Após quase quatro meses de ausência, cujo motivo principal foram ocupações paralelas dos colunistas desta série de matérias, a coluna PRODUTORES está de volta com a segunda parte dos profissionais desta área que foram relevantes nos anos 90.

Foi exatamente neste período da história que o mais bem sucedido álbum de Heavy Metal foi gravado e lançado. E o produtor responsável por lapidá-lo teve bastante influência no resultado final.

BOB ROCK

O canadense nascido Robert Jens Rock em 19 de abril de 1954 começou sua carreira musical ainda na segunda metade dos anos 70. Não como produtor ou como engenheiro de som, mas sim como músico mesmo e de considerável sucesso comercial. Bob Rock foi um dos fundadores do grupo Payola$ no ano de 1978 ao lado de seu parceiro musical Paul Hyde. O grupo que praticava um som puxado para o New Wave com alguns elementos mais comerciais se consagrou em seu país de origem com o hit Eyes Of A Stranger, que inclusive fez parte da trilha sonora do filme Valley Girl, lançado em 1983 e que foi onde Nicolas Cage atuou pela primeira vez como protagonista.

Sua estreia como produtor se deu com a banda de Punk Rock Young Canadians e seu EP Hawaii. Nesta época o jovem Rock começava sua bem-sucedida carreira enquanto produtor e engenheiro de som. Nesta última função, ele se destacou no ano de 1981 cuidando do som do álbum Get Lucky, da banda Loverboy, donos de um dos hits daquele ano, Working For The Weekend. A reputação de Bob Rock como produtor só aumentava com o passar da década de 80, chegando ao fim deste período sendo o responsável pelo debut da banda germânica/americana Kingdom Come e o do Blue Murder de John Sykes, pelo álbum Sonic Temple do The Cult e pelo quinto álbum de estúdio do Mötley Crüe, Dr. Feelgood.

E foi exatamente o trabalho de Bob Rock com o Mötley Crüe que chamou a atenção do Metallica, que trouxe Rock para trabalhar no sucessor de …And Justice For All (1988). Porém, a parceria do Metallica com Bob Rock para este trabalho foi bastante tensa e cheia de intrigas. A fim de tentar alcançar o perfeccionismo que a banda tanto almejava, Rock fazia a banda gravar ao vivo, repetir vários takes de uma mesma faixa e mandava Hetfield melhorar suas letras. O total de dinheiro despendido no álbum superou a cifra de 1 milhão de dólares muito por conta das consequências dos desentendimentos entre banda e produtor. Após nove meses, o filho primogênito do Metallica com Bob Rock finalmente foi parido e batizado com o nome do pai, se tornando conhecido pelo vulgo The Black Album, simplesmente um dos maiores sucessos comerciais do Rock. E de Rock.

Bob Rock e Metallica: o quanto um produtor pode afetar uma banda em estúdio

Apesar das tensões durante as gravações de Metallica, o casamento entre a banda e Bob Rock se estendeu durante mais de dez anos e rendeu à prole mais três filhos, os mais rebeldes do Metallica: Load (1996), Reload (1997) e St. Anger (2003), além do álbum de covers Garage Inc. (1998). Em St. Anger, o próprio Bob Rock registrou as linhas de contrabaixo pois a banda ainda não havia efetivado um novo baixista após a departura de Jason Newsted. Um abaixo-assinado corroborado por 1500 fãs do Metallica pedia à banda que não trabalhasse nunca mais com Bob Rock, sob a acusação de que o produtor era o culpado pela mudança musical da banda. Rock atendeu a solicitação e assinou o divórcio, alegando que mesmo com um grande técnico, um time pode continuar perdendo.

Graças a todas as suas contribuições em prol da música, Bob Rock hoje é um artista bastante premiado e homenageado no Canadá. Dentre seus feitos, inclui-se um Grammy na categoria de Melhor Álbum de Pop Tradicional no ano de 2014 pelo seu trabalho como produtor do álbum To Be Loved, de Michael Bublé, uma espécie de Fábio Jr. do Canadá. Seu portfólio ainda apresenta trabalhos com Little Caesar, David Lee Roth, Cher, Bon Jovi, Skid Row, Bryan Adams, Simple Plan, The Offspring e Black Veil Brides, dentre muitos outros nomes.

