Quando soube que Johan Längquist estava de volta ao Candlemass, e desta vez como membro efetivo, fiquei sobremaneira esperançoso. Nunca concordei que Mats Léven fosse um vocalista ideal para a banda, apesar de ser um baita de um cantor. Ele não possuía em sua voz o timbre e o dom de interpretação específicos para a sonoridade do Candlemass, elementos esses sacramentados em definitivo, e sem querer, pelo próprio Johan no clássico Epicus Doomicus Metallicus (1986) e perpassados pelo lendário Messiah Marcolin. Uma pena que este novo modo de compor de Leif Edling para o Candlemass tenha amarrado tanto o talento de Robert Lowe (em minha opinião, o melhor cantor que o Candlemass já teve a oportunidade de ter) quando esteve por lá e mesmo do próprio Mats Léven.
Pois bem. Mas outra coisa me incomoda nos trabalhos mais recentes do Candlemass. A sonoridade apresentada desde a volta da formação clássica da banda nos anos 2000 não era mais o mesmo Doom mortal e estrangulador que a banda costumava fazer nos anos 80. Os riffs cortantes rarearam. Desde então a banda soa mais como Heavy Metal mesmo, muito pouco lembrando o Epic Doom Metal que o próprio grupo inaugurou (mas a banda insiste que toca Epic Doom ainda. Não é questão de rótulo: “epic doom” é um gênero bem-definido musicalmente). Além disso, vez por outra elementos setentistas afloraram mais do que deveriam, infectando com incenso inebriante o Heavy/Doom da banda. Muitos acordes cheios, melodias confortantes que mais parecem shoegaze com peso e até mesmo timbres de Hammond saltaram das catacumbas de Leif Edling para o Candlemass. Tanto que o baixista teve que desafogar todas essas influências em um projeto paralelo, o Avatarium. Mas aí já era tarde; o Candlemass já estava infectado.
Pois muito bem. Johan voltou para o Candlemass sob a alegativa de que “a banda estava buscando suas raízes”. Em seus primeiros shows desde a sua volta, Johan apresentou uma voz poderosíssima, apesar de sua aparência envelhecida (cabe lembrar que Johan Längquist sempre cantou em bandas de Pop/Hard Rock). Para que esta conversa de “volta às raízes” convencesse os fãs, a banda divulga a capa de The Door To Doom trazendo uma referência fortíssima à capa do debut da banda. Até que sai o primeiro single.
Desilusão.
A mesma coisa que Leif se acostumou a fazer em seus últimos trampos, continuou a executar no novo álbum do Candlemass, lançado dia 22 último via Napalm Records e que terá uma versão nacional sob responsabilidade da Hellion Records. Quando o single The Omega Circle foi lançado, constatei que a volta de Johan Längquist foi muito acertada, não só em termos de marketing (lógico!), mas também para trazer de volta ao Candlemass uma interpretação vocal mais cheia e poderosa. Mas o instrumental não me convenceu. Quem havia prometido uma volta às raízes, conseguiu realmente enganar o fã que criou expectativas.
The Door To Doom é um álbum muito bom, se você o considerar à parte do restante da discografia do Candlemass. Um Heavy/Doom classudo e pesado é apresentado ao longo de suas oito faixas derramadas em confortáveis 49 minutos. A introdução de Splendor Demon Majesty pode até querer remeter a época de ouro da banda, no fim dos anos 80. Mas basta o riff principal pavimentar o caminho para que o Candlemass mostre que não quis realmente voltar às raízes. O Heavy Metal mid-tempo em tercinas, cheio de acordes, depõe contra a prometida “volta”, bem como sua sucessora Under The Ocean, mais cadenciada, mas nada que justifique ainda o termo “Epic Doom” que a banda ainda insiste em dizer que toca. Astorolus – The Great Octopus também já era conhecida de antes por ter sido lançada em single, trazendo a forte propaganda em torno da participação de Tony Iommi, o criador do Doom Metal, em tão-somente um solo. Enxergo o gesto de Tony em gravar para a banda como uma coroação ao Candlemass por seus serviços relevantes e influentes ao longo de 3 décadas, tendo o Black Sabbath sempre como principal norte. Todavia, nem mesmo sua benção salva o Candlemass (leia-se Leif Edling) da cadeira dos réus, cujo crime foi mentir para seus fãs em troca de manter vivo um elefante-branco que tenta ainda lançar trabalhos relevantes.
Um dos grandes momentos do álbum é a faixa 4, Bridge Of The Blind. Semi-acústica, a música realça os predicados justamente dos dois melhores integrantes da banda, o velho Johan com seu dom de interpretação (intacto desde os anos 80) e poderosa voz (que melhorou como vinho envelhecido), e o monstruoso guitarrista Lars “Lasse” Johansson, um dos músicos mais subestimados do Heavy Metal e que primorosamente alia a dupla técnica/feeling, dois caras tão difíceis de conciliar dentro da música. Death’s Wheel traz mais do mesmo em se tratando de Candlemass do terceiro milênio, a menos de mais uma participação estupenda de Lars Johansson, tão bem adornada pelas bases lentas e frias de Mats “Mappe” Björkman e da cozinha mais feijão-com-arroz do Doom, Leif Edling/Jan Lindh.
