Resenha: Aria – Baptized With Fire & Armageddon (regravações, 2020)

Mikhail Zhitniakov, Maxim Udalov, Sergey Popov, Vladimir Holstinin e Vitaly Dubinin.

Se regravar um álbum de sua discografia é sempre um ato perigoso e arriscado, imagine então regravar dois de uma vez só! Não importa o motivo que enseje a regravação, seu resultado final pode ser ainda mais insatisfatório, a depender do tamanho do carinho que o fã cultive pela versão original. Em geral, tal tomada de decisão é feita levando-se em consideração o fato de que a gravação original não possui uma produção boa o suficiente para que cada detalhe e nuance de suas composições sejam captadas e degustadas pelos ouvintes. Todavia, o caso que analisaremos hoje foge deste padrão. 

Desde o advento e a consequente popularização das plataformas digitais, os gigantes russos do Aria (Ария) vinham tendo dificuldades para publicar dois álbuns de sua discografia, Baptized With Fire (Крещение Огнём, 2003) e Armageddon (Армагеддон, 2006) no streaming. Ambos estes álbuns foram gravados pelo vocalista Arthur Berkut, famoso na terra dos cossacos por ser o vocalista da banda de Prog Rock Autograph (Автораф, não é aquela banda que toca Turn Up The Radio) e que havia chegado à banda em 2003 com a difícil missão de substituir o veterano e carismático Valery Kipelov. Berkut saiu da banda em 2011 e desde então vem sempre arrumando confusão com o Aria, inclusive nos tribunais. Uma destas confusões era exatamente o fato de ele impedir o Aria de publicar os dois álbuns gravados por ele nas plataformas digitais, pois, para que tal necessidade seja concretizada, era obrigatória a anuência de todos os envolvidos na gravação, anuência esta que sempre era negada por Berkut. 

O Aria então resolveu tomar uma drástica decisão: regravar completamente do zero os dois álbuns com a atual formação, que conta com o vocalista Mikhail Zhitniakov, para que os mesmos pudessem enfim figurar nos Spotifys, Deezers e iTunes da vida. A menos do cantor atual, os outro quatro integrantes que estão no Aria atualmente gravaram as versões originais de Baptized With Fire e Armageddon: Vitaly Dubinin (contrabaixo), Vladimir Holstinin e Sergey Popov (guitarras) e Maxim Udalov (bateria). Normalmente a banda deveria estar hoje promovendo uma grande turnê em seu país de origem comemorando seus 35 anos (!) de existência. Mas a pandemia de covid-19, como bem sabemos, melou tudo, muito embora a Rússia esteja liberando alguns eventos com público, inclusive alguns shows do Aria. Então, os veteranos do Metal soviético resolveram aproveitar o tempo ocioso e entraram em estúdio para regravar Baptized With Fire e Armageddon com mixagem e masterização de Maxim Samosvat.

Preciso inserir aqui um pequeno parênteses: o Aria sempre cantou suas letras em russo, portanto o nome original de seus álbuns e músicas é escrito em russo com o alfabeto local, o cirílico. Portanto, neste texto estarei mencionando cada nome de álbum e música pela sua tradução oficial em inglês. Fecha parênteses.

Ainda que o motivo das regravações tenha sido comercial, Baptized With Fire e Armageddon acabaram por ganhar uma nova cara com Mikhail Zhitniakov e com uma produção mais condizente com os tempos atuais em comparação com os registros originais, que eram dotados de vocais mais raivosos de Arthur Berkut e com uma produção mais crua e cascuda. E de bônus, as regravações com uma qualidade mais límpida e cristalina de produção mostram que, ao longo dos anos 2000, o Aria, conscientemente ou não, incorporou várias nuances que vão do Power/Speed até o Groove e quis provar para todo mundo que eles eram muito mais que somente um “Iron Maiden russo”. Muito embora este estigma possa servir como um ótimo elemento de marketing para promover a banda mundo afora, ele de certa forma reduz a real dimensão e variedade da música do Aria. É lógico que o sexteto britânico sempre foi e sempre será a principal referência dos russos, mas o quinteto de Moscou consegue sim misturar outras influências e, o melhor de tudo, impor sua própria identidade em suas composições com uma qualidade absurda e com uma originalidade tão competente e ímpar que os torna uma das melhores e empolgantes bandas de Metal da atualidade.

