Resenha: Bruce Dickinson – Uma Autobiografia

Para que serve uma autobiografia?

Essa pergunta sempre surge durante a leitura de um novo livro do tipo e as respostas são as mais diversas, revelando-se sempre em consequência da história que está sendo contada. No decorrer de “Bruce Dickinson – Uma Autobiografia”, fui sentindo falta de alguns aspectos narrativos que, normalmente, deveriam fazer parte do relato de uma vida. Ao final, no posfácio, o próprio Bruce revelou que casamentos, filhos e divórcios foram conscientemente excluídos do texto e que, se a edição definitiva não tivesse eliminado um bocado de excessos, o livro teria se tornado um tomo gigantesco, do tipo que desestimula a coragem pela leitura apenas pelo seu peso físico.

Há controvérsias, claro, mas é o artista que vai dar a palavra final sobre a forma como ele quer contar sua trajetória. Temos, então, uma biografia que aborda, em seu maior período, a vida da pessoa pública que Bruce Dickinson é, e não sua vida privada. O resultado é igualmente satisfatório, mas concessões óbvias tiveram que ser feitas, como as lembranças de infância e os dias de estudante, essenciais para que se compreenda como o personagem se formou. Nesse ponto do livro, temos a sensação de estar visualizando um daqueles célebres filmes de escola, com alunos impecavelmente fardados e professores rígidos e austeros. O humor de Bruce, tipicamente inglês, deixa tudo mais divertido, sempre acrescentando algum trocadilho ou comentário mais irônico, à parte do assunto principal.

Cheguei a ver algumas críticas que diziam haver muitos temas sobre aviação no livro, e de fato há. Aliás, a aviação já é mencionada logo na quinta página, antes mesmo que se falasse em música, mas é certo também que a grande maioria do público consumidor desta obra já acompanha e conhece a fundo o trabalho musical do autor, não sabendo tanto sobre sua outra paixão e tudo o que ele já vivenciou nesse outro meio. Sob esse aspecto, são histórias bem-vindas, que a habilidade narrativa de Bruce conduz através de um pingue-pongue suave, indo de um tema para o outro de forma bem natural, até o momento em que os dois assuntos irão confluir para a junção de ambos universos, onde Iron Maiden e aviões se tornarão indissociáveis.

O texto é bem dinâmico, sem se demorar mais do que o necessário sobre qualquer evento, permitindo-se apenas fornecer o máximo de impressões sobre cada momento e nos dar o vislumbre do que se quer transmitir. Há momentos em que a falsa modéstia passa longe, mas a humildade e coerência são qualidades que ocupam mais espaço entre os parágrafos. O momento em que Bruce rebate a bobagem propagada pela imprensa, de que a NWOBHM foi a salvação do moribundo Rock inglês, quando isso não era bem verdade, pois havia muita coisa boa sendo feita, foi uma de minhas partes preferidas, mas indubitavelmente, a experiência do concerto em Saravejo, durante os conflitos daquela região, na década de 90, representam o ápice e lhe prendem nas páginas. Não seria exagero dizer que mereciam, por si só, serem mais detalhadas em um volume próprio. Poucos artistas teriam se submetido a realizar uma apresentação naquelas condições e, portanto, não foi à toa que, vinte anos depois, foi lançado um documentário sobre o evento.

Não é um livro sobre o Iron Maiden. É um livro sobre um artista e sua multifacetada capacidade de atuar em diversos segmentos e modos de expressão. Ao final, você verá que não leu sobre um rockstar, mas sobre alguém que, com todas as conquistas que obteve, poderia repousar sob o status de celebridade, mas que coloca este de lado na busca de desafios fora de sua zona de conforto e os supera como o trabalhador que enfrenta as metas de cada dia.

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