O AC/DC, juntamente com o Judas Priest, são as duas bandas das quais eu mais adquiro material para minha coleção. Por ser um conjunto mais popular, o AC/DC tem uma certa vantagem no rol de itens à disposição e, se formos falar em biografias lançadas no Brasil, é melhor esquecermos a comparação, pois o Judas ainda não tem nenhuma, enquanto o AC/DC já possui três, ou quatro se contabilizarmos o livro “Os Youngs”.
Das biografias que focam na banda como um todo, essa foi a mais recente e, de longe, a melhor dentre elas. Aliás, após concluída a leitura, posso afirmar que já entrou para o meu rol de melhores biografias lidas, junto com as de Eric Clapton e do Led Zeppelin. Não se trata de um trabalho autorizado pela banda e nem poderia ser, pois o AC/DC não concede esse tipo de acesso, mas o autor Mick Wall trabalhou em cima de entrevistas concedidas pelos membros ao longo do tempo e pôde conversar diretamente com ex-integrantes como Dave Evans, Mark Evans e Simon Wright, além de ex-empresários ou assessores da banda.
O AC/DC é uma banda extremamente reclusa e a biografia escancara isso de uma forma brutal. Não se engane pela imagem pública, por vezes meio bonachona de um Angus Young, o círculo interno, ou melhor dizendo, o clã, como o livro define, é extremamente fechado e inacessível a qualquer pessoa que tente se aproximar sem ser aprovado pelos irmãos, Malcolm principalmente.
Malcolm é retratado como um sujeito de mão-de-ferro, que não aliviava nem sequer para Angus. Alguém com temperamento super explosivo, do tipo que não admite erros ou sequer ser contrariado em suas ordens, e de quem, caso se descesse do palco após uma apresentação que não tivesse ido muito bem, era melhor manter o absoluto silêncio e distanciamento dentro do camarim. O guitarrista não se furtava de demitir empresários e membros da equipe de forma fria e ríspida e, diga-se, recepcionar novos membros da mesma forma. Cliff Williams sendo orientado a como se portar no palco: “você avança para o microfone, canta o refrão, e volta para o seu lugar sem dar as costas ao público”; Brian Johnson sendo repreendido em pleno palco, em uma de suas primeiras apresentações, por estar falando demais entre as músicas: “cala a porra da sua boca”. Isso não quer dizer que não existia companheirismo ou lealdade nas relações internas, nada disso, mas o livro esclarece – principalmente para quem ainda acha que uma banda é uma reunião feliz de amigos – que as coisas não são bem assim. Não é uma democracia, não importa quanto tempo você já está na equipe. As decisões, as palavras finais, pertencem unicamente aos Youngs.
Mesmo Bon Scott não dispunha de tanta liberdade, embora fosse difícil conter seu comportamento mais livre. Era típico dele aparecer em cima da hora para as apresentações ou mesmo fazê-las tendo bebido um pouco mais da conta, mas ele fazia tudo e fazia com perfeição, e isso era suficiente para os irmãos, que mesmo assim ainda restringiam algumas de suas atitudes. Malcolm e Bon se aproximaram por diversas vezes de chegar as vias de fato, mas o respeito entre ambos manteve os temperamentos no lugar.
Um dos muitos pontos positivos do livro é o devido reconhecimento da contribuição de Phil Rudd ao conjunto e de quanto ele foi essencial para formatar o som que os irmãos queriam. Seu teste foi feito com a tradicional frieza, mas Angus e Malcolm se impressionaram pois era exatamente o que queriam, e Phil entendeu que, para manter seu posto, teria que se conter em sua performance, evitando viradas ou coisas do tipo, mas encarou isso sem problemas. O mesmo não se pode dizer de Simon Wright, que teve a mesma visão no início, mas que com o tempo começou a se sentir tolhido e findou por migrar para a banda de Ronnie James Dio, onde poderia ter mais liberdade musical.
A abordagem sobre a era Brian Johnson, por outro lado, me pareceu ter sido realizada com alguma má vontade, na eterna comparação com seu predecessor. Não existem máscaras sobre a sua personalidade pública, mas suas colaborações para a banda e para o seu progressivo alcance do sucesso, não são devidamente consideradas, deixando o autor transparecer que, na sua compreensão, a obra subsequente do AC/DC não era merecedora de leva-los até o estágio atual, de megabanda.
Mas são pontos como esse que tornam esse um livro essencial. Ele é sincero, é bem feito e bem fundamentado. E essas são qualidades que nem sempre podem ser atribuídas a obras dessa natureza. Se tiver que escolher entre um dos três títulos disponíveis, aposte nesse, pois, a sua principal vantagem, é que ele não foi feito para agradar.