Após um hiato de 10 anos depois do seu rico, cadenciado e grotesco “Antichrist”, Akercocke anuncia em 2016 o seu retorno e em 2017 apresenta um novo registro do metal extremo que deixa rastros seminais no seu ouvido. O Renaissance in Extremis é o sexto Full-lenght do conjunto londrino, inovando conceitos musicais, enquanto apresenta uma formula sempre interessante: a união da brutalidade com a melodia atmosférica e ambiente que representa os dias chuvosos e cinzas, as ruas gélidas e o canto dos pássaros negros de Londres. Mas para você, leitor, que ainda não conhece essa banda, deixe-me passar um breve histórico.

O conjunto surgiu em 97, com Jason Mendonça, David Gray (ambos ex- Salem Orchid) Peter Theobalds e Paul Scanlan. Em 99, lançaram o cru e brutal “Rape Of The Bastard Nazarene”. O álbum foi suficiente pra fechar contrato com uma nova gravadora Peaceville Records. Logo em 2001 trouxeram o segundo debut “Goat Of Mendes”, álbum sombrio e estridente, com participações de vocais na canção mais longa do CD: “Ceremony Of Nine Angels”. O material ganhou destaque nos melhores álbuns de death metal no ano pela Terrorizers. Em 2003, a banda amadurece sua sonoridade e lança o “Chorozon”, através da Earache Records. O lançamento do “Chorozon” foi corpulento e impactante, levando a banda a um novo patamar, realizando tours pela América do Norte em prol da divulgação do novo material. Ao retornar a sua terra natal, Paul Scanlan sai da banda, dando lugar ao Matt Wilcock. Logo mais, em 2005 a banda produz o novo álbum “Words That Go Unspoken, Deeds That Go Undone”, trazendo um peso e produção sonora incrível, contendo novas participações de vocais, mais canções harmoniosas, uma presença maior de vocais cleans, sem faltar com grosseria na sua correta dosagem, deixando o lançamento com uma sonoridade “arroxeada” (perdão, mas costumo relacionar normalmente muitos conceitos harmônicos com uma coloração mental, meio bizarro). Após 1 ano, Peter Theobalds deixa a banda, e a vaga de baixista é ocupada por Peter Benjamin. O conjunto nessa formação haveria gravado seu último registro conhecido como “Antichrist”, um álbum excelente, mas não melhor do que os demais já lançados. Em 2012, após um grande hiato, a banda se separa e permanece em total silêncio até ser ressuscitada e incorporada no seu mais novo e excepcional material. Vamos ao que mais interessa.

Antes de resenhar o novo álbum, quero dar um prólogo da banda de 1 ano pra cá. A linha harmônica de Reinassance in Extremis já havia sido sugerida, após o lançamento de Inner Sanctum, seu novo single em 2016, através do recorte de uma transmissão por rádio. E após a divulgação de “Disappear” em 2017, a banda gerou um hype muito forte em relação a sua nova proposta. Agora preste atenção, mas muita atenção, mas muita atenção, mas muita atenção no que eu vou dizer:

Afinal, o que há de tão bom em Akercocke, produção? Simples, padawan:


Tendo como prévia o último registro “Antichrist”, que mostra uma competência harmônica muito forte, apesar de os riffs não serem lá tão impactantes e os vocais de Jason já não serem mais os mesmos (Antichrist, Axiom, Dark Inside são as músicas chaves do disco), Akercocke não havia perdido sua identidade da mesma forma.

Já fez seu checklist com as coisas que citei? Beleza! Então vamos escutar e analisar essa bodega juntos.

O álbum pode ser escutado pela plataforma do Spotify, YouTube, além de outros streamers, ou você pode encomendar o material e pagar uma puta de uma facada tributária na hora que ele chegar em suas mãos, sem contar o fato que você já estará morto de ansiedade ou qualquer outra causa natural graças ao rápido e eficiente sistema dos Correios.

Quanto ao conceito lírico do álbum, vou deixar para o final da resenha como uma ponto de observação e tarefa para quem estiver interessado em contribuir com a resenha.

