A primeira impressão foi de susto e estranheza. “Como é que eu vou ler isso aqui? Está tudo em árabe!” Mas foi apenas um mal entendido, um reflexo condicionado que ocorreu por conta da grafia do nome do disco na sua capa. Na verdade, ao forçar um pouco mais a vista, percebi que as informações estavam grafadas em inglês, mas com uma fonte que imitava os caracteres do alfabeto árabe.

Essa reação inicial já me fez antecipar mentalmente o que iria encontrar na audição do disco. O seu título, Λειτουργία, é uma palavra grega, que, em inglês, é traduzida para Leitourgia, que é o título usado em sua divulgação. Esse disco foi lançado, no ano de 2015, pela banda goiana Heretic, que existe desde 2010 e trata-se de um álbum instrumental – que é a linha de trabalho da banda – abordando a fusão de Metal com influências de música oriental, preemente as originárias de países como India, Grécia, Egito e nações sauditas.

Não há uma classificação específica para esse tipo de som, pois alguns nomeariam como Mesopotamian Metal ou Oriental Metal. Eu, pessoalmente, embora entenda que a classificação não é algo essencial, mas que pode auxiliar no despertar do interesse de alguma parcela de público que se sinta mais confortável com esse auxílio, prefiro a abrangência do termo Folk Metal, visto que folk é uma palavra que faz imediata alusão às tradições regionais, de qualquer lugar que seja. Nomenclaturas à parte, fazer música instrumental sempre representa assumir desafios ampliados na função de cativar as pessoas. A música popular sempre tende a ser narrativa e nós nos apegamos a isso, então, em um ambiente instrumental, nós iremos buscar linhas condutoras que nos prendam a atenção. Nesse ponto, a banda obtém sucesso, até porque as regiões de onde ela extrai seus elementos de musicalidade são algumas das que forneceram as mais conhecidas histórias de nossa civilização e a música tende a refletir isso.

A apresentação gráfica do disco é simples, mas bonita, com o eficiente minimalismo da capa, mas, para ler as informações técnicas, eu precisei utilizar uma lupa, pois letras brancas e pequenas, impressas sobre um fundo cinza claro, não facilita a visão do que está escrito. Quando a primeira música, “Rajasthan Ritual”, tem início, é fácil transportar-se para o ambiente das ilustrações do encarte, graças a uma melodia étnica envolvente, que abre espaço para que a banda entre e acompanhe, em um ritmo hipnótico, pontuado por acordes pesados de guitarra. Essa faixa é a única do disco que conta com a participação do músico convidado, Lucas “Lucão” Castro, na composição, em parceria com o guitarrista Guilherme Aguiar. Todas as demais músicas, com exceção do cover de “Solitude”, do Black Sabbath, rearranjada para encaixar-se dentro da proposta da banda, são de autoria do Heretic, que é complementado pelo baterista Diogo Sertão e pelo baixista, entusiasta da utilização de fretless, Laysson Mesquita. Lucão ainda aparece como convidado no disco, em algumas faixas, tocando instrumentos como tabla, caxixi, djembê, sintetizador, além de alguns solos de guitarra.

Já a partir da segunda música, “I Am Shankar”, a banda surge com um ataque mais forte dentro de sua mistura, utilizando riffs que transitam entre o Death e o Black Metal, dentro de uma composição que homenageia uma de suas principais influências, o músico indiano Ravi Shankar, falecido em 2012. Ao longo de todo o disco, você encontrará essa fusão, em alternância de momentos de puro peso com outros de contemplação tão serena quanto as areias de um deserto, onde cada música representará um tipo diferente de viagem, para a qual você deve se deixar levar, principalmente em faixas de maior destaque, como “The Hedonist”, “Unleash The Kraken” ou “Lamashtu”, com seu ritmo ligeiramente cavalgado.

Sem dúvida, a proposta da banda não tem muitos representantes em nosso país, mas é algo que há algum tempo tem ganhado relevância no cenário internacional, através de grupos como Melechesh ou Orphaned Land, embora essas bandas tenham vocalistas em suas fileiras. Caso você seja um fã de música pesada que aprecie conhecer obras que saiam da zona de conforto do estilo, aqui está uma excelente dica.

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