Brasil. Terra do Samba e da Bossa Nova. Década de 1990. Sem internet, celular e computador. Sem música digital. Uma época em que pra se aprender um instrumento você tinha que buscar o conhecimento nos confins mais longínquos desse mundo. Tudo o que víamos eram revistas e programas de TV. Tecnicamente seria impossível quebrar tais barreiras e lançar um álbum. Numa época onde grandes gravadoras ditavam o mercado surgiu uma banda cujo conceito era uma fusão entre a música clássica, música brasileira e o Heavy Metal. Uma identidade sinônimo de brasilidade.
As melodias de guitarra da dupla Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt, fruto de anos de estudos e pesquisa, tomaram proporções internacionais com o álbum de estréia da banda Angra: Angels Cry. A formação que além dos dois guitarristas, contava também com André Matos no vocal/piano e Luis Mariutti no contraixo colocou um álbum brasileiro nos topo das paradas de sucesso no Japão, rendendo disco de platina aos músicos.
O álbum começa com uma reprodução da introdução da sinfonia 40 de Schubert, que nos prepara para a chegada da melódica e rápida Carry On, um dos maiores sucessos da carreira da banda até os dias de hoje. A canção traz um ar de positividade no que tange à vivência num mundo onde o pessimismo impera. A seguir temos Time, uma canção que se inicia com um dedilhado suave e limpo. A música logo ganha peso, com uma letra que fala sobre as reflexões interiores que nos trazem novas revelações, reflexões individuais que vêm à consciência, porém, esses caminhos só são trazidos à luz com o Tempo (Time).
A próxima música é a que dá nome ao disco. Angels Cry possui uma atmosfera rápida. Como todas as músicas da banda, ela é bem estruturada em seus arranjos, e conta com uma passagem do Capricho 24 de Paganini (violinista barroco do século XVIII) interpretado pela guitarra. A alusão ao choro dos anjos quanto aos rumos da humanidade toma forma nessa fusão completa entre os vocais melódicos de Matos e a bateria extremamente rápida e cheia de bumbos duplos de Alex Holzwarth (músico contratado para a gravação desse álbum apenas).
A seguir temos a clássica Stand Away, que mais tarde também foi interpretada ao vivo com a musa Tarja Turunen. Uma canção um tanto quanto mais suave o que as outras, mas não menos bela. Uma das interpretações mais bonitas de André Matos, que possui uma técnica vocal peculiar. O clima pesado volta com Never Understand, uma música cuja intodução tem um breve arranjo do clássico nordestino Asa Branca, mostrando que a banda tinha (e ainda tem até os dias de hoje) muito do sentimento de patriotismo quanto a cultura nacional. A música conta ainda com solos adicionais de guitarra feitos por Kai Hansen, Sacha Paeth e Dirk Schlächter.
É hora de acalmar os ânimos e respirar de novo com o cover da balada Wuthering Heights, clássico de Kate Bush. Essa música havia sido gravada numa versão bem mais pesada, que consta na demo que a banda gravou antes do contrato com a gravadora. Porém, os produtores acharam melhor fazer uma versão mais fiel à original. Mais lenta. Fato que não tira o mérito da banda. esta versão “perdida” pode ser facilmente encontrada na internet. A gravação de bateria nessa faixa, excepcionalmente, ficou a cargo de Thomas Nack, pois este era um grande fã de Kate Bush.
O álbum que foi produzido na Alemanha nos estúdios de Kai Hansen (Helloween, Gamma Ray) ainda tem muito peso com as próximas músicas. Streets Of Tomorrow e Evil Warning são as faixas que dão prosseguimento ao álbum. Esta última, também possui uma música incidental, um pequeno trecho de Winter, outra música barroca composta por Vivaldi.
Por fim temos Lasting Child, uma linda balada, que nos dá uma idéia da capacidade musical e de interpretação de todos os músicos, principalmente as linhas vocais de André Matos, um vocalista que sem dúvidas deu uma característica única ao som da banda.
Angels Cry foi disco de platina no Japão, alcançando a décima sétima posição nas paradas em seu lançamento. Na Europa a banda também teve uma ótima receptividade. A banda desfrutou de seu anonimato em seu próprio país ate meados de 1995, quando o álbum saiu no Brasil. mas foi em 1996 com o clássico Holy Land que a banda ganhou o reconhecimento merecido. Enquanto isso não acontecia, os músicos lutavam contra tudo e contra todos num país onde as condições musicais gerais eram (e ainda são, mas nem tanto) adversas. Uma banda que serve de inspiração para nós brasileiros, e que é um tesouro nacional do Metal BR. O Angra hoje, depois de 30 anos, ainda segue o seu conceito, que é o de divulgar a cultura brasileira para o mundo, tendo vendido mais de 5 milhões de álbuns e toda a sua carreira.
Todos os arranjos e produção fazem desse álbum um ícone, não só da música pesada brasileira, mas de todo o power/prog metal. Citados como influência de grandes bandas, o Angra possui uma vitalidade intrínseca em seu nome, fato que é comprovado por Rafael Bittencourt quando diz que o “Angra é uma energia que vive por sí só.”
Track List:
1 – Unfinished Allegro (Franz Schubert, adapt André Matos)
2 – Carry On (André Matos)
3 – Time (André Matos, Rafael Bittencourt)
4 – Angels Cry (André Matos, Rafael Bittencourt)
5 – Stand Away (Rafael Bittencourt)
6 – Never Understand (André Matos, Rafael Bittencourt)
7 – Wuthering Heights (Kate Bush)
8 – Streets Of Tomorrow (André Matos)
9 – Evil Warning (André Matos, Rafael Bittencourt)
10 – Lasting Child (André Matos)
Formação:
André Matos – Vocal, piano, teclado, arranjos de Orquestra
Rafael Bittencourt – Guitarra, backing vocal
Kiko Loureiro – Guitarra, backing vocal
Luis Mariutti – Baixo, backing vocal
Músicos Convidados:
Alex Holzwarth – Bateria (exceto em Wuthering Heights)
Thomas Nack – Bateria (apenas em Wuthering Heights)
Sacha Paeth – Violões adicionais, programações eletrônica e arranjos de orquestra, solos adicionais em Never Understand)
Charlie Bauerfeind – Arranjos de orquestra
Kai Hansen – Solos adicionais de guitarra em Never Understand
Dirk Schlächter – Solos adicionais de guitarra em Never Understand
*Ricardo Confessori ingressou na banda logo após o lançamento desse Álbum.
Gravado em: Kai Hansen Studios e Horus Sound Studio em Hamburgo, Alemanha.