Em 2013 eu li em algum lugar na internet sobre uma banda brasileira que queria contar a história do nosso país através de suas músicas. Achei aquela ideia interessante e, tempos depois, encontrei um vídeo deles promovendo o álbum que viria. Ao terminar de ver o teaser, fiquei ansioso para ouvir o conteúdo completo e, quando saiu, foi inacreditável. Essa foi a minha reação ao ouvir a banda paulista Armahda com seu álbum homônimo, lançado naquele mesmo ano.
Como muitos álbuns de Metal, especialmente power metal neste caso, o debut começa com a intro “Ñorairô”, cujo nome significa “guerra” no idioma guarani, falado por etnias indígenas de mesmo nome que viviam no Brasil antes da chegada dos portugueses. A abertura do disco é toda executada em violão e ambienta bem o ouvinte para o que está por vir. Falando em guerra, uma parece estar chegando quando a faixa seguinte, “Echoes From The River”, começa a tocar.
Aqui o tema é a guerra guaranítica. Em 1750 havia o Tratado de Madri, um acordo entre Portugal e Espanha a respeito de seus territórios na América do Sul, que gerou confronto entre portugueses, espanhóis e os índios Guaranis. A letra aborda o ponto de vista dos nativos, chamando os estrangeiros de “convidados indesejados”. Instrumentalmente, “Echoes From The River” é a típica música pesada que abre um álbum de Metal. Ouvindo, dá para se colocar no lugar de quem teve seu lar invadido e luta contra os invasores.
A faixa seguinte é uma das melhores do álbum, “Queen Mary Insane”, sobre a Rainha Maria I, de Portugal, conhecida por “A Rainha Louca”. O Armahda divulgou vários lyric-videos em seu canal no YouTube em que conta em mais detalhes o tema de cada música. Aqui vou tentar falar apenas do som. Essa faixa é um “tiro curto”, ou seja, é rápida, tanto instrumentalmente quanto na duração (pouco mais de três minutos), e tem muito peso vindo das guitarras. A banda segue mostrando que tem qualidade.
“Canudos” é uma faixa que começa mais lenta, com elementos de música brasileira e nos leva diretamente para o sertão da Bahia, onde houve a famosa guerra que leva o nome da cidade. Por volta dos dois minutos, o ritmo fica mais pesado, mas mantém os elementos da nossa música. Ela segue alternando momentos mais melódicos, inclusive com presença de violões, e outros com mais agressividade, como no refrão. É uma das mais diversificadas do álbum.
A faixa-título é a próxima. “Armahda” devolve o peso para o álbum. É uma música para cantar junto em shows por causa de seu refrão marcante, um dos melhores do disco. As guitarras, divididas entre os dois membros da banda na época do lançamento (atualmente o Armahda conta com mais três integrantes: Alexandre Dantas na guitarra, Paulo Chopps no baixo e João Pires na bateria), Renato Domingos e Maurício Guimarães, este também faz o vocal, seguem pesadas. Mas o destaque vai para a narração do dublador Silvio Navas, conhecido por seus trabalhos dando voz a Mumm-Ra (Thudercats), Bender (Futurama) e Papai Smurf (Smurfs), entre outros. Em Armahda, Navas faz o papel do Marechal Floriano Peixoto.
“Flags In The Wind” é a única música que não tem um tema específico voltado para a história brasileira. Aqui o lema é o patriotismo. Segundo a própria banda, é uma música “para quem quer morrer no Brasil”. Instrumentalmente, é uma das melhores do álbum. A bateria, tocada por Rafael Gomes Zeferino, do Áudio Fusion Studio, é um dos destaques.
Ao som de tiros, começa a melhor faixa de Armahda, “Paiol Em Chamas”. Sim, temos uma música em português por aqui. E que música! Ela é pesada, agressiva e possui um dos melhores refrãos do álbum. No começo as guitarras lembram um pouco de músicas do Running Wild. Enfim, já é um clássico da banda e, talvez, do Metal nacional nos últimos anos, porque não?
“Matinta” é a mais sombria e trabalhada do álbum. A letra é sobre uma lenda indígena que conta a história de uma bruxa, chamada Matinta Pereira, que anuncia sua chegada com assobios assustadores em noites mais escuras. A música também traz a “voz” assustadora da bruxa em várias passagens.
A próxima é “Spears of Freedom”, que começa com força total, com as guitarras trazendo de volta o peso. Maurício Guimarães alterna os vocais mais agressivos com mais limpos. O trabalho instrumental é muito bem feito.
Em seguida, a belíssima “Uiara” dá as caras, amenizando o tom do álbum. A letra fala da lenda de uma linda sereia, chamada Uiara, conhecida como “Mãe das Águas”, que atraía pescadores e índios com seu canto e os levava de encontro à morte. O ponto de vista abordado é o de um homem que ouviu o famoso canto da sereia e a aguarda na esperança de vê-la novamente. É uma balada composta de violões e que tem a participação de Cíntia Scola no coro.
Aos gritos de “March! March! March!” começa “The Iron Duke”, que conta como Duque de Caxias, conhecido como o “Duque de Ferro”, liderou tropas brasileiras e aliadas na Guerra da Tríplice Aliança, contra o Paraguai. É uma música com uma levada mais heavy metal tradicional em alguns momentos, alternando com o Power Metal. É um pouco mais arrastada, mas nem por isso deixa de ser interessante.
Uma das minhas favoritas é “What Could Never Be”. A penúltima faixa deste excelente álbum mantém o alto nível com as guitarras matadoras, além de uma “cozinha” que funciona de forma coesa, tendo também a bateria um bom destaque aqui.
“Pathfinder” me traz um pouco de nostalgia. Talvez seja por causa do tom de despedida do álbum que se encerra. Um dos melhores que ouvi nos últimos anos por sinal. São 10 minutos de mudanças entre momentos de calmaria e outros mais intensos, mostrando que o Armahda sabe compor músicas mais elaboradas, assim como fez em “Matinta”. Todos os instrumentos ganham destaque em determinado momento.
Com este álbum produzido de forma independente, o Armahda mostra que o Metal brasileiro não está morto, muito pelo contrário, está mais vivo que nunca, e transbordando qualidade em muitas bandas da cena nacional, que só precisam de mais reconhecimento dos próprios headbangers brasileiros. Porque qualidade elas já mostram que têm faz tempo.
Formação:
Renato Domingos (guitarra, violão, baixo, orquestra e arranjos de bateria);
Maurício Guimarães (vocal, guitarra, violão, baixo e arranjos de bateria).
Convidados:
Rafael Gomes Zeferino (bateria);
Cíntia Scola (backing vocal em “Uiara”);
Edson Xavier de Oliveira (baixo em “Canudos”);
Silvio Navas (narração em “Armahda”, como Floriano Peixoto).
Faixas:
01 – Ñorairô
02 – Echoes From The River
03 – Queen Mary Insane
04 – Canudos
05 – Armahda
06 – Flags In The Wind
07 – Paiol Em Chamas
08 – Matinta
09 – Spears Of Freedom
10 – Uiara
11 – The Iron Duke
12 – What Could Never Be
13 – Pathfinder