Resenha: Krucipha – Inhuman Nature (2017)

“Inhuman Nature” é o segundo álbum do Krucipha. Foi lançado oficialmente em outubro de 2017, com nove músicas, e duas tracks bônus. A banda, criada em 2010, é formada atualmente por Fabiano Guolo no vocal e na guitarra, Luis Ferraz na guitarra, Khaoe Rocha no baixo, Felipe Nester na bateria e Nicholas Pedroso na percussão.

“Inhuman Nature” foi considerado um dos melhores lançamentos de 2017, com bastante premiações. Entre seus pontos positivos está a manutenção da temática. Krucipha consegue cumprir a meta de se manter no conceito, de maneira clara e objetiva, com criatividade e sonoridade pesadíssima. “Inhuman Nature” é mais pesado e traz um conjunto mais maduro, trabalhado, que o “Hindsight Square One”, mantendo a a percussão tribal e a personalidade de forma criativa.

Ele foi gravado, mixado e masterizado no Boom Sound Design e no Silent Music Studio. A capa ficou nas mãos do artista brasileiro Carlos Fides (Evergrey, Almah), esculturas do artista plástico paranaense Jeferson Cesar, avô do baterista da banda, Felipe Nester. As fotografias das esculturas foram feitas por André Nisgoski.

1. Hateful

Hateful honra o nome que tem porque já começa com porrada no ouvido. A bateria com peso e velocidade se sobressai na introdução, com uma leve alternância com a guitarra, até os quase 30 segundos, quando entra o vocal rápido agressivo de Fabiano. Com quase um minuto e vinte, entra um pequeno solo de bateria, seguido de um diálogo com a guitarra, e o retorno do vocal, extremamente gutural e sombrio. O que funciona bem para a sensação de ódio extremo trazida pela letra. “I see hate, I see pain/Hateful, Hateful/ Mankind is the plague/Turning a blind eye, infectious disdain/ Hateful, Hateful”. (Tradução livre: “Eu vejo ódio, eu vejo dor / Odioso, Odioso / A humanidade é a praga / Fazendo vista grossa, desdém infeccioso / Odioso, Odioso”.) Durante toda a música, há uma alternância entre o agressivo e o gutural. A temática do álbum já está presente na primeira música: “Spreding like a disease/is our hateful inhuman nature/and there is no cure for this infection/until we are gone.” (tradução livre: “Espalhando como uma doença / é nossa odiosa natureza desumana / e não há cura para essa infecção / até que tenhamos ido embora”.)

2. Victimia

A segunda música mantém o peso característico do álbum, mas com uma melodia mais harmônica. Se na primeira música a bateria fez as honras, aqui se sobressai a guitarra pesada nos primeiros dez segundos, quando a bateria sai do segundo plano e acelera o ritmo. O vocal entra nos 30 segundos, agressivo. No último minuto a música entra em uma aceleração constante, e finaliza só com o vocal “alone”. Bem sugestivo, não? A letra fala de outra praga da humanidade: o vitimismo! Diz: “Playing victim won´t take you that far/ You drift away and deep inside you can´t hold on/ You die alone.” (Tradução livre: “Se fazendo de vítima não vai te levar tão longe/Você se afasta e, no fundo, você não consegue aguentar / Você morre sozinho”.) Mas ela vai além da crítica, e dá até um incentivo para sair dessa situação, assumindo a responsabilidade pela vida. “Take control, grab the steering wheel” (Tradução livre: “Assuma o controle, agarre o volante”.)

3. F.O.M.O

Tem início com a guitarra pesada, grave, alternando com a bateria, nos dez primeiros segundos. A partir daí já tem início a melodia da música, e a bateria por mais dez segundos. A preparação para a entrada do vocal é com uma certa suavidade (se é que dá pra usar esse termo aqui). Um bom resumo é que não dá para ouvir essa sem balançar a cabeça. O ritmo é contagiante em um crescente. Com quase dois minutos de música, o vocal se torna sussurrado, com um tom sombrio e misterioso. “You´re missing out/Time goes by as life ticks away/You are so dull that you forget to live today” (Tradução livre: “Você está perdendo / O tempo passa enquanto a vida passa longe / Você é tão chato que se esquece de viver hoje”.)

A letra fala do medo da vida e da insegurança quanto a responsabilidade das escolhas. “You waste your time looking at life through a small screen.” (Tradução livre: “Você perde seu tempo olhando a vida através de uma tela pequena.”) Um pequeno tapa na cara de leve, quantos de nós fazemos isso em uma sociedade extremamente tecnológica?

4. Acceptance

Alternância entre guitarra e os pratos da bateria. Para então uma espécie de disputa entre a bateria, pesada a partir dos dez segundos, e a guitarra. A quarta música do álbum traz uma sobreposição do vocal limpo com o gutural. Nos dois minutos, você consegue perceber a percussão em lata (talvez?), que traz um elemento novo e criativo. E que, na minha opinião, poderia ter sido mais explorado. Nos minutos finais, a música quase para e a bateria faz a contagem 1,2,3, que abre para uma mistura muito complexa entre bateria, percussão e guitarra. É quase como se todas elas quisessem atingir a mesma sonoridade. A letra é uma crítica ao conformismo, que fica claro em “A lifetime under consent/Manipulated, inner torment/Observing your spirit dies”. (Tradução livre: “Uma vida sob consentimento / Manipulado, tormento interno / Observando seu espírito morrer”.) A revolta fica muito visível nessa parte: “How can you accept this fate?/How can you be so mundane?/ Others will struggle to make their lives worth it/Instead, you lack in will and paralyzed, you just/ Take it.” (Tradução livre: “Como você pode aceitar esse destino? / Como você pode ser tão mundano? / Outros vão lutar para fazer com que suas vidas valham a pena / Em vez disso, você não tem vontade e paralisa, você apenas / Aceita.”)

