Resenha: Basttardos, uma brisa de autenticidade no calor da cena carioca

Algumas bandas têm sonoridade mais desafiadora do que outras, algumas vezes. Enquanto na maioria dos casos nós rapidamente nos situamos quanto ao que está sendo tocado, em outros, precisamos esmiuçar as características, dissecar as camadas musicais e buscar compreender melhor a proposta, o que se deseja passar de mensagem, o sentimento que se quer provocar. Isso acontece, geralmente, porque são múltiplas as influências de uma banda – além das doses injetadas serem moderadas -, sofrendo acréscimo também de uma preciosa autenticidade própria.

(Texto originalmente publicado no Warriors Of The Metal!)

A resultante desses termos se materializa na forma de uma sonoridade “bastarda”, diferenciada, que ao mesmo tempo em que provoca familiaridade por se tratar de Rock, também induz a sensação de que algo singular está contido ali. A tal “sonoridade bastarda” define apropriadamente a musicalidade de um bando de Basttardos cariocas. Executando um transitório misto de Southern Rock, Hard Rock, Alternative Rock, algo de Heavy Metal e Country, Nu Metal, entre outros, o grupo oriundo do Rio de Janeiro se mostra capaz de alicerçar o antigo ao novo, produzindo uma sonoridade moderna e antiga ao mesmo tempo, elevando ainda uma potência de personalidade à equação, com direito a letras em português.

O bando foi fundado em meados 2010, quando um primeiro elemento chamado Alex Campos (vocal e guitarra) se juntou a um segundo elemento amigo de nome Bernardo Martins (bateria). Fechando o trio, veio o sinistro Terceiro Elemento (baixo), misteriosamente chamado dessa forma mesmo.

Basttardos

Três anos mais tarde, os cariocas oficializaram por meio de um evento o lançamento de seu primeiro registro autoral: o EP independente “Dois Contra O Mundo”, gravado nos estúdios Attack e BPM, ambos na capital carioca, e bem produzido pelo líder Alex Campos. Interessantemente, o resultado supera expectativas quanto à sonoridade.

Com seis faixas e 24 minutos de duração, o trabalho não impressiona ao extremo, mas estabelece metros de distância de uma musicalidade óbvia. Trata-se de uma sonoridade bastante coesa, onde o encontro de diferentes rótulos acontece sem choques brutos, e sim com destilação racional e inteligente. Ela percorre o disco exibindo as bases de sustentação de um Stoner Rock ao marcante clima faroeste, vigente quase o tempo todo, mesmo nos mais ornamentais riffs de guitarra. Contudo, o estilo sofre também interessante influência de Hard Rock e Country, intensificando as imagens mentais de charuto entre os lábios, revólveres no cinto e chapéu na cabeça, sem se esquecer também de elementos de Heavy Metal, que elevam as texturas do peso instrumental, embora não roubem a cena ao ponto de alterar uma nomenclatura rotular mais geral.

Por mais que o clima faroeste esteja frequentemente ali, nem sempre ele é óbvio, pois por vezes se perde em meio ao peso e porradas do Rock, e isso acaba por provocar um desvirtuamento de expectativas geradas pelo contemplamento da ótima e sugestiva capa, dirigida pelo próprio Alex Campos e ilustrada por Guilherme Teixeira.

Entretanto, tenha certeza de que o resultado é excelente e satisfatório. As canções têm, em geral, um ritmo energético, convidando o ouvindo a se juntar ao clima e estimulando movimentos corporais. Algo que ajuda bastante é a herança por vezes alternativa da postura vocal de Alex, especialmente nos refrões, cujas harmonias tendem a crescer e se tornar marcantes. Seu vocal tem encorpamento, e o intérprete não demonstra problemas para usar e abusar dos rasgados drives, presentes de forma carregada em faixas como “Sua Cama”. Porém, as linhas vocais não se limitam a repetições de postura – tudo depende de como a música se constrói: em faixas mais pegadas como “Fake” e “Dois Contra O Mundo”, ele chega a flertar com guturais rasgados, enquanto em outras mais cadenciadas como “Nem Agoniza” e “Presencio Tua Ausência”, os vocais tendem a ser mais amenos, consonando com o instrumental.

Certamente, “Dois Contra O Mundo” foi um excelente ponto de partida que demonstrou uma banda ainda com espaços a serem preenchidos pela maturidade, mas que ainda assim estava completa e convincente. Prova disso foi a positiva repercussão obtida através de positivas resenhas da crítica especializada, além de diversas execuções em rádios como a Rádio Cidade e a Rádio Transamérica FM.

