A coluna “Produtores” segue sua viagem pelo tempo e chega agora aos anos 90 apresentando os produtores mais importantes da década. Estilos que começaram a ser moldados nos anos 80, em especial no Metal Extremo, atingiram sua emancipação na primeira metade da década de 90. Tal não seria possível se não fosse a ajuda e perspicácia de cada produtor cuja história será doravante contada.

SCOTT BURNS

Sepultura e Scott Burns (dir.) em estúdio

 

Uma determinada banda da Flórida de nome Obituary veio para o Morrisound Recording registrar seu primeiro full-length, o qual ficaria conhecido como Slowly We Rot. Rick Miller foi o selecionado para dirigir a banda no estúdio. Mas, devido a um compromisso que exigiu de Miller prioridade, a produção do Obituary foi passada a seu assistente Scott Burns. Aquela foi a primeira vez que Burns teve a oportunidade de produzir uma banda no estúdio onde trabalhava. Sua habilidade em tratar com o Metal extremo que brotava como verde no inverno na Florida, extraindo um som cheio, gordo, grave e pesado, o fez se tornar tão idolatrado quanto as bandas que ele produziu desde então. No encarte de Slowly We Rot foi registrado uma frase que se tornaria dali em diante uma espécie de selo de qualidade para bandas de Death Metal:

“Recorded at Morrisound Recording, Tampa, FL. Produced and mixed by Scott Burns”

Muito pouco se sabe sobre sua vida pessoal antes de ele iniciar seus trabalhos em estúdios, o que ocorreu por volta de 1983 já naquele estúdio que se tornaria tão mítico quanto o produtor, o Morrisound Recording. Fundado em 1981 pelos irmãos Tom e Jim Morris, o empreendimento foi batizado com o sobrenome de ambos que, juntamente com Rick Miller, foram os primeiros professores do jovem Scott Burns, que começou trabalhando como assistente. Em pleno natal de 1988, Burns foi escalado para viajar até um país sul-americano para produzir uma banda que estava em plena acensão na época. O resultado foi o trabalho mais bem sucedido da carreira de Scott Burns como produtor, não obstante seu curto currículo. Sua estadia no Nas Nuvens Estúdio do Rio de Janeiro rendeu o álbum Beneath The Remains, do Sepultura.

“Eu já conhecia o Sepultura porque o Obituary costumava tocar músicas do ‘Schizophrenia’. E foi ótimo, o Brasil é lindo! Na época a comunicação era bem difícil porque tanto o inglês deles quanto o meu português não eram bons. Eu lembro que os carros eram movidos a álcool, algo que nunca se havia ouvido falar nos Estados Unidos. Eu abria a torneira da pia só para ver se a água girava no sentido anti-horário no hemisfério sul enquanto desce pelo ralo. Todo meu material foi roubado. Tivemos que pagar os guardas do aeroporto para que eles liberassem todo meu equipamento. A inflação estava em 1000%. Mas foi uma experiência maravilhosa.”

Palavras de Scott Burns em entrevista ao site Voices From The Dark Side. Para quem não sabe, a água realmente desce pelo ralo da pia no sentido horário no hemisfério norte e no sentido anti-horário no hemisfério sul. Experiências de um produtor em começo de carreira em um novo país, mas que renderam bastante sucesso tanto para o Sepultura quanto para Burns. Após a gravação de Beneath The Remains, Scott trouxe o que ele registrou para ser mixado em seu estúdio-natal, o Morrisound.

“Produzir um álbum de Death Metal requer mais que se tenha habilidade para extrair uma gravação de alta qualidade do que sugerir alterações nos arranjos das músicas.” Assim diz o produtor de álbuns consagrados do estilo como os cinco primeiros full-lengths do Cannibal Corpse, os álbuns lançados pelo Death desde Leprosy (1989) até Individual Thougth Patterns (1993), quatro álbuns do Deicide, Harmony Corruption (1990) do Napalm Death e World Downfall (1989), do Terrorizer, além de também ter trabalhado com bandas como Sadus, Malevolent Creation, Master, Six Feet Under, Suffocation, Acheron, Atheist, Atrocity, Cancer e Cynic. De fato, o Morrisound Recording era mais que um estúdio; era um necrotério sonoro, onde o legista Scott Burns queimava pestana elaborando autópsias musicais ricamente detalhadas e redigidas, isto é, produzidas.

