O tempo das fitas k7 não é memorável apenas pela garimpagem de metais preciosos que ocorria a cada troca de gravações, mas também pela verdadeira reviravolta que estava acontecendo na música pesada naquele período.

Quanta ansiedade não havia ao receber a fita para poder descobrir como soava aquela banda para a qual os fanzines dobravam os joelhos. Uma revelação do underground, extremamente desconhecida para quem não era headbanger aficcionado, e que tinha um nome tão esquisito quanto legal: Metallica. Sem ter nenhum conhecimento prévio sobre a referida banda, a não ser por uma foto vista em um fanzine, a fita é posta para rodar e vai passando. Primeira música, segunda, terceira, quarta, quinta música e então…

Então o Thrash Metal surgiu para mim.

Whiplash!

Até hoje essa faixa faz o sangue ferver desgraçadamente nas veias! A introdução com o compasso de bateria fazendo a marcação, enquanto as guitarras ecoam os acordes, cria uma expectativa que, tal qual um elástico sendo puxado, gera tensão até o momento em que repentinamente se solta e estala! James Hetfield foi até os limites nesse registro, rasgando a garganta no refrão gritado, enquanto a mão direita fazia a sua personalíssima palhetada, em ritmo ultra-acelerado. Whiplash é, ainda hoje, insuperável.

Tendo, então, já declarado a paixão por essa música, posso retornar a ordem normal das coisas e apreciar o disco desde seu começo. A introdução em fade-in de “Hit The Lights” é a porta de entrada para uma faixa ríspida, rápida, crua. “Hit The Lights” não é, talvez, tão Thrash Metal assim, soando mais como um Diamond Head mais raivoso, mas já aponta para as inovações que a banda propõe e que foram inadvertidamente geradas pela fusão das ideias e das influências de James Hetfield, Dave Mustaine e Lars Ulrich. Sobre esse último, aliás, hoje virou moda criticar as suas habilidades como baterista. Não sou baterista, então não posso avaliar perfeitamente sob esse modo, mas de uma coisa eu tenho convicção: se o sujeito, mesmo sem completo domínio de seu instrumento, conseguiu liderar uma banda de sucesso, e compor pelo menos três discos que se tornaram pedras fundamentais de um novo estilo, clássicos eternos, então dane-se a falta de técnica! Ele merece os devidos créditos.

Esses também são merecidos por Dave Mustaine. Embora não tenha gravado o disco, sua genialidade está espalhada pelas músicas e foi fundamental para formatar o som da banda. Sua saída, porém, foi tão essencial para o Metallica quanto suas composições. Dois egos, como os de Mustaine e Lars, tão próximos, poderiam prejudicar o campo gravitacional do planeta… A banda acabaria implodindo mais cedo ou mais tarde.

James Hetfield, por outro lado, é a âncora. Mesmo nos anos que se seguiriam, nos momentos mais experimentais do Metallica, a sua interpretação e os seus riffs mantiveram um dos pés do grupo fincado no lado pesado. Não compreendo muito os comentários que mencionam sua insegurança em se firmar na função de vocalista no começo da carreira. Aqui, já na estreia, o que se vê é alguém que está empenhado em cumprir com vontade o seu papel e o faz com personalidade.

E essa personalidade não se resume ao seu característico timbre de voz. É preciso novamente mencionar a sua palhetada, a forma como ele ataca seu instrumento. Ali está o segredo para que os riffs do Metallica tivessem aquela sonoridade tão peculiar e pesada. Isso é bem perceptível em “The Four Horsemen” e em “Jump In The Fire”, onde as bases ficam bem na cara e garantem vários minutos de pressão sonora, intercalados pelo pique de “Motorbreath”. Tudo valorizado por uma produção que privilegiou a espontaneidade.

A próxima faixa criou vida além do universo do Metallica e tornou-se objeto de estudo de qualquer baixista que se preze, independente de ser fã de metal ou não. “Anesthesia”, criada pelo gênio Cliff Burton, que – além de ser o melhor músico entre os quatro – exercia uma espécie de liderança interna, não só por sua experiência, mas também por sua personalidade tranquila. Cliff tinha tanto respaldo perante os demais que fez não só com que todos mudassem de cidade para que ele pudesse se juntar ao grupo, como também inseriu algo tão inusitado em um disco de metal quanto um número instrumental de contrabaixo. Em seu disco de estreia, Cliff já carimbava seu passaporte para a imortalidade.

Chegando ao lado B, “Phantom Lord” exibe um riff que me remete a algo que poderia ter sido feito pelo Judas Priest e isso basta, pois não dá pra tecer um elogio maior do que esse. A faixa seguinte começa soando como talvez a mais comum do álbum, mas seu trunfo pode ser definido em uma simples palavra: ATTTTAAAAAAAAAAACCCCKKKKK!!!!!  A mudança de tempo que esse grito divide é tão brusca que faz “No Remorse” ser duas músicas em uma, sendo a segunda parte um dos momentos mais rápidos do disco.

Por fim, antes da conclusão com “Metal Militia”, “Seek And Destroy” aparece como o terceiro grande destaque do disco, empatando nessa posição com “The Four Horsemen” e “Whiplash”. Ao terminar a audição, não podemos deixar de registrar a performance magnífica que Kirk Hammet exibia. O guitarrista, egresso do Exodus, encheu o álbum de solos de uma forma quase onipresente e que catapultou seu nome imediatamente para o rol dos principais instrumentistas da Bay Area. “Kill´em All” foi o primeiro momento de uma perfeita trilogia. O passo número um, a gestação, que ainda passaria pelo estabelecimento, até chegar a definitiva consagração! Apesar do mainstream alcançado por seus autores, a estreia permanece com seu inabalável status de pérola do underground.