Por falar em Mappe, o guitarrista-base performa no começo de Black Trinity um riff grave e pesado, feito em uma corda só, cheio de bends que puxam seu pescoço para trás. Quando a música se desenvolve, tem-se a impressão que já ouvi algo similar em algum lugar. A mixagem da bateria me entrega onde foi: no The Doomsday Kingdom. Esta música parece ter saído de sobras do álbum que este projeto de Leif Edling lançou em 2017. De qualquer forma, Black Trinity consegue ser um dos grandes destaques do álbum com suas variações e um certo experimentalismo “krautrockiano” em sua metade. A próxima faixa é a já conhecida House Of Doom, reaproveitada do EP de mesmo nome lançado em 2018, na época gravada ainda com Mats Léven nos vocais. A nova versão, com Johan Längquist, é quase a mesma coisa da original. Porém, a gravação cometeu o pecado de retirar alguns licks que Lars Johansson gravou na versão do EP. Fui ouvir novamente o original para não ter o perigo de cometer alguma injustiça. Mas não posso me omitir: Johan canta muito melhor esta música. As linhas vocais não foram alteradas, porém Johan tem naturalmente um timbre mais forte, fora sua interpretação peculiar. A versão japonesa traz como bônus exatamente o EP House Of Doom. Mas parei de ouvir o álbum em The Omega Circle mesmo, para não ter o desprazer de ouvir novamente Mats Léven soando como um Peter Steele chifrudo e catarrento em Fortuneteller (argh, que nojo!)
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O álbum soa muito bem, com as guitarras bem pesadas e com todos os instrumentos nítidos (esse peso todo quase soterra a voz de Johan. Benditos sejam os reverbs e ecos!). Marcus Jidell foi seu produtor, e isso explica muita coisa sobre o Candlemass soar parecido com os demais projetos de Leif Edling. Jidell está diretamente envolvido com o Avatarium e com o The Doomsday Kingdom tanto como produtor e guitarrista. Fica em aberto se o resultado final seria um pouco diferente se Edling se desgarrasse de Jidell de vez e apostasse em nomes como Jens Bogren ou Jaime Gomez Arellano.
Outra coisa que me deixa muito triste com o Candlemass atual é essa obsessão pela palavra “doom” que Leif Edling tem desde que reformou a banda no milênio corrente. De 2000 pra cá, a banda já lançou 11 trabalhos com a palavra “doom” no título. Isso atesta que o Candlemass consegue a façanha de não soar mais com sua sonoridade clássica e, ao mesmo tempo, parecer clichê até demais. Temo bastante que essa insistência de Leif Edling no Candlemass acabe transformando esta egrégia instituição em um “Manowar do Doom”. É muito natural que um músico de mais de três décadas de carreira absorva variadas influências e, mesmo sem querer, as derrame em suas novas composições. Mas quando tal procedimento é feito a ponto de manchar um legado, sonoridade típica, relevância e influência de uma instituição do Metal, caracteriza-se uma perfídia, grave e dolosa, um anátema lançado aos fãs sedentos por Epic Doom Metal, vinda justamente de quem o criou. Leif deveria ter continuado com o Krux (lá sim Mats Léven soa perfeito), com o Avatarium, com o The Doomsday Kingdom ou com o diabo. Mas não jogar esta pirâmide aos fãs dizendo que o Candlemass voltou às raízes, quando na verdade o que se ouve é o oposto. Como este escriba relatou anteriormente, este é um álbum muito bom, mas ouça sem expectativas. Lançasse The Door To Doom sob outra banda/projeto, e Leif seria absolvido. Cumprisse a promessa de acabar a banda após a demissão do pobre Robert Lowe em 2012, e Leif seria absolvido. Fosse honesto com os fãs, seus patrões, e Leif seria absolvido.
A nota que atribuo a este álbum é em consideração e respeito ao trabalho absurdo de belo de Johan Längquist, de Lars “Lasse” Johansson (quando este guitarrista será reconhecido como um dos grandes do Metal?), bem como dos competentíssimos Mats Björkman e Jan Lindh.
THE DOOR TO DOOM – CANDLEMASS (Napalm Records/Hellion Records, 2018)
Tracklist:
01. Splendor Demon Majesty
02. Under The Ocean
03. Astorolus – The Great Octopus
04. Bridge Of The Blind
05. Death’s Whell
06. Black Trinity
07. House Of Doom
08. The Omega Circle
Bonus-tracks da versão japonesa – EP House Of Doom (Avalon):
09. House Of Doom (original version)
10. Flowers Of Deception
11. Fortuneteller
12. Dolls On A Wall
Line-up:
Johan Längquist – vocais
Leif Edling – contrabaixo
Lars “Lasse” Johansson – guitarra-solo
Mats “Mappe” Björkman – guitarra-base
Jan Lindh – bateria