Existem dois momentos especiais durante a preparação de uma resenha. Um, evidentemente, é a efetiva conclusão do texto; o outro – ainda melhor – é o tempo que se passa ouvindo o disco em foco, formatando o texto na cabeça. E isso serve tanto para um trabalho que você esteja conhecendo naquele momento ou para um álbum que já esteja sedimentado em sua memória. Esse segundo caso se refere ao disco aqui tratado. O quarto lançamento da carreira do Loudness representa um momento especial de minha vida, pois traz lembranças que mesmo outros preferidos da casa não despertam. “Disillusion” foi uma das minhas primeiras aquisições de fita cassete, vinda de algum lugar do país. Foi uma escolha aleatória, entre diversas opções de um catálogo repleto de nomes até então desconhecidos para mim, mas, pelo resultado, não haveria como eu reclamar da sorte. Satisfação garantida, como insinua o título de uma das composições.
Entre as coisas mais excitantes no Metal atual, está a oportunidade que temos de ouvir o estilo sendo cantado nas mais diversas línguas. Não que isso seja um fenômeno novo. Apenas não tínhamos acesso ou meios de conhecer artistas nesse naipe, por não estarem no foco da mídia, sendo que essa, juntamente com o mercado, priorizava quem cantava em inglês. Hoje podemos explorar a fundo e aproveitarmos músicas criadas dentro do dialeto de origem das bandas ou que tragam seus aspectos culturais para o primeiro plano. No começo dos anos 80, o que estava mais ao alcance, dentro desse contexto, eram os sons espanhóis, franceses ou japoneses, apresentados, respectivamente, por Baron Rojo, Trust, e pelo Loudness. Mesmo quando cantavam em inglês, essas bandas tinham um sotaque tão forte, em suas melodias vocais, que era impossível não dissociá-las de suas origens. E, é claro, para ouvidos desacostumados, aquela característica tomava a dianteira.
Em qualquer dos casos, porém, passado o estranhamento inicial, isso ia ficando de lado e a fruição de um excelente disco de Heavy Metal passava para o primeiro plano. “Disillusion” foi gravado na Inglaterra e lançado em duas versões, uma para o mercado japonês, e outra para o mercado ocidental, com letras traduzidas para o inglês, fazendo com que o vocalista Minoru Niihara tivesse que trabalhar em dobro. O disco traz o Loudness no auge de sua espontaneidade, na evolução do que fizeram em seus três primeiros trabalhos e sem estar ainda tão influenciados pelo Hard Rock americano, como o futuro revelaria. O guitarrista Akira Takasaki, compositor de todas as faixas, que tiveram letras do vocalista Minoru Niihara, demonstrou um talento absurdo para criar músicas pesadas e ganchudas ao mesmo tempo. Akira era detentor de grande técnica e habilidade em seu instrumento e, como pode ser percebido pelas instrumentais “Anthem” – que não está presente na versão original japonesa – e “Exploder”, navegava bem próximo daquela pegada que viria a fazer a fama de Yngwie Malmsteen. Traços de Scorpions, Van Halen e Accept também podem ser identificados no desempenho da banda, aqui e ali, ao longo do disco.
O equilíbrio das composições não permite eleger uma preferida entre “Dream Fantasy”, “Ares Lament”, “Milky Way”, “Crazy Doctor”, “Butterfly”, “Revelation” ou “Satisfaction Guaranteed”. São todas exemplos do Heavy Metal mais puro e original, sem misturas, sem tendências, sem subestilos – apenas Heavy Metal – mas eu admito que “Esper”, com sua velocidade, me marcou um pouco mais e fez com que eu abusasse dos botões Rewind e Play de meu tape deck
Apesar de sua popularidade, o Loudness foi ultrapassado nas prateleiras das lojas brasileiras por algumas de suas conterrâneas, como EZO e Anthem. Ótimas bandas, mas cujos álbuns tiveram péssima divulgação por aqui. De qualquer modo, era mais uma fronteira – geográfica ou musical – que era ultrapassada. Passados mais de trinta anos, eu fecho um ciclo com a banda, ao escrever sobre ela e, daqui para frente, talvez não haja mais o motivo de reescutar “Disillusion” para alguma produção textual. Tirá-lo da prateleira, porém, por qualquer pretexto que seja, é sempre um prazer.
Formação
Minoru Niihara – vocal
Akira Takasaki – guitarra
Masayoshi Yamashita – baixo
Munetaka Higuchi – bateria
Músicas
01.Anthem
02.Crazy Doctor
03.Esper
04.Butterfly
05.Revelation
06.Exploder
07.Dream Fantasy
08.Milky Way
09.Satisfaction Guaranteed
10.Ares Lament
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8.5/10