Em 1985 surgia em Moscou o Aria, que se propôs a tocar Heavy Metal tradicional nos moldes de seus ídolos da NWOBHM. Na época, o Aria e seus asseclas tocavam nos perigosos porões do underground soviético. Hoje, em 2018, o Aria não é somente o maior nome do Metal de seu país como também ostenta o posto de um dos maiores sucessos comerciais russos atualmente. Reforçando ainda mais essa posição de destaque na música russa, o Aria lançou recentemente seu 13º álbum de estúdio, Curse Of The Seas (Proklyate Morey, no original em russo).
Apesar de ser uma gigante instituição em seu país, o Aria ainda é relativamente desconhecido fora de suas fronteiras. Isso se deve muito em parte pela sua tradição de cantar em sua lingua-mãe, o russo, que além de ser um idioma complexo, faz uso de um alfabeto estranho para os padrões ocidentais, o cirílico. Aqueles que conhecem a banda logo lembram da pecha de “Iron Maiden russo”, pois o Heavy Metal do Aria tem fortes influências “maidenianas” desde sua origem nos anos 80. Mas a verdade é que, paulatinamente dos anos 2000 para cá, o Aria vem acrescentando em seu som novos elementos e ousadia em seus arranjos.
Resultado: Curse Of The Seas é o mais variado, progressivo, ousado e o melhor álbum já lançado pelo Aria.
A banda, liderada pelo guitarrista-fundador Vladimir Holstinin e pelo baixista de longa data Vitaly Dubinin, resolveu usar todo seu arsenal de influências musicas em Curse Of The Seas, de modo que o álbum traz consigo 12 composições que superam a marca total de uma hora e quinze minutos de duração. Apesar de longo, vale a pena separar um momento de seu dia para apreciar este trabalho. O tempo passará voando!
Na primeira metade do álbum as músicas estão num patamar mais tradional. Race For Glory e Varangian se mostraram ótimas escolhas para abrirem os trabalhos com seus ritmos frenéticos. E, com somente estas duas músicas, já se pode nomear o destaque do álbum, o vocalista Mikhail Zhitnyakov. O jovem cantor entrou na banda em 2011 com a difícil missão de honrar o legado de Valery Kipelov, o carismático vocalista que fronteou a banda entre 1985 e 2002, e de seu antecessor, o ótimo mas louco Arthur Berkut. Zhitnyakov é dono de uma potente voz e de um belíssimo e marcante timbre.
O outro guitarrista, Sergey Popov, assina a composição da faixa 3, The Lucifer Era, cadenciada e animada, quase que funciona como um “Hard n’ Doom”. A próxima música, It’s Hard to Be a God, começa lembrando Soundgarden pelo timbre da guitarra. Depois se apresenta introspectiva e com orquestrações em seu refrão. Como é de se esperar, em todo álbum do Aria existe pelo menos uma balada, e neste álbum ela aparece na faixa 5, So Be It, que, se não é a melhor balada já composta pela banda russa, vale a pena ser escutada pela impressionante interpretação e voz de Mikhail Zhitnyakov. A forte veia Iron Maiden não foi esquecida e ela aparece fortemente na faixa Everything Begins Where the Night Ends.
A partir daqui começa a “parte prog” de Curse Of The Seas. Progressiva desde seu início, a faixa Alive também tem assinatura de Sergey Popov (cabe lembrar que a grande maioria das músicas do Aria são compostas pelos chefes Dubinin e Holstinin) e começa trazendo algo do prog setentista, variando bastante seus arranjos para partes pesadas e suspenses sombrios ao longo de seus oito minutos. A melhor música do álbum! Uma levada típica do Rock Alternativo russo surge na “stripteaseana” Kill The Dragon (imagine o Angra compondo uma música ao estilo do Skank… pois é), com direito a solo de slide. Smoke Without Fire é mais uma que começa introspectiva, mais lembrando as sofrências do Whitesnake com algo de progressivo, ganhando peso e velocidade e, do nada, trazendo violões em seu final ao melhor estilo Kansas. O Metal tradicional e pesado do Aria (com um cheirinho de Metallica) volta com tudo em From Dusk Till Dawn, em mais um ponto álbum do álbum. Aqui mais uma vez vemos a assinatura de Popov, provando que o novo “Prog Aria” deve muito a sua entrada na banda, que se deu em 2002.