A parceria com o Sepultura se repetiria em Arise. Já a com o Obituary durou até o ano de 2005, quando ele produziu o álbum Frozen In Time. Fazendo jus ao título deste trabalho, Scott Burns congelou sempiternamente seu lado produtor. Desde então ele abandonou a vida na música e passou a se dedicar a sua carreira como programador de informática.

Apesar de ser considerado uma sumidade no meio Metal, Scott Burns não chegou a ser uma unanimidade. Um músico que sempre o criticava era o infame guitarrista do Mayhem, Øystein “Euronymous” Aarseth, que odiava Burns por, segundo ele, ter feito muitas bandas legais da época soarem exatamente iguais e sem identidade. Euronymous chegou ao ponto de estampar uma foto de Scott Burns transpassado com um símbolo de proibição na contracapa do relançamento do EP Deathcrush, de 1993, acompanhado dos dizeres “no fun, no core, no mosh, no trends”. Por outro lado, Euronymous se dava muito bem com outro produtor importante no âmbito do Metal extremo e que é considerado o “Scott Burns” do Black Metal norueguês.

EIRIK “PYTTEN” HUNDVIN

Aquela sonoridade fria, gélida, cortante, agressiva e nevoenta de vários dos maiores clássicos do Black Metal da Noruega conta com a assinatura de Pytten.

Nascido na data de 8 de fevereiro de 1950 na cidade norueguesa de Bergen, a cidade litorânea que se deita coberta por sete montanhas, o baixista Pytten tocou em diversas bandas de rock locais durante os anos 70 e 80 antes de se dedicar mais ativamente a parte de produção em estúdio. Tanto que na década de 80 Pytten se tornou o engenheiro responsável pelo estúdio da conhecida casa de músicas local Grieghallen. Assim como Scott Burns e seu Morrisound, Pytten tem uma estreita relação com o estúdio de Grieghallen.

O primeiro trabalho de Heavy Metal em que Pytten assinou a produção foi a demo Slaughtered in the Arms of God, lançado em 1990 pela banda de Death Metal Amputation, embrião daquela banda que seria conhecida como Immortal. Suas técnicas de gravação que incluem uma boa dose de sujeira e forte uso de reverb dava a seus álbuns aquela sonoridade característica que consagrou o Black Metal daquele país setentrional. Fã de sons pesados, agressivos e sujos, Pytten sempre defendeu que tocar Black Metal não é uma tarefa das mais fáceis:

“É necessário músicos realmente aptos para tocar esse tipo de música; há uma técnica para se tocar aquilo. Eu treinei em minha guitarra várias horas por dia por mais de duas semanas somente para tocar uma música de 4 minutos e 47 segundos em uma banda. Isso foi há anos atrás e até hoje eu sinto pontadas nos músculos dos meus braços.”

No currículo de Pytten constam produções de várias referências do Black Metal norueguês como De Misteriis Dom Sathanas do Mayhem, In The Nightside Eclipse e Anthems to the Welkin at Dusk do Emperor, Pure Holocaust e Battles In The North do Immortal e diversos trabalhos do Enslaved, além de álbuns de grupos como Borknagar, Satyricon, Taake, Trelldom, Windir e I. Pytten também manteve uma estreita relação com o Burzum de Varg Vikernes: todos os álbuns de estúdio do Burzum desde Burzum (1992) até Umskiptar (2012) foram produzidos e/ou masterizados por Pytten. Após este álbum, o Burzum abandonou o Heavy Metal para se dedicar exclusivamente a música ambiente.

Não obstante sua relação com músicos polêmicos da cena norueguesa, como os integrantes de Mayhem, Burzum e Emperor, Pytten nunca concordou com as práticas criminosas do grupo como incêncio a templos religiosos e profanação de sepulcros. Enquanto alguns músicos apoiavam o fogo às instituições religosas, Pytten ia pela contramão e gostava de congelar e chicotear as músicas de suas bandas com o que havia de mais gélido na atmosfera da fria Noruega. Pytten continua na ativa até hoje como produtor, baixista e diretor do Grieghallen Studio.

