Esse foi o primeiro álbum do Iron Maiden que eu adquiri simultaneamente ao seu lançamento nas lojas. Na época, eu ainda estava absorvendo o que era Heavy Metal. Ia conhecendo um disco ou outro, me habituando aos poucos com aquele tipo de linguagem musical. Não foi um processo simples, pois eu posso dizer que Rock, no geral, era um universo completamente novo para mim.
O que eu conhecia a esse respeito? Muito pouco, certamente. Talvez uma música ou outra, de algum artista estrangeiro, perdida no meio da programação do rádio. Havia também um incipiente Pop Rock brasileiro, mas nada que alterasse meus batimentos cardíacos.
Escutar Heavy Metal, por outro lado, foi uma experiência absolutamente avassaladora na minha trajetória. Era algo absurdamente novo! Eu não sabia que poderia existir música feita daquela maneira. Foi como ter contato com algo feito em outro planeta ou outra dimensão.
“Powerslave” evocou esse sentimento em mim e, de certa forma, evoca até hoje, pois soava diferente de tudo o que eu já tinha ouvido – mesmo de Heavy Metal – até então. Isso de certa forma demonstra o quanto o disco é especial e que o tempo não diluiu, em absoluto, a sua força. Nós ficamos fazendo rankings e listas, classificando o álbum como um dos melhores, ou talvez o melhor, já feito, mas tais classificações acabam sendo geradas no piloto automático, pois discos como “Powerslave” estão acima do bem e do mal, de uma forma que a comparação feita com discos de outras bandas, ou do próprio Iron Maiden é estranha e desnecessária. “Powerslave” foi um momento único na música, sem parâmetros de comparação anteriores ou posteriores, seja de uma outra banda ou da banda que o criou, que, diga-se, não tornou a replicar o que foi feito aqui.
Essa última frase, esclareço, não é uma crítica. É apenas uma constatação feita sob a minha ótica, pois creio que jamais passou pela cabeça dos músicos do Maiden a possibilidade de tentativa de fazer um “Powerslave Parte 2”. E nem seria preciso, pois cada disco do grupo tem seu próprio brilho, mas o quinto álbum foi a sua obra-prima. “Powerslave” foi uma peça lapidada à perfeição em todas suas etapas: composições, capa, produção. Não falta nada e nem sobra também. O disco tem músicas longas, mas que soam absolutamente enxutas, sem nenhuma nota desnecessária.
No “Piece of Mind”, o Maiden, que sempre gostou de caprichar nos trechos instrumentais de suas músicas, já começava a dar uma esticada neles (“Where Eagles Dare”, por exemplo). Em “Powerslave”, eles alcançaram o ápice nesse tipo de arranjos, vide os mais de vinte minutos da dobradinha final com a faixa título e “Rime of the Ancient Mariner”. Ambas viraram clássicos instantâneos, tal qual o duo de abertura composto por “Aces High” e “Two Minutes to Midnight”. Mas se o disco é tão soberbo em suas extremidades, o que está no miolo não deixa a desejar. Que fã não sofreria uma mudança súbita de pressão arterial se presenciasse, hoje, a banda executando no palco canções como “Back in the Village”, “The Duellists”, “Flash of the Blade” ou até mesmo a instrumental “Losfer Words”? Historicamente elas foram deixadas de lado nos setlists ou nas antologias, mas são de excelência plenamente equivalente àquelas anteriores, mais lembradas por todos.
Ainda sobre os arranjos, é fenomenal a forma como o Maiden construía suas músicas, fazendo com que canções de melodia razoavelmente simples, e consequentemente cativantes, tal qual “Aces High”, soassem tão densas, tão ricas. Na faixa mencionada como exemplo, parece haver quatro guitarras tocando, tal sua robustez e detalhamento. A atenção especial que o Maiden sempre deu aos solos também contribui para essa sensação, deixando cada música com o vigor de um ser vivo, com cabeça, tronco, membros, sistema circulatório, tal qual uma criatura tridimensional.
O carisma que a banda possui tornaria a levá-la, mais cedo ou mais tarde, ao patamar em que se encontra, mas não havia forma dos brasileiros não serem fisgados em definitivo, pois foram apresentados ao grupo, in loco, no período em que faziam sua maior turnê, divulgando seu maior disco, durante nosso mais mítico festival, e que acabaria por formatar aquele que é um dos mais consagrados live albums já registrados. A partir de “Powerslave”, o Maiden estabeleceu seu gigantismo. Os dois discos seguintes, “Somewhere in Time” e “Seventh Son of a Seventh Son”, que concluem essa etapa da carreira da banda, mantém o gráfico de qualidade em nível retilíneo, perfazendo essa proeza com três trabalhos absolutamente distintos entre si. O período de tempo entre um disco e outro, de qualquer banda em início de carreira, é dependente do tamanho da turnê de divulgação que realizam, e o tamanho da turnê está condicionado ao desejo manifesto do público em presenciar o grupo. Não foi à toa que, após o lançamento de “Powerslave”, o Maiden pela primeira vez efetivou um hiato de mais de um ano entre seus álbuns de estúdio. Turnê da Escravidão Mundial era o seu nome, mas os livros podem registrá-la como fato histórico. Era um título; tornou-se uma constatação. E o mundo inteiro se curvou perante a sombra da pirâmide.
Formação
Bruce Dickinson – vocal
Dave Murray – guitarra
Adrian Smith – guitarra
Steve Harris – baixo
Nicko McBrain – bateria
Músicas
1. Aces High
2. 2 Minutes to Midnight
3. Losfer Words (Big ‘Orra)
4. Flash of the Blade
5. The Duellists
6. Back in the Village
7. Powerslave
8. Rime of the Ancient Mariner