Abrindo parênteses para um pensamento aqui, muita gente desiste dos sonhos por que acha que não vai ser possível, e segue a linha daquilo que talvez pareça mais seguro. Quantos músicos já não ouviram isso, não é mesmo? Essa letra, dentro do contexto de um álbum tão bem trabalhado como o “Inhuman Nature”, é com certeza um soco no estômago dos que não acreditaram. So, take it!

Confira o lyric video:

5. Non Efficiens, Non Decorus

Dez segundos de guitarra distorcida. Esta é uma das músicas mais contagiantes do álbum. Um vocal sombrio e gutural diz a seguinte mensagem: “Non efficiente without decorum”. (Tradução livre: “Não é eficiente sem o decoro”.) Aqui vai uma crítica ao sistema, e até sobre o egoísmo, de que cada um quer se dar bem, sem levar em conta a união. “The system is flawed.” (O sistema é falho.) Com quase três minutos, trinta segundos de instrumental, com uma guitarra fodástica! (Eu ia escrever aqui de chorar de lindo, mas vamos usar foda para não atacar a masculinidade do metal!)

6. Alter The Image

Essa foi a música que mais me chamou atenção no álbum. É a mais audaciosa, com maior liberdade criativa, aparentemente. Isso já é visível nos primeiros segundos, com a percussão trazendo uma pegada de música brasileira. É interessante porque a banda se autodenomina “Metal Pinhão”, o que sugere um certo apelo às influências regionalistas. E logo vem um som crescente, até acelerar completamente lá pelos 30 segundos com o vocal agressivo. Um destaque para o uso quase que contínuo da segunda voz, dando a impressão de uma multidão. Com quase dois minutos, a guitarra também entra na onda e traz uma sonoridade brasileira. Mas logo vem o vocal pesado para lembrar que, afinal, esse é um álbum de metal.

7. Bureaucrap

Outro ponto de destaque, é a sétima música. Isso porque ela é diferente dos padrões vistos até agora, começando com o vocal de Fabiano Guolo já nos primeiros segundos. Todas as outras tinham uma introdução instrumental, essa aqui, bem, ouça você mesmo! “Bureaucrap” é a mais rápida e também a mais curta do álbum. Contou com a participação de André Nisgoski (Macumbazilla) nos vocais. A crítica aqui é uma clara aversão à burocracia, e o nome é um neologismo parecida com a utilizada em terras tupiniquins de “burrocracia”, ou em uma tradução livre “burolixo”, a combinação das palavras burocracia e lixo. “‘My hands are tied’ / nobody replaced the one that´s on vacation.” (Tradução livre: “minhas mãos estão atadas/ Ninguém substitui aquele que saiu de férias”.)

8. Mass Oppression

Essa é a minha preferida do álbum. Introdução de guitarra pesada, seguida de um diálogo harmônico com a bateria. Ela é dinâmica, enérgica e mantém um ritmo contagiante até o final. No primeiro minuto já dá até para cantar junto. E aí fica também a pegadinha. A música é uma crítica ao controle e à opressão das massas, e em diversos momentos ela usa a palavra “mass”, que fica extremamente atrativa ao ouvido e, é claro que você canta! Portanto, endossa a “massa”, criticada na música, e que afinal é composta pela maior parte da sociedade. “We exchange our freedom/in the name of control”. (Tradução livre: “Nós trocamos nossa liberdade/ em nome do controle”.)

9. Mass Catharsis

A última música oficial do álbum tem velocidade, peso e é muito contagiante. O vocal também é diferente, mais limpo, e não tão grave quanto as outras músicas. Aqui também utiliza o recurso da repetição de “mass”, mas como segunda voz.

Bonus Track

10. Unwilling

“Unwilling” traz um berimbau nos primeiros segundos, seguido de uma percussão criativa. A guitarra e a bateria entram, com bastante peso. O vocal é bem grave e pesado. Nessa música há uma grande mistura de estilos, que poderia dar muito errado, mas o Krucipha soube dosar os elementos de uma maneira completamente harmônica. Ou seja, deu certo, deu muito certo! Além do berimbau e da percussão, perto do primeiro minuto há uma guitarra com notas que remetem ao Oriente Médio. Egito, talvez? “Unwilling” é uma música que representa e sintetiza o que tem de mais atual no estilo. É um bônus de presente, meeesssmmmooo!

11.Reason Lost MMXVI

A música que encerra o “Inhuman Nature” tem como principal característica a bateria marcante. Ela é rápida, mas de maneira harmônica. Confira o videoclipe:

A conclusão é que “Inhuman Nature” é um álbum que foi muito bem trabalhado, ousado e que vale cada segundo. Krucipha cumpriu com louvor o desafio principal de qualquer nova produção artística. Afinal, nem todo mundo acerta a mão ao exercitar a criatividade sem afetar o estilo, com um produto final original e de personalidade.

Formação:
Fabiano Guolo – vocal e guitarra
Luis Ferraz – guitarra
Khaoe Rocha – baixo
Felipe Nester – bateria
Nicholas Pedroso – percussão

Faixas:
01. Hateful
02. Victimia
03. F.O.M.O
04. Acceptance
05. Non Efficiens, Non Decorus
06. Alter The Image
07. Bureaucrap
08. Mass Oppression
09. Mass Catharsis
10. Unwilling (bonus track)
11. Reason Lost MMXVI (bonus track)

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