Resenha: Angellore – Rien ne devait mourir (2020)

Não é nada fácil absorver um álbum que seja composto por músicas longas e cheias de arranjos. Ainda mais se a proposta musical do mesmo for atmosférica. É necessário que o ouvinte seja fã do estilo e, sobretudo, tenha facilidade para captar atmosferas e sentimentos criados pela música. No caso de bandas como o Angellore, é o ouvinte que precisa ser absorvido pela música, como uma pessoa que some no interior de uma etérea neblina.

A cada novo lançamento, o Angellore foi aumentando o tamanho e a complexidade de suas composições até chegar agora em Rien ne devait mourir, seu terceiro álbum de estúdio, lançado pela gravadora francesa Finisterian Dead End. Dentre as seis faixas, três superam a marca dos dez minutos, das quais uma ultrapassa o dobro desse tempo. A ideia das composições do Angellore é que o ouvinte entre e seja parte da atmosfera soturna e angelical que suas composições perpassam. Apesar de o adjetivo “angelical” ter sido usado aqui, não se engane. Se você ainda não conhece a banda francesa, saiba que o som do grupo se localiza na interseção das vertentes atmosféricas do Doom e do Black Metal. Ritmos lentos se alternam com levadas velozes, a depender de qual tipo de perturbação a banda queria focar com mais pujança.

O Doom Metal se sobrepõe na maior parte do tempo, relegando o lado Black Metal a uma posição decorativa, mas importante. É tanto que o nome da banda, “Angellore”, foi inspirado no título de uma música dos áureos tempos do Tristania. Ainda, outros matizes musicais como o Rock Gótico também têm suas estruturas utilizadas vez por outra. É com essas influências que Rien ne devait mourir foi criado e várias delas já surgem na faixa de abertura, A Romance In Thorns, que ostenta um imponente comprimento de 20 minutos. Ao longo de si, timbres oriundos de teclados, como pianos e strings, dão início à longa peça antes de passarem o protagonismo para as guitarras. Todos os instrumentos interagem entre si de forma harmoniosa de modo a criar todos os arranjos que vão se sequenciando ao longo do tempo. Outro contraste digno de nota é entre os vocais líricos de Lucia e os vocais guturais de Rosarius e Walran, as duas mentes pensantes do Angellore.

Dreams (Along The Trail) é mais sucinta e seu destaque fica por conta da linha de guitarra executada em tremolo e embebido em reverb, remetendo nossos ouvidos ao Blackgaze dos conterrâneos do Alcest. A próxima faixa é a longa Drowned Divine, de 14 minutos. Esta tem um ritmo menos lento que A Romance In Thorns, o que é realçado pelo baixo bem presente de Celin. Aqui também se destacam os vocais masculinos limpos. Blood For Lavinia destoa das demais por ser essencialmente um Gothic Rock com todos os seus clichês: melodia fácil de guitarra, teclados em string e vocais masculinos graves; estes, no caso, lembram os do finado David Gold, do Woods Of Ypres. A instrumental Sur les sentires de lune faz jus ao seu nome, pois ouvi-la conduz a nossa mente a caminhar pela Lua ou além, dado a sua atmosfera angelical. O apagar das luzes vem com Que les lueurs se dispersent, a terceira faixa mais longa e que dá continuidade ao clima iluminado anunciado pela instrumental anterior apesar da forte carga melancólica que ela carrega consigo.

Todos os elementos e climas que compõem a música do Angellore foram muito bem lustrados e realçados pelo trabalho de produção comandado por Florent Krist. Alguns instrumentos, como pianos e violões e coros, foram gravados em teatros vazios, igrejas e em porões, o que só ajudou a sublinhar o lado épico de algumas das composições. Apesar da proeminência dos vários timbres de teclados e da grande importância dos fraseados de guitarra, instrumentos rítmicos como baixo e bateria tiveram o seu devido destaque resguardado. Isso foi deveras essencial para que o ouvinte se sentisse absorvido pelas composições, pois cada instrumento teve a sua parcela de contribuição como se cada um deles fosse um pilar que sustenta um santuário muito bonito, imponente e ao mesmo tempo soturno. Ouvir Rien ne devait mourir foi como adentrar neste santuário e conhecer cada compartimento dele, dos mais brancos e lustrosos até os porões mais escuros.

Como pode-se notar através desta descrição, o som do Angellore busca criar um contraste harmonioso entre o feliz e o triste, o claro e o escuro, a vida e a morte. Junto a vários elementos musicais que enriquecem e tornam mais sortidos cada arranjo, vem à neblina sinistra que mais parece a chegada da morte ou o reinado da tristeza. O título do álbum se traduz como “nada deve morrer”; ao mesmo tempo, a capa, assinada pelo baixista Celin, nos passa a ideia de que a morte chegou para carregar a moribunda que jazia no chão, não obstante uma perceptível relutância do ser que está em pé ao contemplar o que estava deitado, talvez admirando algum tipo de beleza e realmente o fazendo pensar que nada deveria morrer.

E assim foi criado mais uma obra de Doom Metal. Como dito alguns parágrafos acima, o Atmospheric Doom Metal do Angellore, trabalhado em sua mais pura essência aqui em Rien ne devait mourir não é de fácil absorção e entendimento para o headbanger médio. É preciso ir muito além do que gostar de guitarras para gostar também deste tipo de música. O correto é que o ouvinte se deixe ser parte da música, permita-se ser um elemento da atmosfera, mesmo que seja apenas uma molécula de água em meio à neblina criada pelas composições. O que importa é sentir a música e todos os sentimentos, de vida ou morte, que ela carrega. O que importa é ser parte da música.

Angellore – Rien ne devait mourir
Data de lançamento: 14 de fevereiro de 2020
Gravadora: Finisterian Dead En

Tracklist:
01. A Romance of Thorns
02. Dreams (Along the Trail)
03. Drowned Divine
04. Blood For Lavinia
05. Sur les sentiers de lune
06. Que les lueurs se dispersent

Line-up:
Rosarius – vocais, guitarras, teclados, sintetizadores
Walran – vocais, sintetizadores
Lucia – vocais
Celin – contrabaixo
Ronnie – bateria

Convidados:
Gunnar Ben – oboé
Cathy – violino

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