Resenha: Kirk Windstein – Dream In Motion (2020)

Que motivação um músico consagrado tem para lançar um trabalho-solo? Decerto esta pergunta foi feita quando Steve Harris, para citarmos um exemplo, anunciou no começo da década que estava produzindo um trabalho-solo sob a alcunha British Lion. Todavia vou mais além: e se esse músico é consagrado não só pelo legado de sua banda, mas também por ser considerado pioneiro de um estilo musical?

Quando se é jovem, a rispidez e rebeldia típicas da idade praticamente não permitem ao músico que ele expanda seus horizontes artísticos para além de onde ele está focado. Com o passar dos anos e também com o inevitável amadurecimento da mente (com algumas exceções), novos elementos musicais brotam e se desenvolvem na cabeça do músico, de modo que o estilo pelo qual ele se tornou conhecido desde jovem se torna agora um limitante criativo. Para extravasar suas novas ideias, ou as coloca em prática em sua banda, numa roleta russa que pode se tornar um suicídio comercial, ou monta-se um projeto paralelo. Essa segunda opção foi a escolha de Kirk Windstein para se desvencilhar um pouco do som praticado há três décadas com o Crowbar. No dia 24 de janeiro, foi lançado via eOne Music o primeiro álbum solo de Kirk, Dream In Motion.

Se você ainda não ouviu esse trabalho, calma. Kirk não embarcou em uma jornada pelo Pop Rock ou pela Country Music. A mão afiada do guitarrista que gera riffs pesadíssimos de Sludge Metal continua amolada em seu álbum-solo. O que Kirk resolveu fazer em Dream In Motion foi praticar um Doom Metal mais tradicional, sem quaisquer referências ao Hardcore e sem odor “Stoniano”, características pétreas do Sludge Metal, gênero que o Crowbar, e por que não dizer Kirk Windstein, foi um dos pioneiros. Mas o caminho escolhido por Kirk foi um Doom mais sofrido, denso e triste, lembrando em vários momentos os britânicos do Warning, os reis do Doom “sofrência”, como este escriba gosta de classificar o som da banda liderada pelo genial Patrick Walker. Os riffs do Doom tradicional e os vocais limpos se misturam a um clima triste e romântico que se assemelha à atmosfera criada pelas bandas de Gothic Metal, mas sem sê-lo. Até mesmo os vocais de Kirk Windstein estão mais melódicos, lembrando pouco o berreiro ensurdecedor e “mastodôntico” que ele costuma fazer no Crowbar.

A faixa-título, que dá início aos trabalhos e que já havia sido lançada como single em dezembro último, é a que mais lembra a banda principal de Kirk. Guitarras de timbragens pesadas conduzem uma música cadenciada e cheia de groove, repleta de arranjos dobrados e de bends, que fazem Kirk se sentir em uma aparente zona de conforto antes de que ele parta para a ousadia perpetrada nas faixas seguintes. A “sofrência” tem início de fato em Hollow Dying Man, uma composição triste e com refrão fortíssimo capaz de congelar seu coração e de encher seus olhos de lágrimas. Once Again é quase toda tocada em timbres limpos e besuntada com teclados em strings. A bateria, tocada por Duane Simoneaux (que também assina toda a parte técnica de Dream In Motion), é burocrática e quebrada, o que aumenta a sensação de melancolia invocada pela faixa. O mesmo clima continua em Enemy In Disguise, na qual a voz de Kirk parece vir do fundo de uma caverna graças ao reverb no microfone. A próxima faixa, The World You Know, é tocada em Si bemol Menor, o que aumenta mais ainda a carga melancólica já fortificada pelas primeiras faixas.

Se alguém morreu durante a audição das primeiras faixas, ressuscitou em Toxic, pois esta música tem um ritmo mais rápido e animado, comparando, lógico, com os funerais que a precederam. A instrumental The Healing é um destaque a parte com seu clima de suspense e as maravilhosas melodias perto do final. Aqui, Kirk fez questão de colocar seu baixo na frente em alguns momentos como se o instrumento fosse uma tropa de choque (lembrando que Kirk tocou todos os instrumentos neste álbum, a menos da bateria). A atmosfera densa volta em Necropolis que, quando menos se percebe, muda para The Ugly Truth, quase como se ambas se fundissem em uma única faixa. O álbum se encerra com um cover para o clássico Aqualung, do Jethro Tull, que ganhou a cara do Kirk Windstein mesmo sem descartar da música suas características originais. Ian Anderson deve ter aberto um sorriso.

Dream In Motion é um álbum que precisa ser ouvido mais de uma vez e com dedicação exclusiva para que cada faixa seja absorvida individualmente. A primeira impressão é que várias músicas são parecidas entre si, tanto pelo tom quanto pela estrutura rítmica e de arranjos. Guitarras limpas em chorus dominam boa parte das músicas, enquanto as distorções pesadas entram só em momentos pontuais após um crescendo. Isso é algo que Kirk pode melhorar para um segundo álbum. Talvez algumas aulas com Patrick Walker sejam o suficiente para este propósito. A capa, brilhantemente criada por Eliran Kantor (Krisiun, Bloodbath, Communic, etc.), esconde uma referência ao Crowbar por traz do nome “Windstein”, mas destaca a face taciturna de seu criador como se ele fosse uma entidade sobrenatural.

Apesar disso, Kirk Windstein está de parabéns por arriscar fazer algo mais tradicional e diferente após três décadas de serviços prestados ao Sludge Metal com o Crowbar e com o Down. O resultado final ficou ótimo, tendo em vista que estamos falando de um ato ousado de um dos mais criativos e prolíficos compositores do Metal nas últimas décadas. Sendo assim, por que não entender que Dream In Motion é um ato de rebeldia do jovem Kirk que vive dentro de um corpo de 54 anos?

Kirk Windstein – Dream In Motion
Data de lançamento: 24 de janeiro de 2020
Gravadora: eOne Music

Tracklist:
01. Dream In Motion
02. Hollow Dying Man
03. Once Again
04. Enemy In Disguise
05. The World You Know
06. Toxic
07. The Healing
08. Necropolis
09. The Ugly Truth
10. Aqualung (Jethro Tull cover)

Line-up:
Kirk Windstein – vocais, guitarras, contrabaixo
Duane Simoneaux – bateria

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