ROSS ROBINSON

Ser chamado de Padrinho de alguma criação é uma grandiosa honraria que pode alçar o recebedor do título aos píncaros da glória. Vide o Black Sabbath e seu título de Padrinhos do Heavy Metal, muito embora não haja uma unanimidade de que a banda de Tony Iommi tenha mesmo criado o estilo. Na segunda metade dos anos 90, quando as grandes bandas de Death Metal já haviam lançado seus clássicos-pétreos e a cena nórdica de Black Metal começava a esfriar (literalmente) com suas bandas rumando para outras apostas sonoras, surgia um novo jeito de fazer Rock pesado: cadênciado, agressivo e com novos elementos que nunca haviam sido explorados no Metal. Entra na história agora o elemento que tratou de descobrir e lapidar várias destas bandas do que começaria a ser chamado de Nu-Metal: Ross Robinson.

Parido no Texas no décimo-terceiro dia de fevereiro do ano de 1967, na segunda metade dos anos 80 Robinson registrava seus primeiros trabalhos nas bandas de Thrash Metal Détente, Catalepsy e Murdercar, em solo californiano. Mas a curiosidade aguçada do menino Robinson o levava a acompanhar os trabalhos dos engenheiros de som nos estúdios onde ele gravava com suas bandas. Destas fontes Robinson aprendeu diversas técnicas de produção e gravação, as quais ele pôs em prática pela primeira vez quando assinou a produção do álbum Concrete do Fear Factory.

Opa! Mas Concrete só foi lançado em 2002!

Pois bem. Na verdade, Concrete foi gravado em 1991 e deveria ter sido o debut do Fear Factory. Todavia, quando o álbum terminou de ser produzido, a banda não gostou do resultado final e simplesmente o deixou engavetado. Concrete finalmente viu a luz do dia 11 anos depois, e o já consagrado Ross Robinson pode incluí-lo em seu portfólio de trabalho.

E essa consagração não veio em outros trabalhos de Metal Industrial genuíno, mas sim em algo similar, fruto das influências de Groove Metal, onde Pantera e Sepultura eram reis, com elementos de Hip-Hop e mesmo de Industrial. Nascia o Nu Metal. E o Sepultura do Brasil (um, dois, três, quatro…) mais uma vez entra na história. Desfeita a parceria com Scott Burns, que se encerrara em Arise, a banda mineira testou sonoridades em Chaos A.D. e as implementou fortemente em Roots, sob a batuta de Ross Robinson.

O produtor chamou a atenção do Sepultura através de seu trabalho com uma banda iniciante chamada Korn, a qual Robinson produziu seu debut lançado em 1994. O modo como o som cadenciado, denso e pesado era tratado por Robinson em estúdio, com afinações graves e sujeira, chamou a atenção do Sepultura que rumava justamente para este modus operandi. A partir de então, com os trabalhos pioneiros de Korn e Sepultura servindo como cartilha para o novo estilo, Robinson passou a produzir bandas que sofreram influências desta cartilha e se tornaram grandes representantes do Nu Metal no fim dos anos 90.

Limp Bizkit, Deftones, Soufly, Machine Head e Slipknot tiveram seus trabalhos cuidados por Ross Robinson na época de ouro do estilo. Robinson também foi importante no desenvolvimento do chamado Post-Hardcore quando produziu bandas que se tornaram referência do estilo como At The Drive-In, The Blood Brothers e Glassjaw. Fora de sua zona de conforto, Ross Robinson também produziu o álbum auto-intitulado da referência do Pós-Punk/Rock Gótico The Cure, lançado em 2004. Robinson voltaria a trabalhar com o Sepultura no álbum The Mediator Between Head And Hands Must Be The Heart, lançado em 2013. Afora todas estas bandas, o catálogo de Ross Robinson inclui trabalhos com Red Fang, W.A.S.P. e De La Tierra.

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