  1. Disappear

O material pela primeira vez após “The Goat Of Mendes” começa seco e impactante, já dando em seus 10 primeiros segundos a ideia de qual patamar qualitativo em termos de produção ele se encaixa. A linha que as escalas seguem, guiando a abertura da música, mostra um arranjo erudito e técnico. Palmas aos licks um tanto Holy Wars de Scanlan, mas o verdadeiro quesito é a estabilidade musical, que os growlings de Mendonça e a marcha do death/thrash metal podem garantir, intermediados normalmente por linhas um tanto blackgaze ou progressivas. A estrutura dessa música é um particularmente nova, tendo interessantes trocas de ambiência musical, como me referi no começo da resenha. Porém nada que você não possa esperar das músicas seguintes. Pode se considerar uma música fácil de engolir para quem já tinha escutado antes, como eu. Abro um parêntese também para o final em aberto deixado pelo Akercocke, com uma tonalidade soante nem tanto sugestiva para aqueles que planejam um suposto término da melodia.

         2.Unbound by sin

Acredito que foi uma das aberturas mais diferentes de Akercocke que já ouvi, por pegar uma referência meio progressiva com ar de shred metal, num compasso de ¾. Mas a agressividade é cortada ao meio por um rápido dueto de hammer-on, remetendo algo Death na vibe do Human. Unbound By Sin por si só é uma música bem fácil de ser lembrada por ser fácil de discernir um riff do outro, criando sempre esse esqueleto de riff A – riff B – Riff A – Riff C e por aí vai. Gosto da maneira como intercala essas passagens um tanto angelicais, que são palco para mensagens um tanto marcantes de Jason. Esse tipo de combinação entre o Shred e arpejos que tramitam no passar da música me remetem muito a uma pegada do Dream Theater na era do seu self titled. Gostaria de dar um grande destaque a um tipo de criação que o conjunto aplica em algumas de suas canções. Akercocke faz usufruto de uma técnica que eles quase abusam que é manter o ritmo veloz da percussão, nesse caso um blast beat, porém quebrando paradigmas de uma música tradicional de death metal quando a distorção é desligada e a guitarra acompanha a velocidade das baquetas novamente com um arpejo clean. A música termina como deve terminar, sem mais fantasias ou segredos e uma deixa de expectativa. Seca, sem mais delongas, o plano é esse e possivelmente ela é a música mais fácil de compreender do álbum Renaissance in Extremis.

         3.Insentience

Mais uma vez a banda remete a influência forte do Post-Black metal com passagens mais calmas em sua abertura, sendo quebrada por pedais duplos e fast pickings na verdadeira identidade do black metal. Pela primeira vez no álbum, a banda traz a tona sua verdadeira essência, usando o vocal cantado e berrado de Jason acima de um gutural rasgado que preenche o fundo, criando aquele eco caótico, procedendo para uma estabilidade de riff dissonante segurada por blast beasts que lembram uma passagem muito familiar de Skin For Dancing In. David Gray continua em seu blast alternado, fazendo honra aos titãs pagãos do black metal até o easter egg de Akercocke old ages cessar e o palco mudar sua estética novamente. A música é preenchida de vários momentos de solos bem construídos e continuações progressivas que mantém uma escuridão e passam a plenitude espiritual da banda. Quando a mesma termina e a banda se estabelece em calma, é possível perceber que o lick que abriu o começo de Insentience é tocado de mesma forma, porém David Gray segue num andamento um tanto mais presente. Um breve destaque aos synths que aparecem pela primeira vez. Despercebida, essa música passa voando, talvez pela alta estabilidade de riffs e por mais uma vez Akercocke investir em um esqueleto de composição de fácil memorização.