Bastt

Focados em dar continuidade às ambições, o bando lançou em 2014, como anúncio de que coisa nova viria num futuro próximo, a single “Basttardos”, que inclusive é a faixa que abre o próximo trabalho, lançado um ano mais tarde novamente na forma de um EP intitulado “O Último Expresso”.

Gravado no estúdio Fil Buc Productions, no Rio de Janeiro mesmo, e novamente produzido por Alex Campos, esse compacto adere a uma abordagem um pouco diferente em relação a “Dois Contra O Mundo”, sem necessariamente sair da proposta. Muito embora a faixa de abertura, “Basttardos”, comece com uma imersiva introdução dialogada ao bom e velho estilo cinematográfico do Velho Oeste, ela logo se converte em um potente Hard Rock que se mantém vividamente ativo ao longo de todas as cinco faixas do registro. A veia Southern, explorada com mais vigor no disco anterior, sofreu redução devido à efervescência provocada pelo fogo de uma musicalidade de clima mais moderno, até pela produção ainda melhor. Essa modernidade provém de uma maior incidência de elementos relacionados ao Metal, surgindo inclusive nuances bem suaves de Thrash Metal e até Nu Metal, principalmente no que diz respeito a alguns arranjos de guitarra mais intensos e prolongados.

Vários novos elementos emergem nesse criativo e vigoroso trabalho. A banda explora charmosamente efeitos sonoros e violões, e tanto a postura instrumental quanto a vocal têm suas diferenças. Com evidente sagacidade, o trio deu cria a uma musicalidade forte, carregada, que transmite um sentimento de tensão, de alarme. Enquanto isso, Alex Campos tende a empregar uma postura mais narrativa às linhas vocais, mais focadas, de certo modo, em transmitir o conteúdo lírico, muito bem composto por ele mesmo. Além disso, elas frequentemente se encontram subdivididas por camadas que cantam diferentes tons que se justapõem, encorpando e intensificando a atmosfera.

“O Último Expresso”, assim como seu antecessor, contém canções heterogêneas entre si, cada qual com uma identidade verdadeiramente marcante. “Basttardos” e “Licor de Cereja” são têm ritmo intenso com vocais teatrais, enquanto “Despertar do Parto” é mais calma e serena. “Exilados” volta a oferecer uma porrada Southern já exibida no disco anterior, com direito a firmes vocais guturais rasgados. Contudo, a canção que de fato coroa o progresso criativo da banda é “Terceiro Elemento”, que fecha o trabalho de 22 minutos totais. Sua atmosfera é absolutamente engolfante, como em um filme de suspense, o instrumental é carregado e bem preenchido e o vocal, sobretudo no refrão, fica na cabeça.

Apesar de certas leves diferenças entre os dois registros, o segundo EP demonstra incontestável evolução musical e criativa, e principalmente uma banda mais direcionada. Mesmo que as diferenças sejam apontadas, descritas e trabalhadas nesse texto, elas são detalhes, e de forma alguma elas implicam em alteração de rumo, mudança de sonoridade, ou qualquer coisa do tipo. Pelo contrário: o Basttardos tem personalidade.

É enriquecedor conhecer o som dos cariocas e também tê-los fisicamente. Para adquirir, basta fazer o pedido pelo site oficial, ou pelo e-mail loja@basttardos.com.br, ou mesmo pelo próprio Facebook da banda ou dos membros. “Dois Contra O Mundo” está em promoção, custando R$ 10,00, enquanto “O Último Expresso” está saindo a R$ 15,00.

Em breve sairá um terceiro trabalho, nos mesmos moldes dos dois primeiros EPs. A previsão é para 2017, mantendo o pique de lançar material de dois em dois anos. A intenção é criar uma trilogia, e o terceiro EP completará essa visão, já que os dois primeiros são conceituais. O Basttardos é mais uma banda de qualidade ressaltável e que, principalmente, mostra que, com boa dose de criatividade, é possível fazer música pesada casar bem com nossa língua.

Formação:
Alex Campos (vocal e guitarra);
Bernardo Martins (bateria);
Terceiro Elemento (baixo).

Dois Contra O Mundo (EP) (2013)

Basttardos - Dois Contra O Mundo (EP) (2013)

Faixas:
01 – Sua Cama
02 – Nem Agoniza
03 – Presencio Tua Ausência
04 – Olhos Negros
05 – Fake
06 – Dois Contra O Mundo

O Último Expresso (EP) (2015)

Basttardos - O Último Expresso (EP) (2015)

Faixas:
01 – Basttardos
02 – Licor de Cereja
03 – Despertar do Parto
04 – Exilados
05 – Terceiro Elemento


Encontre sua banda favorita