Algumas bandas de renome dentro da história do Heavy Metal se destacam, dentre outros predicados, por serem “camaleônicas”, ou seja, por sempre estarem se reinventando e experimentando novas sonoridades após um determinado intervalo de tempo. Há quem se ferre ao tentar tocar coisas diferentes, especialmente quando estes novos direcionamentos não são absolvidos pelo tribunal dos fãs. Outras bandas simplesmente se tornam especialistas em explorar novas dimensões musicais e sobrevivem décadas assim, sem nunca perder o respaldo frente aos admiradores ou manchar o seu legado. Uma destas bandas é o Darkthrone.
Não que o Darkthrone tenha se tornado uma banda comercial ou seus integrantes se propuseram a transformar a banda na mais nova cópia do Stratovarius. Sem perder a essência do Metal extremo em suas veias, não fazendo questão de se expor (shows eles não fazem mais desde 1996) e experimentando doses cada vez mais fortes de Metal tradicional, o duo formado por Nocturno Culto e Fenriz deixou de lado a sonoridade Black Metal que os fizeram ser um dos expoentes do estilo na Noruega (portanto, do mundo) nos anos 90, migraram para uma mistura suja de Speed Metal com Punk, também conhecido como Crust, ao longo dos anos 2000 e atualmente veneram o Metal oitentista. Todavia, do período em que o Darkthrone surgiu no ano de 1987 até o começo da década de 90, a banda praticava Death Metal.
É bom lembrar que, antes que o Black Metal se tornasse a marca registrada do Metal norueguês dos anos 90, alguns nomes que se tornariam referência no estilo praticavam Death Metal na segunda metade dos anos 80, inspirados pelas bandas norte-americanas que despontaram naquela época. Além do Darkthrone, Old Funeral e Amputation, para ficarmos em dois exemplos, representavam o Metal da morte norueguês naquele período. Faziam parte de ambas as bandas músicos como Olve Eikemo, Harald Nævdal e Kristian Vikernes, que se tornariam mais conhecidos nos anos 90, respectivamente, como Abbath, Demonaz – estes dois pelo Immortal – e Count Grishnark, o famigerado Varg Vikernes que dispensa maiores apresentações.
Mas o Darkthrone foi além. Sua estreia com Soulside Journey, lançado em 1991 pela Peaceville Records, se tornou um dos trabalhos essenciais para se entender o estilo naquele período. Fundado em 1986 sob o nome Black Death (uma premonição dos gêneros que a banda tocaria no futuro?), a banda adotou o nome pelo qual se tornaria conhecida no ano seguinte. Com duas demos lançadas em 1988 e mais duas em 1989, o Darkthrone chegou ao ano de 1990 com a formação composta por Ted Skjellum (vocais, guitarras), Ivar Enger (guitarras), Dag Nilsen (contrabaixo) e Hank Amarillo (bateria), cujo nome de batismo era Gylve Nagell. Em setembro de 1990, o quarteto zarparia para a Suécia a fim de registrar Soulside Journey no Sunlight Studio, em Estocolmo, sob a batuta do produtor Tomas Skogsberg. O que lá foi registrado acabou sendo um grande e primoroso trabalho de Death Metal.
Diferentemente das outras bandas citadas dois parágrafos acima, que praticavam uma versão suja e porca de Death Metal, o Darkthrone se preocupou em criar composições complexas e bastante variadas que foram embebidas em uma ambiência negra perturbadora, que combinava perfeitamente com a distopia transmitida pela arte de capa. O vocalista Ted Skjellum estava inspirado para forjar guturais fortes e de timbre assustador, sensação essa reforçada pelo reverb em sua voz. Da mesma forma, ele tirou da cartola solos bastante criativos, enquanto o outro guitarrista Ivar Enger segurava as pontas com bases seguras e harmonias malignas. Dag Nilsen esbanjou muito domínio de seu contrabaixo e o baterista Hank Amarillo performou aqui aquela que talvez seja sua performance mais técnica, segura e avassaladora de sua carreira enquanto músico.
Aqui não tem nada de blast-beats, técnica de bateria que simplesmente sufoca a atmosfera que o Death Metal precisa expor. O que testemunhamos em Soulside Journey é a mais pura expressão do terror e da impiedade que o Death Metal “old-school” é capaz de jorrar. Todas as composições, desde a abertura com Cromlech até o encerramento com a instrumental Eon, seguem a cartilha da imprevisibilidade, na qual o ouvinte não sabe o que esperar no próximo compasso, se um ritmo veloz, uma tercina mais cadenciada e nervosa ou se uma levada lenta típica de Death/Doom. De vez em quando, alguns teclados com timbres soturnos surgem muito bem encaixados para potencializar a ambiência negra das músicas. É quase impossível destacar mesmo algumas faixas para dissecá-las em maiores detalhes. Entretanto, vale ressaltar o combo destruidor formado pelas velocíssimas Neptune Towers e Sempiternal Sepulchrality, a faixa-título, que ecoa referências a Autopsy e Master, Grave With A View e seus elementos que nos acostumaríamos a ver no Death/Doom “mydyingbrideano”, a quase Prog/Death Iconoclasm Sweeps Cappadocia, o excelente riff inicial de Nor The Silent Whispers e a maldosa e inclemente The Watchtower.
No que se refere a produção de Soulside Journey, podemos identificar nas timbragens das guitarras algo que estava se tornando notório e característico do Death Metal sueco ao longo daquela década, aquele timbre cortante e cheio de agudo que se tornaria conhecido como “motosserra”. Sim, pois o produtor Tomas Skogsberg foi quem cuidou de clássicos do Entombed, do Dismember e do Grave, expoentes do Death Metal daquele país, usando as mesmas técnicas de captação e de timbragem de guitarra em seu Sunlight Studio.
Sobre o Darkthrone, talvez eles teriam sido o maior representante do Death Metal norueguês aparentado com seus asseclas suecos se tivessem optado por continuar nesta sonoridade. O que houve, afinal, foi que os integrantes do Darkthrone, principalmente Gylve Nagell e Ted Skjellum, entraram de cabeça na onda Black Metal que tomava de assalto o underground norueguês. Ted tornou-se Nocturno Culto, Gylve adotou a alcunha Fenriz e Ivan Enger, Zephyrous. Em pouco tempo somente Nocturno Culto e Fenriz continuariam a carregar o estandarte do Darkthrone e a fazer da banda um dos grandes camaleões do Metal. Que bom que deu tempo de eles se camuflarem de Autopsy para registrar esta obra-prima de Death Metal.
Darkthrone – Soulside Journey
Data de lançamento: 13 de janeiro de 1991
Gravadora: Peaceville Records
Tracklist:
01. Cromlech
02. Sunrise Over Locus Mortis
03. Soulside Journey
04. Accumulation Of Generalization
05. Neptune Towers
06. Sempiternal Sepulchrality
07. Grave With a View
08. Iconoclasm Sweeps Cappadocia
09. Nor The Silent Whispers
10. The Watchtower
11. Eon
Line-up:
Ted Skjellum – vocais, guitarras
Ivar Enger – guitarras
Dag Nilsen – contrabaixo
Hank Amarillo – bateria