A coluna “Produtores” está de volta em sua terceira parte. Nos dois primeiros capítulos deste compêndio, esta coluna abordou os grandes produtores que se destacaram durante os anos 60. Seguindo o traço cronológico tomado como padrão, desta feita tomaremos como objeto de análise os produtores que se tornaram conhecidos a partir dos anos 70, cuja análise também será dividida em duas partes, cada uma abordando a história e o currículo de três produtores.
Como bem sabemos, a década de 70 foi um período de grandes invenções e mudanças no mundo do Rock. O estilo foi ganhando mais peso e o Heavy Metal foi oficialmente inaugurado. O Rock Progressivo tomou conta das paradas na primeira metade da década, cedendo seu lugar para que o Punk Rock passasse a dominar na segunda metade da mesma. Na Alemanha surgia um movimento peculiar de Rock Psicodélico, que ficou conhecido como Krautrock, ao mesmo tempo que uma banda conterrânea alçava seus primeiros passos rumo ao sucesso praticando um Rock mais básico e acessível. Todavia, nenhuma destas inovações no meio Rock teria sido da mesma forma se não fosse as mãos e ideias dos produtores que entraram em ação para cuidar das gravações destas bandas. Observemos como isto aconteceu, acompanhando logo a seguir a história e influência de alguns destes produtores.
BOB EZRIN
“Quando sua motivação é simplesmente fazer sucesso e vender discos, você irá falhar. Mas se você está interessado em fazer algo excelente e produzir um trabalho que valha a pena, você será bem sucedido. Os melhores artistas com quem eu trabalhei sempre foram obsessivos com seus trabalhos; eles pouco ligavam para o marketing. Eles sabiam que a arte era tudo o que importava.”
Assim diz Bob Ezrin, canadense de Toronto nascido Robert Alan Ezrin em 25 de março de 1949. Não precisa analisar profundamente seu currículo para se constatar o porquê de ele ter afirmado essas palavras ao site Music Radar. Acompanhe:
Ezrin sempre diz que seu primeiro brinquedo foi um equipamento de gravação onde ele aprendeu a manipular sozinho somente lendo as legendas próximas aos botões das mesas. Estudante de música desde os cinco anos de idade, o jovem Bob estagiou nos anos 60 com o renomado produtor canadense Jack Richardson em seus estúdios Nimbus 9. Ora, Richardson se tornou bastante conhecido através de seu trabalho com a banda The Guess Who, com quem registrou três discos de estúdio no fim dos anos 60. Aquela sonoridade que Richardson conseguia extrair do The Guess Who chamou a atenção de um músico que começava a despontar naquele período não somente pela sua música: Vincent Damon Furnier, assim como está batizado em cartório, mas imortalizado com o nome de seu alter-ego, Alice Cooper.
Houve muita insistência por parte do então empresário de Alice, Shep Gordon, em ter Jack Richardson como produtor de Alice Cooper. Esta insistência ia de encontro com a resistência do produtor canadense com os trabalhos já lançados por Alice, os quais ele julgava ridículos. Todavia, se a arte de Alice ia de encontro aos interesses de Richardson, por outro lado agradava os do estagiário Ezrin, tanto que que Richardson disse da seguinte forma: “Está certo. Se meu assistente gosta deles, vou recomendá-lo a banda.” O resto é história: começava aí uma parceria de sucesso que rendeu vários clássicos da discografia de Alice, Love It to Death (1971), Killer (1971), School’s Out (1972) e Billion Dollar Babies (1973). Ezrin foi (é) tão importante na carreira de Alice que o cantor o chama de seu “George Martin”, em referência ao produtor do Beatles. Segundo Alice, Ezrin era capaz de engrandecer as melhores partes de sua música e de descartar qualquer coisa que ele julgasse estranho. Dentre um dos feitos de Ezrin que enriqueceram a criatividade de Alice Cooper, está o convite para o famoso ator de filmes de horror Vincent Price fazer parte das gravações do álbum Welcome To My Nightmare (1975).
Adepto do método de usar várias vezes o contrabaixo no início das músicas, no prol de criar uma expectativa para que o restante da banda entrasse com força, Bob Ezrin também usava um elemento peculiar em seus arranjos e ideias: coro de crianças. Este elemento foi usado, por exemplo, na faixa-título de School’s Out e no álbum Berlin, lançado em 1973 por Lou Reed. Ezrin ainda guardaria esta carta na manga para consagrá-la de vez no futuro.
No decorrer da década, Ezrin também usou seus conhecimentos de arranjo e estúdio para catapultar um outro nome que se consolidava na época, o do Kiss. Após o estrondoso sucesso de Alive, lançado em 1975, a banda de Gene Simmons e Paul Stanley juntou forças com Ezrin para registrar o trabalho mais ambicioso da banda até então, Destroyer (1976), pois o grupo saiu de um som mais cru e direto de seus primeiros discos e passou a adotar orquestrações, coros e outros efeitos de estúdio, tudo sob a batuta perita de Ezrin. Até que raiou 1979, o ano em que Ezrin assinaria e a produção de um clássico imemorial do Rock, The Wall, do Pink Floyd. E lá estavam as crianças novamente em coro para fossilizar uma das músicas mais icônicas da história, Another Brick In The Wall, pt. 2.