Baptized With Fire, lançado originalmente em 2003, traz em suas primeiras quatro faixas uma sequência tão poderosa e matadora poucas vezes testemunhadas na história do estilo. Mikhail Zhitniakov, também para mim o dono de uma das melhores vozes do Metal mundial, concedeu a estas faixas um novo ponto de vista artístico com seu marcante timbre limpo, em especial à belíssima faixa-título e a épica e arrepiante The Hangman. Outros destaques aqui vão para a clássica Coliseum, a balada There Up High e a cadenciada e quebrada Prince of Darkness’ Ball. Vale a pena também conferir Battle e seu forte odor de Metallica.

Armageddon, cuja versão original é datada de 2006, sempre foi para mim um álbum mais difícil de se absorver do que Baptized With Fire e, ouvindo as regravações, esta constatação não mudou. Apesar de que o direcionamento musical é o mesmo (mas com as influências de Iron Maiden aparecendo mais fortes novamente), a impressão de que Armageddon é um álbum mais burocrático incomoda um pouco. Mas isto não significa que este é um álbum ruim (o Aria jamais lançou um álbum ruim em seus 35 anos de existência) e que ele pode agradar mais do que Baptized With Fire a depender do gosto do ouvinte. Aqui os destaques vão para o Power Metal Last Sunset, a belíssima Marked By Evil, a épica The Blood Of Kings e a instrumental On The Wings Of The Wind, composta originalmente por Alexander Borodin para a ópera “Prince Igor” e rearranjada pelo guitarrista Vladimir Holstinin. Por sinal, On The Wings Of The Wind foi lançada originalmente no EP Battlefield, de 2009, e entrou na regravação de Armageddon no lugar de Your Day, única música dos dois álbuns originais que é de autoria do ex-vocalista Arthur Berkut e que por esta razão não foi contemplada com uma regravação. A faixa-título de Battlefield também foi incluída nos relançamentos, aparecendo como faixa-bônus de Baptized With Fire.

A intenção deste artigo não é comparar as performances de Mikhail Zhitniakov e de Arthur Berkut. Eu jamais fui tomei parte em comparar vocalistas de estilos e timbres distintos por achar tal comportamento uma injustiça. Obviamente que continuo preferindo algumas músicas em suas versões originais, assim como passei a gostar mais de outras músicas nas novas versões cantadas por “Misha”. O que realmente importa aqui é que tanto Baptized With Fire como Armageddon ganharam novas excelentes versões que podem trazer para os veteranos do Aria novos fãs que estão acostumados com as plataformas digitais. O motivo que fez a banda tomar esta decisão de regravar ambos os álbuns não é nada legal; por outro lado, ganhamos de presente um novo ângulo de visão para dois álbuns tão bons e ainda assim tão obscuros para aqueles que conhecem somente a fase clássica do Aria com Valery Kipelov ou os novos fãs que aprenderam a amar os gigantes russos com Mikhail Zhitniakov.

Se você ainda não conhece o Aria, ouvir as novas versões de Baptized With Fire e Armageddon pode ser uma ótima porta de entrada para que você entre e conheça a excelente discografia desta banda tão famosa na Rússia, mas que ainda é um nome obscuro mundo afora. Entendo que o fato de eles cantarem em russo é um obstáculo, mas deixe que sua música fale mais alto quando ouvi-los. Garanto que em pouco tempo você até conseguirá cantar algumas músicas do Aria!

BAPTIZED WITH FIRE & ARMAGEDDON (Reloaded, 2020)
Data de lançamento: 16 de outubro de 2020
Gravadora: M2VA

TRACKLIST – BAPTIZED WITH FIRE
01 – Patriot (Патриот)
02 – Baptism by Fire (Крещение огнём)
03 – Coliseum (Колизей)
04 – The Hangman (Палач)
05 – Your New World (Твой новый мир)
06 – There Up High (Там высоко)
07 – White Flag (Белый флаг)
08 – Battle (Битва)
09 – Prince of Darkness’s Ball (Бал у князя тьмы)
10 – Battle Field (Поле битвы, faixa-bônus)

TRACKLIST – ARMAGEDDON
01 – Last Sunset (Последний закат)
02 – Marked by Evil (Меченый злом)
03 – Guardian of the Empire (Страж империи)
04 – The New Crusade (Новый крестовый поход)
05 – Messiah (Мессия)
06 – The Blood of Kings (Кровь королей)
07 – Viking (Викинг)
08 – Alien (Чужой)
09 – The Light of Bygone Love (Свет былой любви)
10 – On The Wings Of The Wind (На крыльях ветра)

Line-up:
Mikhail Zhitniakov – vocais
Vitaly Dubinin – contrabaixo
Vladimir Holstinin – guitarras
Sergey Popov – guitarras
Maxim Udalov – bateria

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