Há uma diferença de tempo entre o vislumbre do raio e a audição do trovão. Dificilmente essa analogia encaixar-se-ia tão bem para qualquer outra banda que não fosse o AC/DC e, mesmo que desconsiderássemos os significados que raio e trovão tem para o grupo australiano, os fatos recentes nos levam a fazer essa conexão.
Mas, estamos aqui, aproveitando apenas o pretexto do momento. Na realidade, esse preâmbulo poderia ter sido utilizado para qualquer um dos lançamentos do AC/DC nas últimas décadas. A banda sempre foi assim, discreta e reservada, apesar de nem sempre conseguir manter o sigilo sonhado. Depois de todas as tribulações com a morte de Malcolm Young e a paulatina debandada de integrantes, o clarão do raio foi visto quando surgiram fotos mostrando Brian Johnson, Phil Rudd e Angus Young circulando pela porta de um estúdio no Canadá. Passado algum tempo, finalmente o trovão se faz ouvir com a notícia do álbum.
Em 1980, o AC/DC sofreu uma perda irrecuperável em suas fileiras e lançou “Back In Black” no mesmo ano, para homenagear o vocalista Bon Scott. Quarenta anos depois, “Power Up” pretende homenagear a memória de Malcom Young, segundo afirmou seu irmão, o guitarrista Angus Young. Tendo definido a data de lançamento para 13 de novembro, os primeiros indícios de confirmação, com teasers misteriosos, começaram a surgir no começo de outubro e, finalmente, o primeiro single, “Shot In The Dark”, mostrando que tudo estava em seu devido lugar e aquele era o bom, velho e reconhecível AC/DC de sempre! Os ouvidos calejados por Hard Rock australiano pensaram ter percebido algo levemente diferente nos backing vocals, mas…. é claro! Não há mais a voz de Malcolm, agora substituído pelo sobrinho Stevie Young, que possui um timbre vocal distinto, um pouco mais melódico. Malcolm está presente, mas sob a forma dos riffs que deixou guardados para que seu irmão trabalhasse em cima deles.
E a herança de Malcolm revela-se valiosa. As composições, todas creditadas aos irmãos Young, seguem a linha de atuação que a banda executou nos últimos anos, mas com aquele frescor que canções novas do AC/DC sempre conseguem nos transmitir. “Realize”, a faixa de abertura, parece iniciar um pouco contida, mas evolui rapidamente e, em pouco tempo, você percebe que o disco já está lhe cativando.
“Rejection” confirma essa impressão. A produção de Brendan O’Brien, que conduziu “Black Ice” e “Rock or Bust”, está grandiosa. “Shot In The Dark” fecha a trinca inicial com a banda fazendo com tranquilidade aquilo que domina como ninguém. A próxima música no tracklist, “Through the Mists of Time”, é a primeira grande surpresa, e seu título causa estranheza, pois sugere algo épico ou medieval, o que, evidentemente, está totalmente alheio ao modus operandi dos australianos. A canção tem um clima setentista de Hard melódico que lembra em parte alguns hits do Slade.
“Kick You When You´re Down” pertence à dupla Cliff Williams e Phil Rudd, a cozinha mais enxuta e segura jamais concebida, que amplifica o sentido percussivo da faixa, tal qual propõe o chute do título. “Witche’s Spell” poderia estar no tracklist de álbuns fundamentais como “The Razors Edge” ou “Black Ice”, enquanto a velocidade de “Demon Fire” é herdeira de canções como “Landslide” ou “This Means War”.
“Wild Reputation” não acrescenta pontos, nem diminui, é apenas uma música agradável. Comentário semelhante podemos fazer para “No Man´s Land”, “Systems Down” e “Money Shot”, demonstrando que o álbum perde um pouco de fôlego em sua segunda metade, embora finalize em alta, com a faixa “Code Red”.
Duas conclusões são mais perceptíveis ao final da audição. A primeira é que o vocal de Brian Johnson está em plena forma, com seu grunhido natural intacto e apresentando algumas variações pontuais, sempre bem-vindas. A segunda é que, embora Angus Young continue sendo o excelente guitarrista de sempre, seus solos estão bem econômicos, poucos segundos de intervenção em cada faixa, sem apresentar nenhum que possa entrar para o seu catálogo de números antológicos.
A cor vermelha da capa pode ser associada ao fogo no qual as cinzas de uma fênix são geradas. O AC/DC é, mais do que nunca, essa fênix, pois poucos poderiam apostar que a banda reverteria todos os revezes pelo qual passou e apresentaria um belo trabalho como esse. Não é um disco perfeito, e nem esperamos por isso, mas é um disco que dignifica a sigla estampada em neon na imagem ilustrativa. É o AC/DC que conhecemos e não queremos que mude, da mesma forma que não queremos que Angus largue seu visual de estudante, que, mesmo com o passar dos anos, continua a fazer sentido.
Nota: 8,0
Power Up – AC/DC
Data de lançamento: 13 de novembro de 2020
Gravadora: Columbia – Sony Music Australia
Tracklist:
01 Realize
02 Rejection
03 Shot in the Dark
04 Through the Mists of Time
05 Kick You When You’re Down
06 Witch’s Spell
07 Demon Fire
08 Wild Reputation
09 No Man’s Land
10 Systems Down
11 Money Shot
12 Code Red
Formação:
Brian Johnson – vocal
Angus Young – guitarra
Phil Rudd – bateria
Cliff Williams – baixo
Stevie Young – guitarra