Resenha: Hellhoundz – The Battle Of The Somme (2020)

Esse redator, por mais de uma vez, já manifestou ressalvas a respeito do Metal Tradicional. Não por não gostar, muito pelo contrário, mas pela indolência e falta de inspiração apresentada por tantos que se propõem a praticar o estilo. Mesmo no recém findado ano de 2019, poderíamos listar alguns artistas que, apesar de consagrados internacionalmente, entregaram discos que não poderiam jamais ultrapassar as definições de cansados ou burocráticos.

Não precisa de conserto o que não está quebrado. A significância da palavra “Tradicional”, depois de “Metal”, fala por si só, e a tentativa de incutir novos elementos forçaria a sua substituição por algum outro termo mais adequado. O que se pede, tão-somente, é criatividade, arrojo, o conhecido “sangue nos olhos”! É isso que fará a sua música se destacar e ser apreciada, soando original mesmo após a identificação de suas influências.

É o caso do Hellhoundz. A banda é um nome ainda recente dentro do cenário cearense, tendo começado suas atividades na segunda metade da década que se encaminha para o seu final, mas foi criada por músicos experientes de Fortaleza, egressos de formações diversas. Em pouco tempo, lançaram um EP autointitulado, com quatro composições que chamaram atenção pela qualidade e vibração. Com o cartão de visitas em mãos, iniciou-se o percurso pelos palcos da cidade e a sedimentação de seu nome. Banda e público perceberam que mais material era necessário e a preparação de um álbum completo teve início.

Nesse processo, houve a saída do guitarrista Tales Groo (Darkside), substituído por Renan Magalhães. A banda foi alimentando a ansiedade dos seus seguidores com a disponibilização de vídeos em suas redes sociais, relatando os dias de gravação, até a efetiva conclusão do trabalho, e a espera valeu cada instante. A arte da capa de “The Battle of the Somme”, criada por Anatoly Muschenko, é sóbria e repleta de referências a serem identificadas pelos mais atentos.

Assim como são as composições. A primeira faixa, “Burning Witches”, inicia com dedilhados grandiosos que remetem a abertura de shows. A influência de Iron Maiden é notória, mas ela surge da forma devida. A Hellhoundz não soa como Iron Maiden, ela soa como influenciada pelo Iron Maiden, e isso faz uma diferença enorme. Toques de Warlock e Grave Digger também podem ser percebidos, mas, durante a divisão dos solos, as lições do grupo inglês mostram-se mais nítidas. Grande desempenho e entrosamento da dupla Renan Magalhães e Joe Wilson.

“Midnight in the Garden of Good and Evil” é a primeira das canções recuperadas do repertório do EP e que trazem a assinatura de Tales Groo. Todas foram incluídas no tracklist do álbum e, embora mantenham suas características originais, alguns detalhes pontuais foram mexidos, como, por exemplo, o trecho de pedal duplo após o primeiro refrão desta. Cabe ao ouvinte descobrir o quê em cada faixa, mas o certo é que as composições inéditas mantêm o espírito e pegada daquelas da estreia, como revela a cadência de “Merciless Blade”.

A seguinte, “Hounds of Hell”, oferece a deixa para que eu possa falar sobre o desempenho do vocalista João Junior. Ele é extremamente competente no que faz e abrilhanta as composições com sua voz e interpretação. Nenhuma crítica em relação a isso, mas, por vezes, parece que ele prioriza demais a permanência nos tons altos e eu gostaria de ver o caminho para onde as composições poderiam seguir caso houvesse uma exploração mais intensa de tons médios e graves. Em “Hounds of Hell”, há sinalizações disso, tanto nas estrofes quanto no refrão, com efeitos muito bons. Existe, portanto, a ferramenta necessária, e a banda pode optar ou não pelo seu uso, afinal trata-se de uma decisão criativa, mas certamente as soluções de arranjo tenderiam a ser ampliadas. Da maneira que é hoje, está ótimo, mas ainda pode, eventualmente, melhorar e variar.

“O Homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás”. A frase está no começo e no fim dos sete livros do escritor Stephen King sobre a saga da “Torre Negra”. Da mesma forma, ela é pronunciada no começo de “The Gunslinger”, velha conhecida, assim como “Gargoyle”, cujos backing vocals possuem um pouco de Accept. Muitos dos méritos pela coerência lírica e musical do material podem ser creditados ao baterista Rod Magnani, que, além de sua atuação com as baquetas – apoiado pelas notas firmes do baixo de Augusto Oliveira – também produziu o disco, participou das concepções visuais, e assina a maioria das composições, seja isoladamente ou em parcerias com Joe Wilson e João Junior, mas buscando constantemente a inspiração em temas literários.

Tão literários quanto a faixa seguinte, “When The Night Begins To Rise”, sobre o clássico personagem de HQs, Batman. A canção funciona bem tanto para o fã de Metal quanto para os seguidores do Cavaleiro das Trevas. Em “Desert Rider”, o ritmo acelerado encontra correspondência com o conteúdo lírico e gera a catarse necessária para o encerramento com a épica faixa título. Os quase dez minutos de “The Battle of Somme”, reforçados pela qualidade de sua letra, fazem desta o momento mais alto de um disco cheio deles.

Ao fim da audição, o álbum transparece a sua face mais clara. É a estreia de músicos que não são estreantes. Que estão trabalhando pela primeira vez em parceria, mas que trazem suas próprias histórias para agregar ao conjunto. Deve ser por isso que está funcionando…. Histórias parecem ser o motor que impulsiona a Hellhoundz!

Músicas
01 Burning Witches
02 Midnight in the Garden of Good and Evil
03 Merciless Blade
04 Hounds of Hell
05 The Gunslinger
06 Gargoyle
07 When the Night Begins to Rise
08 Desert Rider
09 The Battle of the Somme

Formação
João Junior – Vocal
Renan Magalhães – Guitarra
Joe Wilson – Guitarra
Augusto Oliveira – Baixo
Rodrigo Magnani – Bateria

Encontre sua banda favorita