Uma característica interessante da arte é ela se reinventar sempre. Muitas vezes significa voltar ao passado atrás de referências que tenham conexão com o momento e o propósito. E se a sociedade contemporânea acredita piamente na revolução causada pelo do it yourself (DYU, faça você mesmo), sinto dizer que os nossos antepassados eram mestres nisso. É importante que se diga aqui que a questão cíclica, frase máxima do Lavoisier, “nada se cria, tudo se transforma”, cabe desde que o mundo é mundo.
Buscar referências no passado e trazer o contexto disso para os dias atuais, faz parte do ser humano, de certa forma. E essa é o objetivo do Didley Duo, uma dupla paranaense que busca o experimentalismo. “A proposta foi resgatar este instrumento que tinha ficado no passado, o diddley bow, e fazer música contemporânea com ele.”, disse Breno Teixeira. O projeto foi criado em 2017, com a intenção de incluir o instrumento nas composições, o instrumento que marcou o blues no sul dos Estados Unidos. “Sempre quis fazer minhas próprias músicas e acho que o lance experimental é um pouco do que eu sou.”, disse Breno.
Foi em 2018 que o Didley lançou seu primeiro material, dois EPs, “Som da Lata”, “The Green Men from South” e um single, Prozac´s Blues, única música com vocal, que conta com a participação da cantora Laura Dalla. “Ano passado em junho, lançamos outro single o primeiro com o João na bateria que se chama Third Wind e conta com o Fabiano Monteiro na gaita. Esse single entrou como uma bônus track em End Of The World Sessions: Chaos”, contou Breno.
Sessões do fim do mundo parece um bom nome para a situação atual. Eles já estavam com planejamento para o lançamento de um EP, antes do surgimento do Covid-19, mas aceleraram o processo por conta do lockdown do começo da pandemia. “No começo de toda essa loucura, fomos lá, gravamos o EP e correu tudo maravilhosamente bem. Para se ter uma ideia, o EP foi gravado em duas horas, gravamos juntos na sala, então foi uma atmosfera muito legal. O que vocês ouvem nas gravações foi o que realmente a gente tocou, não tem um processamento, não tem nenhuma gravação em cima, nada foi refeito. Esse também é um dos conceitos do Didley Duo, a gente sempre gravar ao vivo e sempre junto, para mostrar realmente o som dos instrumentos.”, disse.
O EP conta com cinco músicas. A primeira é “Acid Carnival” tocada com diddley bow. Quem escuta a música nem imagina que “é uma latinha das meninas superpoderosas com um cabo de vassoura e uma cordinha só”. Ela é uma das mais pesadas do EP e começa com uma pegada oitentista até, ainda que logo, depois do primeiro minuto, tenha uma pegada mais moderna.
O grande destaque do EP é “Heavy Feet”. A marcação no contratempo deixa a sonoridade extremamente interessante, também é possível observar uma influência marcante de southern. Se a proposta é soar sulista do interior dos EUA e pesado, a missão foi cumprida, e muito bem. “Ela surgiu como uma introdução para uma outra música nossa. Ela tem uma sacada de contratempo muito massa, e eu falei isso sempre pode virar uma música, e foi uma das músicas que a gente trabalhou para terminar.”, disse. Breno contou que “Prozac´s Blues II” é uma versão de “Prozac´s Blues”, que tem Laura Dalla nos vocais. Ao ouvir as duas percebe-se a similaridade, mas essa do EP é bem mais pesada e “suja”, por assim dizer.
Em “The End”, foi usada uma cigar box, com três cordas e uma placa de carro na frente. “é muito legal, por causa do lance da placa, ela tem uma ressonância, sabe muito diferente, e foi a primeira experiência com instrumento com trastes, que tem os lugares para você apertar, porque o diddley bow não tem, é direto no slide.”, disse Breno.
“Third Wind feat Fabiano Monteiro” fecha o álbum de maneira fenomenal. Aqui o duo contou com a participação especial de Fabiano Monteiro na gaita. O charme que a gaita traz ao som é incrível, e cabe muito bem na trilha sonora de uma festa. Breno contou que para essa música foi usado o canjo. “A gente nunca tinha usado e foi feito por um amigo nosso, Mateus, do Sons de Lata de Ponta Grossa. É um instrumento bem louco também, duas cordas, uma lata de cerveja e um braço. Nesse braço não tem traço, mas dá pra apertar, nessa música tem um lance diferente sobre isso, na forma de tocar. Foi uma coisa diferente que a gente fez.”, revelou.
A capa foi feita pela artista russa Valentina Leonteva. O EP é o primeiro da trilogia “End Of The World Sessions” a ser lançada. Muitas vezes a música instrumental passa a sensação de faltar alguma coisa, mas aqui a música soa tão completa que não passa essa impressão.
Didley Duo – End of The World Sessions: Chaos
Data de Lançamento: 05/05/2020
Gravadora: Independente
Tracklist:
Acid Carnival
Heavy Feet
Prozac´s Blues II
The End
Third Wind feat Fabiano Monteiro
Formação:
Breno Teixeira – diddley bow, cigar box, canjo
João Kolachisnki – bateria
Músico convidado:
Fabiano Monteiro – gaita