Ah, a tal das mudanças de sonoridade. Se você não sabe, amigo leitor, elas são as coisas mais naturais de se acontecer dentro de uma banda. O compositor trabalha com o que ele sente no momento e em como isso influência nas suas ideias. Enquanto uma banda está em seus primeiros anos de carreira, talvez ainda em busca de sua identidade, as mudanças podem ser mais compreensíveis. Mas e quando aplicamos esta análise a uma banda que existe há mais de três décadas e é a referência maior de seu estilo? Com todo um legado musical a ser preservado?
Não que o Candlemass tenha mudado drasticamente sua sonoridade ao longo de sua existência (passou bem perto disso na segunda metade dos anos 90), mas é fácil reconhecer que o som do Candlemass atualmente não é mais o mesmo do de seus clássicos lançados na década de 80 e que definiram o estilo Epic Doom Metal, além de torná-la a mais bem-sucedida banda de Doom Metal da história (desconsiderando o Black Sabbath, é lógico). Aqueles riffs sufocantes, que passavam cortando a jugular sem dó nem piedade, raramente aparecem nos trabalhos mais recentes da banda. Os mesmos agora são feitos em acordes que mais parecem travesseiros. Nem sufocam mais. Esta sensação é reforçada pelas bases de teclados que emulam Hammond que Leif Edling gosta de usar nas músicas da banda desde 2012. Outro ponto a se considerar é o atual vocalista do grupo, Mats Levén. Não que o cara seja um mal cantor, pelo contrário. Mas para ser um intérprete das músicas do Candlemass, necessário é possuir um dom de interpretação descomunal na voz, algo que Johan Lanqvist, Messiah Marcolin e Robert Lowe, A Voz do Doom, têm de sobra. Levén, com sua voz que se encaixaria melhor em algum projeto AOR à la Jeff Scott Soto, fica muito a dever a seus antecessores neste ponto.
O novo EP do Candlemass, House Of Doom, apresenta quatro composições inéditas, sendo que a faixa-título foi criada para ser a trilha sonora de um jogo de mesmo nome que Leif Edling fez parte do desenvolvimento. A dita faixa-título já começa rápida, mas logo bate um desânimo ao ouvir Mats Levén tentar imitar descaradamente Robert Lowe em sua abordagem vocal. Porém, a partir de sua metade, a banda nos transporta a época de Nightfall (1987)e Ancient Dreams (1988), com um belíssimo solo de Lars “Lasse” Johansson. O final desta música traz um aqueles riffs fúnebres, puxados e dilacerantes, algo que sempre se espera da mão inspirada de Leif Edling. O melhor momento de todo o EP.
Um parêntese: vocês já repararam que nunca se ouviu falar no nome do monstro Lars “Lasse” Johansson em meio a qualquer debate sobre guitarristas de Metal? Isso sim é ser subestimado! Fecha parênteses.
Flowers Of Deception é outra que chega quebrando tudo e se mostra bem variada ao longo de seus seis minutos, com mais um destaque para a dupla de guitarristas. Mas aí chega o momento mais decepcionante do EP: Fortuneteller, a primeira música completamente acústica da história do Candlemass, e esse não é o motivo para ela ser ruim. O horrível é ter que suportar Mats Levén tentando imitar Peter Steele sussurrando aqueles vocais graves e “pseudo-sedutores” durante quase toda a extensão da música! Um nojo! A instrumental Dolls In A Wall é diferente e sente-se até um odor canábico numa passagem pesada que remete ao Stoner Metal.
Produzido por Marcus Jidell (Avatarium, The Doomsday Kingdom), o EP mostra um Candlemass soando pesado como há muito não se via, talvez desde Death Magic Doom (2009). O baterista Jan Lindh e o baixista Leif Edling fizeram o seu trabalho competente de sempre. Mas hoje, a banda depende muito de seus talentosos guitarristas Mats “Mappe” Björkman (que som pesadíssimo esse homem extrai de sua guitarra) e a fera Lars “Lasse” Johansson. Sabe-se que um novo full-length está prometido para a segunda metade deste ano. O EP House Of Doom já deu uma bela amostra do que há de vir. Está bom? Sim, está. Leif Edling é o tipo de músico que mesmo se tentasse nunca comporia algo ruim. Todavia, ao considerarmos a grandeza do legado sonoro da instituição Candlemass, a banda está muito aquém do que poderia apresentar. The Doomsday Kingdom, a nova banda de Edling, soa mais Candlemass do que o próprio Candlemass. Talvez tivesse sido melhor encerrar a banda em 2012, como o próprio patrão havia prometido, após a demissão de Robert Lowe; pelo menos não se correria um risco de manchar um maravilhoso legado com trabalhos que não fazem jus ao mesmo e com um cantor que sequer descalça os sapatos de seus antecessores. Espero sinceramente estar queimando minha língua.
Agora se vocês me dão licença, eu vou ouvir Epicus Doomicus Metallicus…
House Of Doom – Candlemass (Napalm Records, 2018)
Tracklist:
01. House Of Doom
02. Flowers Of Deception
03. The Fortuneteller
04. Dolls In A Wall
Line-up:
Leif Edling – contrabaixo
Mats Levén – vocais
Lars “Lasse” Johansson – guitarra solo
Mats “Mappe” Björkman – guitarra-base
Jan Lindh – bateria
Ficha Técnica:
Produção: Marcus Jidell, Leif Edling
Mixagem: David Castillo
Masterização: Maor Appelbaum