O álbum se encerra com a faixa-título, um épico de quase 13 minutos, a maior música já lançada pela banda. Composta por Vitaly Dubinin, aqui foi lançada mão das influências maidenianas da banda em sua intro (que se repete no finalzinho) e na variedade de arranjos. Impossível não lembrar de Rime Of The Ancient Mariner, não pelos arranjos em si (ambas as músicas são bem distintas), pelas suas particularidades e pelo tema da história, maldição nos mares. Aqui também fui usada as influências progressivas que a banda adotou em seu portfólio musical. Uma grande faixa que atesta a grandiosidade da musicalidade dos russos.
Para Curse Of The Seas, a banda resolveu buscar os serviços do renomado músico e produtor Roy Z (Bruce Dickinson, Rob Halford, Judas Priest, Sepultura, etc.) para a mixagem. Em minha opinião, este foi o erro da banda. Era melhor ter deixado este serviço a cargo do baterista Maxim Udalov, solução caseira que sempre se mostrou bastante eficiente desde que voltou ao grupo em 2002. A mixagem não está ruim. Pelo contrário, traz uma impressão de que a banda quis voltar no tempo por conta de uma certa poeira na qualidade sonora. Mas é chato ficar pensando que estamos ouvindo a bateria de Fear Of The Dark. O timbre do caixa é o mesmo! Por falar no baterista, o mesmo fez seu tradicional “feijão com arroz” de sempre, com muita competência. A dupla de guitarristas Vladimir Holstinin/Sergey Popov deu mais um show de entrosamento, pegada pesada na mão direita e solos bastante criativos. Sobre Vitaly Dubinin, é suficiente dizer que ele é o “Steve Harris russo”. Não só pela sua abordagem de contrabaixo, mas também por ser o líder da banda, principal compositor e pela marcante presença de palco. Já falei no começo do texto, mas não custa nada relembrar: COMO CANTA ESTE MIKHAIL ZHITNYAKOV!! Sem dúvida nenhuma, este é um dos melhores vocalistas de Metal na atualidade.
Se você já conhece o Aria, trate logo de ouvir Curse Of The Seas. Se ainda não conhece a banda russa, pode começar por este álbum, pois assim você terá a melhor impressão possível deles. Sua ousadia musical e as generosas e sapiênticas doses de Progressivo sem abandonar o Metal tradicional colocam o Aria no posto de uma das melhores bandas de Metal do mundo atualmente, tanto que o título de “Iron Maiden russo” nem faz mais sentido.
E, se é para falar da banda britânica, Curse Of The Seas é o álbum de Progressivo que o Iron Maiden tenta lançar a quase duas décadas, sem sucesso. Steve Harris, favor fazer um curso de reciclagem musical em Moscou com Vitaly Dubinin.
CURSE OF THE SEAS (PROKLYATE MOREY) – ARIA (M2BA, 2018)
Tracklist (nomes das faixas traduzidos para o inglês):
01. Race For Glory
02. Varangian
03. The Lucifer Era
04. It’s Hard To Be A God
05. So Be It
06. Everything Begins Where The Night Ends
07. Alive
08. Kill The Dragon
09. Smoke Without Fire
10. From Dusk Till Dawn
11. Curse Of The Seas
Line-up:
Mikhail Zhitnyakov – vocais
Vitaly Dubinin – contrabaixo
Vladimir Holstinin – guitarras
Sergey Popov – guitarras
Maxim Udalov – bateria
-
10/10