Trent Reznor, o genial líder do Nine Inch Nails, costumava dizer para seus fãs: “Se vocês sabem o que é bom para vocês, saiam agora e vão ouvir o disco “Scary Monsters” de David Bowie”. Trent certamente sabia o que era bom para ele, pois não é difícil perceber nesse álbum, principalmente na faixa título, traços da influência de Bowie sobre as músicas de sua banda.
Traçar o caminho de Bowie até aqui seria algo por demais extenso e tortuoso para os efeitos de uma resenha, mas basta que saibamos que ele vinha de sua trilogia berlinesca, realizada em conjunto com Brian Eno. A dita trilogia é um marco na cultura pop, aclamada e reconhecida pela crítica, mas que não teve o devido retorno em termos comerciais. Bowie, portanto, trocou a produção de Eno pela de Tony Visconti, com quem já tinha realizado álbuns importantes como “The Man Who Sold The World” e “Young Americans” e concebeu um trabalho que tanto apresenta potencial comercial como preserva o valor artístico que esperamos de sua obra. A abertura já não deixa por menos, com “It´s No Game (No. 1)”, com uma voz feminina recitando as letras em japonês e a guitarra inconfundível de Robert Fripp, do King Crimson, contornando a melodia. A mesma faixa retornará ao final do disco, em versão mais, digamos, contida, sem vocais femininos e com Carlos Alomar fazendo as partes de guitarra.
Basta ter ouvidos atentos para localizar onde Fripp aparece ao longo do disco e “Up The Hill Backwards” é mais uma de suas participações, em uma canção com intenção mais pop, mas que é seguida de imediato por suas conduções neuróticas naquela que é, de longe, uma das músicas mais eletrizantes da carreira de Bowie, a faixa-título. Depois, o álbum crava uma trinca inacreditável, com a clássica “Ashes To Ashes”, uma maravilha de arranjo e de versatilidade de Bowie como cantor, “Fashion” e sua levada mais tendente ao Funk e ao Soul, e a magnífica “Teenage Wildlife”, uma canção que não é mais lembrada do que deve porque tem a sina de competir com o resto do catálogo de seu criador, mas que possui uma emoção agridoce que faz com que permaneça em nossa cabeça muito tempo depois de seu término.
Após “Scream Like A Baby”, o disco apresentará duas canções em que outros dois guitarristas antológicos irão se fazer presentes. A primeira apenas através dos créditos de composição de “Kingdom Come”, de autoria de Tom Verlaine, do Television; e a segunda, na participação de Pete Townshend, do The Who, impulsionando os acordes de “Because You´re Young”, fechando o álbum antes que ele faça o loop para a sua abertura, na segunda versão de “It´s No Game”.
Com “Scary Monsters”, Bowie inaugura a sua persona para os anos 80, mas olhando para muito mais além. Tão além, que sobrepujou boa parte do que ele mesmo ainda iria produzir na década, mas esse sempre foi o seu padrão de atuação. Por mais bem sucedido que tenham sido os resultados obtidos nesse álbum, o artista dificilmente iria replicar algum tipo de fórmula. Sua fórmula sempre foi a ausência dela. A ausência de previsibilidade que inovava, de tempos em tempos, os rumos da música popular.
Músicas
01.It’s No Game (No. 1)
02.Up the Hill Backwards
03.Scary Monsters (And Super Creeps)
04.Ashes to Ashes
05.Fashion
06.Teenage Wildlife
07.Scream Like a Baby
08.Kingdom Come
09.Because You’re Young
10.It’s No Game (No. 2)