividade do Thrash (mas ainda não chega nem perto de ser).
O “Black Album” foi a obra do Metallica “radio friendly”, embora pesado e energético. O “Load” é mais radio friendly ainda, e atendia a demanda da mídia. E ainda assim emplacou músicas que não apenas são consideradas hits da banda, mas que ainda marcam presença no repertório da banda quando saem de tour como: “King Nothing”, “Until It Sleeps” “Hero of the Day”, “Bleeding Me”. A ponto de serem inclusas no repertório do show/álbum que a banda gravou com a orquestra de São Francisco (exceto “King Nothing” nesse caso) – para um disco “ruim” isso chega até a ser contraditório.
Tudo isso torna o “Load” um excelente álbum? Se você gosta de Thrash Metal, ou sons mais porradas e energéticos, não. Nesse caso evite este disco, pule do “Black Album” para outro mais de seu agrado (talvez “Death Magnetic”?) ou volte para um dos cinco anteriores. Mas se você quiser apreciar a obra do Metallica como um todo, então nesse caso você deve ouvir tanto “Load” quanto “ReLoad”, pois eles representam a experiência da banda num período onde tinham de resistir a uma demanda que não era a que correspondia a origem deles. Metallica nos anos 80 representou a rebeldia do Rock, a fúria do Metal, não sozinhos obviamente mas ao modo deles ajudaram a influenciar outras bandas a irem contra a “emolduração” e “conformismo” no som pesado. E de repente, quando eles chegam ao ápice mostrando que se pode ser agressivo e ainda assim alcançar grandes massas sem deixar de ter atitude Heavy Metal. E no momento em que eles “tornaram ok” ser um artista de Heavy Metal no mainstream… Veio o Grunge com sua “desconstrução complexa cheia de complexos”, e logo ter atitude Heavy Metal deixou de ser desejável. A escolha era adaptar suas armas para resistir à batalha árdua, e vencer a guerra a longo prazo, ou ficar no limbo do esquecimento aguardando por um bote salva-vidas.
O “Load” é exatamente isso. Além do mais, o próprio Lars Ulrich disse em entrevista que “Load” e “ReLoad” representam exatamente o que ele acha que o Metallica tem de ser. “Uma banda ruim de Rock alternativo?” Não. O que ele quis conotar foi o fato de, a cada álbum, existir sempre uma maneira individual da banda se manter experimentando coisas novas. Todas as particularidades da experimentação no caso, giram em torno do que a banda está pretendendo dizer no álbum de acordo com o que andam vivendo, ouvindo ou fazendo. Mesmo que para o “fã hardcore” o “Load” soe sempre como algo errado e profundamente herético, para muitos foi o ponto de partida quando se trata de Metallica. Apenas pense que, para a juventude dos anos 90 era mais fácil um fã de Alice In Chains, Nirvana, Stone Temple Pilots “entender” o “Load”, e conseguir fazer alguma conexão pessoal com ele, do que se ele tivesse ouvido o “Master of Puppets”. Então embora não seja o álbum mais sólido do Metallica, e na família discográfica da banda ele talvez fosse o “primo torto”, ele teve seu papel e importância representando a fibra e resiliência de uma banda que foi proclamada relevante na virada da década, para depois ser considerada indigna nos próximos anos. Mais do que qualquer coisa; o “Load” foi, ao seu modo, um enorme dedo do meio para o Mainstream dos anos 90. Pelo menos para mim, foi sempre assim que enxerguei.
Formação:
James Hetfield (vocal e guitarra);
Kirk Hammett (guitarra);
Jason Newsted (baixo);
Lars Ulrich (bateria).
Faixas:
01. Ain’t My Bitch
02. 2 X 4
03. The House Jack Built
04. Until It Sleeps
05. King Nothing
06. Hero Of The Day
07. Bleeding Me
08. Cure
09. Poor Twisted Me
10. Wasting My Hate
11. Mama Said
12. Thorn Within
13. Ronnie
14. The Outlaw Torn