JACK ENDINO

Sim, estamos nos anos 90! E qual foi o movimento de Rock que deu o que falar neste período da história? Sim, o amado e odiado Grunge. A cena nascida em Seattle que tirou das paradas de sucesso as bandas de Hard/Glam Rock oitentista. Preferimos nos referir ao Grunge como “movimento” ao invés de “estilo”, até porque o termo “grunge” não é bem definido em termos de sonoridade. Alice In Chains é diferente de Nirvana, que por sua vez é diferente do Skin Yard.

Por falar em Skin Yard, uma das pioneiras do movimento musical de Seattle ainda na metade dos anos 80, foi desta banda que surgiu um dos mais importantes personagens do Grunge, Jack Endino. Guitarrista do Skin Yard, Endino foi também o principal responsável por moldar o “som do Seattle” em suas gravações. Mas não se pode falar do trabalho de Jack Endino como produtor sem antes falarmos da gravadora que arrendava seus serviços, a Sub Pop.

Nascido no começo dos anos 80 como um fanzine que explorava o mundo das gravadoras independentes, o Sub Pop logo começou a distribuir pequenas coletâneas em tape antes que seu fundador Bruce Pavitt encerrasse o zine e se mudasse para Seattle. Por lá, em 1986, Bruce organizou e lançou a coletânea em LP Sub Pop 100, que incluía entre outras bandas Sonic Youth. Logo várias bandas locais procuraram os serviços de Pavitt para lançar seus álbuns, o que iniciou o trabalho do Sub Pop como gravadora. Conhecedor da importância de gravadoras como Motown e SST Records para o desenvolvimento de movimentos musicais, Pavitt começou a trabalhar em promover mais a própria gravadora do que mesmo as suas bandas, numa tentativa de criar uma marca registrada musical. É aí que Jack Endino entra na história.

Endino, averso a técnicas de gravação mais sofisticadas como masterização e uso excessivo de efeitos, costumava gravar as bandas de uma forma simples e direta, de modo que as gravações que ele cuidava saiam todas com uma sonoridade suja e carente de polimento, algo que se tornaria uma das principais características do movimento de Seattle. Por conta do modo seu modo de trabalho, Endino trabalhava rápido e não cobrava tão caro, tanto que entre 1987 e 1989 ele gravou somente 79 trabalhos entre álbuns, EP’s e singles. Um dos tais singles foi o primeiro registro do Mudhoney, o influente Touch Me I’m Sick. Já dentre os álbuns produzidos por Endino neste período, destaca o debut do Nirvana, Bleach, todo registrado em uma simples e tradicional gravadora em fita.

Endino também trabalhou com outras bandas influentes do movimento como Soundgarden, L7, Hole e TAD, o que lhe garantiu o título de “Padrinho do Grunge” pelos mais entendidos daquela cena. Mas o raio de atuação de Endino extrapolava os limites da cena de Seattle, mesmo que ele levasse a sonoridade típica daquela cena para outros domínios. Foi o que aconteceu no álbum Skunkworks, o mais controverso da discografia solo de Bruce Dickinson. O na época ex-Iron Maiden queria explorar um som mais alternativo e acessível e convidou o Padrinho do Grunge para produzí-lo. O resultado vocês já conhecem. Jack Endino também tem uma forte relação com o Brasil. Desde 1993 o produtor tem uma parceria com a banda Titãs que perdura até hoje tanto com a banda quanto com seu ex-membro Nando Reis. Ainda, Endino trabalha com bandas de Doom e de Stoner Metal como Windhand e High On Fire, bem como várias outras bandas de que vão do Thrash ao Power Metal. O maior nome do Metal de Seattle, o Sanctuary, também já passou pelas mãos de Jack Endino, que cuidou da engenharia de The Year The Sun Died (2014).

Ainda sobre a relação de Endino com o Brasil, o produtor foi o pivô de uma polêmica criada após ele criticar bandas brasileiras que cantavam em inglês. “Nunca entendi nada do que os brasileiros cantam em inglês, tirando o Sepultura, que sempre teve um inglês excelente e que tinham boas letras.” Logo o produtor foi rebatido por vários cantores brasileiros de Metal, indignados, obviamente, com sua declaração.

