Desde que escutei, pela primeira vez, que um filme biográfico da trajetória do Queen seria realizado, fiquei dividido entre a empolgação e o ceticismo. Muitas produções do tipo podem ser consideradas boas, mas poucas chegam ao nível mais alto de excelência. “The Doors”, de Oliver Stone, realizado em 1991, é um exemplo de ocupante dessa categoria mais elevada. Biografias esquecíveis, por outro lado, existem aos montes. “Bohemian Rhapsody” não é uma delas, longe disso, mas também não chegou ao máximo. E foi por pouco, muito pouco…
Há que se expressar justiça em considerar que, sob certa ótica, condensar os seis anos de atividade e seis álbuns do Doors, em um filme de duas horas, lhe permite mais manobra do que tentar fazer o mesmo com a carreira de 21 anos e treze discos do Queen. Isso deixou a narrativa um pouco atropelada, mas também não é razão suficiente para justificar as incoerências temporais e históricas espalhadas pela narrativa. A primeira vinda ao Brasil, por exemplo, surge na história em momento muito anterior do que de fato aconteceu e, a criação de músicas anteriores a essa época, aparecem mais tarde do que deveriam.
Um filme é um filme, claro, e nesse contexto são aceitáveis algumas liberdades poéticas, mas a inversão cronológica dos eventos não mostra qualquer proveito dentro do roteiro que não pudesse ter sido obtido caso a sequência histórica tivesse sido obedecida. Isso prejudica o resultado do filme como um todo? Não, mas macula a sua produção pela desnecessariedade. Ficarão sem respostas quaisquer especulações sobre como poderia ter sido o corte final caso o director Bryan Singer, aclamado por sucessos como “Os Suspeitos” ou a série “X-Men”, não tivesse sido afastado do projeto, em parte por causa de desentendimentos com o ator que incorpora Freddie Mercury, Rami Malek.
Tendo entrado no lugar de Sasha Baron Cohen (“Borat”), Rami foi um acerto de escalação. Trazendo no currículo participações na série “24 Horas” e nas duas sequências de “Uma Noite no Museu”, o ator se destacou recentemente como o protagonista da cultuada série “Mr. Robot”. 2018 tornou-se um ano chave para sua carreira, pois está emplacando a refilmagem do clássico “Papillon”, além do presente filme. Os maneirismos de Mercury, que ele reproduz, são executados com perfeição absoluta e conseguem amplificar a emoção natural que aflora da sequência que reconstrói a participação da banda no festival Live Aid. Quem poderia apostar, há 34 anos atrás, quando o disco “The Works” foi lançado, que “Radio Ga Ga” seria a música que iria fazer nossos olhos lacrimejarem de emoção, logo a partir da cena com o movimento dos pés de Mercury?!?!
O restante do elenco também foi cuidadosamente selecionado, pois todos guardam bastante semelhança com os personagens vividos, principalmente o Brian May interpretado por Gwilyn Lee, em seu primeiro papel no cinema, mas uma menção à parte deve ser feita para o executivo de gravadora que Mike Myers (“Austin Powers”) faz. Sem corresponder a nenhum personagem real, coube-lhe uma fala que – os mais atentos irão perceber – é alusiva a clássica cena de “Quanto Mais Idiota Melhor” onde a canção “Bohemian Rhapsody” é tocada, fazendo uma pequena ironia com a mesma!
As performances do Queen, ou a sua trajetória como um todo, foram marcadas pelo gigantismo, pelo extraordinário, e o filme replica essa escala. Tantos anos após sua morte, Mercury ainda é uma presença fortíssima na música popular, e “Bohemian Rhapsody” consegue explicar, com mais acertos do que erros, os motivos da longevidade de sua lenda, prestando-lhe os devidos méritos, sem porém se descuidar de enfatizar que tudo aquilo que o Queen realizou, toda a sua magnitude, foi resultado da junção de forças do ser quadricéfalo que o incorporava.