        4.First to Leave The Funeral

Abrupta com uma famosa pegada de “increasing” usando os tons e wammy bar, a música começa convidando o ouvinte a participar de algo que pretende ser uma viagem sem rumo. É uma balada que engana, recitada pelos vocais de sonoridade trágica de Jason. Mas o verdadeiro ponto desta música é o retorno de Akercocke, assim como na canção passada, com os vocais rasgados de Mendonça, blasts incessantes. Existe um shred de Paul que talvez tenha sido um tanto mal encaixado no meio. A insanidade musical retorna, os velhos ares da banda de inspirações faustianas impactam novamente, os guturais rasgados e estridentes recebem holofote total. Esse trecho em específico me remete muito a passagens já utilizadas pela banda como em “Seraphs and Silence”, “Valley Of The Crucified”, “Scapegoat”. O caos volta em sua marcha com um gutural fechado, palm muting e arpejos abafados. O mais do que necessário para segurar a base de identidade após uma destruição sonora. Nisso, as famosas fast pickings tomam conta e David Gray marca os tempos nos chimbais preparando o público para uma devastação total. E acontece. A famosa pegada de crossover e death metal sem mais necessidades do que sua própria existência toma conta, provavelmente para guiar aos espectadores para um possível mosh. Scanlan sola novamente, fazendo um shred que remete muitos aos solos atonais na época do Goat of Mendes. Os blasts contínuos e um último sinal dos berros de Mendonça encaminham a música para o fim, enquanto um synth é utilizado para criar um corpo orquestral na melodia tempestuosa. Já vi uma passagem parecida em “Ceremony of nine angels” ou ainda em “Becoming The Adversary”. A música em si é um prato aos verdadeiros fãs da banda quando esta procura garimpar ao extremo sua brutalidade no black metal.

5.Familiar Ghosts.

A canção mais uma vez prova a teoria de cenário musical abordada no começo. Um aspecto de praias gélidas e cinzentas com atmosferas deprimentes de uma terra britânica. Gosto da maneira como esta música me faz criar uma introdução por si só, usando essa técnica de “semiótica sonora” (esse termo existe?). Interpreto isso como uma evolução sútil de uma passagem construída por eles em “My Apterous Angel”. A música é bem executada e até certo momento, ela pode mudar seu andamento, mas nunca fugir da verdadeira essência dissonante. É de extrema relevância como a banda carrega o seu ouvinte de lugares costeiros, para uma viagem agonizante, que envolvem shreds e solos muito bem construídos, vocais cantados por Mendonça para expressar um ar teatral. Familiar Ghosts vai saindo de sua pegada original e caminhando em constante aumento. Por um momento é possível imaginar a solidão confusa e fantasmagórica que vocais, synths e o andamento progressivo podem causar aos seus ouvidos. A música te proporciona uma viagem astral graças ao peso constante dos teclados que carregam ouvintes para toda a instrumental cadenciada, escalas e andamentos atonais e passagens de Blackgaze que remetem a First To Leave The Funeral.

     6.A Final Glance Back Before Departing

Tenho dizer como fiquei encantado pelo início dessa música, a presença mais forte do teclado e do baixo criando um cenário um tanto cinzento pra música. A canção tem passagens que me remetem a uma das minhas músicas mais favoritas deles, que é a tema do quarto álbum “Words That Go Unspoken Deeds That Go Undone”. Além de encantos e negras borboletas, a música é um thrash death, com fortes influências de Power, em alguns momentos, bem trabalhado, mas sempre intercalado com passagens melódicas que foram já bem usadas e abusadas em canções anteriores, como citei nas referências de Blackgaze. O grande potencial dessa música é sua variedade de harmonias, sem fugir da temática original, e ainda tendo direito a alguns riffs com palm muting que causam um ar de suspense na harmonia, coisa muito interessante de se trabalhar e que apresenta o lado teatral do Black metal progressivo. Não é uma música difícil de ser lembrada, até porque é uma das poucas que possuem alguns campos maiores, uma harmonia do metal melódico bem explícita, conjugada com o metal extremo de forma perfeita.

     7.One Chapter Ends for Another to Begin

Usando de forma demasiada a apropriação de riffs passados, a canção faz jus ao nome, quando remete a Final Glance Back Before Departing. Existem passagens de puro Black Metal e Post na sua verdadeira essência, com aquele ar épico, que talvez me lembre um pouquinho de “Son Of The Morning” num outro andamento. Ela é uma música que sugere uma fácil dissolução de sua ideia aos ouvidos dos apreciadores. Obviamente, o uso de baterias segmentadas pra um death metal acompanhada de linhas harmoniosas e limpas são do seu feitio. Por um instante brincam muito com fatores que remetem a um tipo de esquizofrenia, quando você pode escutar sussurros durante a melodia, ou trabalhando com o tipo de sonoridade descomunal usando bastante de pick slides. Akercocke também casa com força a união do vocal melodramático, sendo bem segurado pelo seu backing vocal em gutural rasgado, algo que pertence a sua verdadeira identidade. Pra uma música de 4 minutos e mais um pouco, ela passa bem rápida, novamente me remetendo a estrutura de composição de “Words That Go Unspoken Deeds That Go Undone”.