E por falar em Sanctuary, o debut da banda de Warrel Dane, Refuge Denied (1987), foi produzido por Dave Mustaine. Mas um de seus auxiliares em estúdio já tinha um certo nome entre as bandas de Metal nos anos 80 e se tornaria um dos produtores mais requisitados do gênero a partir dos anos 90 até hoje. Refiro-me a

TERRY DATE

Terry Date possui um imenso respaldo e importância no meio Heavy Metal, tendo sido essencial em trabalhos de bandas dos mais variados estilos.

Nascido em 31 de janeiro de 1956, Date começou a trabalhar em produção e engenharia de estúdio no começo dos anos 80. O primeiro álbum em que ele aparece creditado como produtor foi o clássico debut do Metal Church lançado em 1984. Durante a segunda metade dos anos 80 Date foi um dos principais responsáveis por moldar o som pesado e agressivo do Metal americano oitetista, mezzo Power, mezzo Thrash. Bandas como Chastain, Fifth Angel, Liege Lord e Sanctuary passaram pelas mãos de Date naquele período e o produtor já mostrava seu senso descomunal de mixagem e microfonação, em especial de bateria, que sempre saia com caixas fortes e cheios. Apesar de Dave Mustaine ter sido creditado como produtor de Refuge Denied, o debut do Sanctuary, o vocalista Warrel Dane revela que Mustaine estava mais preocupado em fazer outras coisas (quem conhece a história do Homem do Megadeth sabe quais são) do que mesmo cuidar do álbum. Terry Date, que era o engenheiro do álbum, foi quem cuidou com carinho (?) do som pesado do Sanctuary. Ainda naquele período, Date produziu o debut daquela que viria a se tornar o maior nome do Metal Progressivo, o álbum When Dream And Day Unite, do Dream Theater, ainda com Charlie Dominici nos vocais. Date revela em uma entrevista que o vocalista era estranho e bastante diferente dos demais membros da banda. Eis o eventual porquê de sua saída precoce de lá. The Years Of Decay e Horroscope, clássicos da discografia do Overkill, também tiveram o dedo de Terry Date em seus sucessos.

Date consegue fazer sozinho ambos os serviços de produtor e engenheiro de som, raramente lançando mão de uma pessoa a mais para fazer a segunda função. Suas técnicas de estúdio como medir milimetricamente a posição dos microfones com relação a bateria, por exemplo, são sintomas uma percepção musical e sonora absurdas, quase patológicas.

Foi com toda essa perícia que o nome de Terry Date despontou de vez na década de 90 para a grande massa metálica. Todavia, sua prioridade passou a ser os estilos modernos que foram surgindo naquela década, deixando de lado os gêneros mais tradicionais.

Date foi o produtor do clássico Badmotorfinger, do Soundgarden, lapidando mais ainda a pedra bruta encontrada por Jack Endino. Ao mesmo tempo, o produtor dava início a uma de suas maiores parcerias: a com o Pantera, cujos álbuns Cowboys From Hell, Vulgar Display Of Power, Far Beyond Driven e The Great Southern Trendkill foram todos produzidos por Date, que também trabalhou com outro nome importante do Groove Metal, o Prong. O Nu Metal também deve boa parte de seu desenvolvimento a Terry Date, além de Ross Robinson, que já foi tema desta coluna. Os primeiros trabalhos de bandas como Deftones e Limp Bizkit foram produzidos por Date, assim como um dos grandes clássicos do Rock Industrial, Astro-Creep: 2000 – Songs of Love, Destruction and Other Synthetic Delusions of the Electric Head, do White Zombie. Tamanha variedade de estilos mostra toda a versatilidade e conhecimento sonoro deste produtor, que consegue domar tanto sons cheios e imponentes quanto músicas mais secas e sujas.

Ainda consta no currículo de Terry Date trabalhos com Soufly, Ozzy Osbourne, Korn, Dark Angel, Otep, Slipknot e Slayer, cujo álbum Repentless teve sua produção. Como se ele ainda precisasse provar mais algo, Date chegou a produzir uma música do gangsta-rapper Snoop Dogg em parceria com o Rage Against The Machine. De Snoop Dogg a Slayer, de Metal Church a Limp Bizkit, dos anos 80 até hoje, Terry Date tanto se renova a si mesmo quanto representa a renovação do Rock/Metal ao longo dos anos.

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