Confira abaixo o clipe desta harmoniosa música, mostrando a verdadeira essência de uma solidão berrante. Akercocke faz usufruto da temática da capa do novo full, que, até então, está sendo muito questionada, assim como toda a falta de satanismo e nudez no novo registro.

8.Inner Sanctum

Para quem já havia ouvido a música antes é possível perceber algumas mudanças que possivelmente foram feitas no processo de desenvolvimento do full-lenght (me pergunto se ela foi regravada, acredito que sim). Ela é uma música de pura harmonia, composta com modelos bem marcantes de um vocal proclamado por Jason, duetos de tapping que soam incomuns, riffs elaborados de death/thrash que fazem referência a Disappear e as passagens que já estamos bem acostumados nas linhas de Akercocke. Inner Sanctum foi um impacto para os fãs da banda que foram pegos de surpresa pelo retorno. A princípio, Inner Sanctum, junto de Unbound By Sin, pode ser uma música muito fácil de lembrar. Aonde a mistura de pegadas progressivas com aquela sensação de conforto e desconforto em alguns trechos, somadas das marchas relevantes e marcantes tornam Inner Sanctum uma das músicas mais relevantes do material. Sem muitos segredos, ela prepara os ouvintes para um grand finale de uma maneira grandiosa, fazendo forte uso de guitarras e arpejos em modo clean ou às vezes até distorções não tão carregadas

     9.A Particularly Cold September

Uma forte homenagem ao metal britânico, trazendo em sua abertura arranjos que remetam Iron Maiden com sua famosa “Hallowed be Thy Name”. Diferente dos demais álbuns de Akercocke, Renaissance In Extremis traz um fechamento com uma canção que une a sua agressividade e pura melodia que é representada normalmente e surpreendentemente no final de cada material. Nesta canção em específico, você ouvinte, pode ser capaz de se levantar e aplaudir de pé após se deliciar com um solo de saxofone muito bem encaixado e construído, quebrando paradigmas consistentes do metal. Em termos gerais, a música traz um ar totalmente teatral, com arpejos complicados de serem executados, ainda por cima, acompanhados por uma melodia vocal. Demora uns breves instantes para que a banda te leve ao caos destrutivo clássico de thrash metal e posteriormente death metal como de costume. Em uma rápida reflexão sobre essa música, é possível perceber que a banda investe em todas suas armas para transformar a composição única em sua estética. Estranhamente bela. Existe também uma riqueza de detalhes de instrumentos secundários, como as percussões orquestrais e demais instrumentos eruditos para demonstrar o amadurecimento musical do conjunto e enfeitiçar os fãs com a magia cigana que eles podem transmitir. Durante as longas transições de riffs que chamam para um solo completo e repleto de feeling, a banda demonstra que necessariamente renasceu no seu extremo, dizendo claramente que ela abrange diversos campos da música e não precisa de acordes densos e obscuros para necessariamente ser pesada. É uma música que se encaixa como uma luva no término do material, fazendo alguns fãs demorarem para digerirem o que acabou de acontecer e outros terem um ataque epilético, estuprando o botão do replay desejando intensamente o novo registro de Akercocke.

E acabamos o Renaissance In Extremis. Um álbum maduro, único e totalmente avançado comparado aos registros anteriores de Akercocke. Uma grande salva de palmas ao quinteto que conseguiu representar o metal extremo de sua pátria de forma tão independente e caoticamente harmoniosa. Mas calma, estamos esquecendo de algo ainda…

CLARO, AS LETRAS!

Quanto ao conceito lírico deste material, deixo as minhas breves observações e rápida análise. O sexto registro de Akercocke não mostrou até então um norte sobre seu conceito literário. As letras estão disponíveis online para todos lerem, porem, quem conhece a banda pode ter uma pulga atrás da orelha referente a falta notória de conceitos satanistas ou em boa parte ocultistas no novo álbum. Parando para analisar as letras, me surgem duas sugestões sobre o que “RiE” fala sobre.

 

Chegamos ao fim de uma resenha detalhada sobre um álbum de metal extremo, que pode servir como porta para outras bandas, inspiração para muitos compositores e uma aula de como ser um verdadeiro mente aberta dentro do heavy metal.

 

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