“Assim que mostrei o segundo verso da música para Roger (Waters), com o coro de crianças, ele captou a ideia”, relata um orgulhoso Bob para o site Performing Songwriter. Ainda, o que Bob tem de ousadia e perícia de estúdio ele tem de convicção para se atualizar. Tanto que Bob Ezrin até hoje é um dos produtores mais considerados e requisitados por grandes nomes do Rock em suas mais variadas vertentes e da música em geral. Desde os anos 70 até os dias de hoje, o produtor já trabalhou com nomes do aporte de, dentre vários outros, U2, Rod Stewart, Trevor Rabin, Nine Inch Nails, Kansas, Jane’s Addiction, Peter Gabriel, Deftones e Deep Purple, cujos dois últimos álbuns foram produzidos por Ezrin. Além dessa gama de nomes do Rock, Bob produziu o projeto Young Artists For Haiti, uma iniciativa similar ao USA For Africa dos anos 80 (guardadas as devidas proporções), que contou com artistas como Avril Lavigne, Nelly Furtado, Drake e Justin Bieber.
Ah, a parceria de Bob Ezrin com Alice Cooper também perdura até os dias de hoje.
MARTIN BIRCH
“Ah, mas Martin Birch não foi o produtor do Iron Maiden? Por que ele está nos anos 70?”
Sim, meu caro leitor. Martin Birch fez carreira e consolidou sua posição de destaque em meio aos produtores ainda nos 70. Os primeiros trabalhos de expressão que contaram com os serviços de Martin foram lançados ainda em 1969, na época em que ele ainda trabalhava somente como engenheiro de som de Jeff Beck em seu segundo álbum, Beck-Ola. Mas neste mesmo ano ele iniciou algumas das parcerias mais bem-sucedidas de sua carreira.
Birch foi o engenheiro de som do terceiro full-length do Fleetwood Mac, Then Play On, e do lendário Concerto For Group And Orchestra, do Deep Purple, uma das primeiras apresentações conjuntas de uma banda de Rock e uma orquestra. Desde então, o Fleetwood Mac repetiu a parceria com Birch nos álbuns Kiln House (1970), Bare Trees (1972), Penguim e Mystery To Me (1973), estes dois últimos já no cargo de produtor. Nestes trabalhos, Birch já imprimia sua assinatura enquanto produtor: peso sônico e reforço nos graves e médios. Ainda, Birch tinha a preocupação de deixar cada instrumento bem nítido na mixagem.
Com o Deep Purple a parceria foi mais longe e extrapolou as fronteiras do nome da banda. Martin Birch sempre esteve presente no estúdio da banda dos MK’s até o primeiro fim dela em 1977, tendo co-produzido ou feito a engenharia de som em todos os trabalhos da banda na década e testemunhado as primeiras brigas de egos entre Blackmore e Gillan. Birch também assinou a produção dos clássicos três primeiros full-lengths do Rainbow de Ritchie Blackmore e Ronnie James Dio, além de estar também no estúdio com o projeto-solo de Jon Lord, na primeira metade da década, na banda Paice-Ashton-Lord em 1977, e do Whitesnake, banda que Birch acompanhou até a metade dos anos 80.
Outra parceria de sucesso do produtor Martin Birch foi com a banda Wishbone Ash. Mesmo que sua relação com a banda tenha se restringido à engenharia de som nos álbuns, Birch foi um dos responsáveis por trabalhar o forte uso de harmonias de guitarra, recurso que tornou o Wishbone Ash fortemente reconhecido e influenciador de bandas que vieram ao fim dos anos 70/começo dos anos 80, incluindo uma banda com a qual Birch teria forte identificação no futuro. Mas o produtor reconhecido pelo peso não poderia deixar de trabalhar com os pais do Heavy Metal.
Martin Birch foi o primeiro produtor externo a trabalhar com o Black Sabbath, já que o próprio Tony Iommi produziu todos os trabalhos de sua banda durante os anos 70. Birch chegou ao Sabbath por indicação de Ronnie Dio, com quem havia trabalhado nos tempos de Rainbow. A parceria não poderia ter sido melhor: Birch assinou a produção de Heaven And Hell (1980) e de Mob Rules (1981). E foi no ano do lançamento de Mob Rules que Birch começou sua relação com o Iron Maiden. Após a produção de qualidade duvidosa do debut com a assinatura de Will Malone, Birch assumiu a batuta dos estúdios com o Iron Maiden em Killers (1981). Durante a primeira metade dos anos 80, Birch ainda produziu vários trabalhos do Whitesnake e dois full-lenghts do Blue Öyster Cult, antes de se dedicar exclusivamente ao Iron Maiden a partir de 1984. Seu último trabalho como produtor foi o álbum Fear Of The Dark (1992), antes de se aposentar dos estúdios e de sacramentar uma das mais ricas e reconhecidas carreiras como produtor, que também tem capítulos com artistas como Peter Green, Skid Row (do Gary Moore), o próprio Gary Moore, Faces e o trabalho solo de Cozy Powell, bem como o Michael Schenker Group.
Ah, Birch também cuidou do álbum Elements, de 1978, lançado sob o nome de outro músico do Deep Purple e que também era um renomado produtor contemporâneo. Refiro-me a
ROGER GLOVER
Muito mais conhecido como o baixista do Deep Purple, Roger Glover também foi um requisitado produtor nos anos 70. Tanto que um dos motivos de sua saída da banda naquela década foi o foco em sua carreira como produtor.
Antes, é necessário reforçar que um bom produtor precisa, antes de tudo, ser um bom músico. Afinal, o produtor não está lá somente para mexer nos botões das mesas de som. O produtor atua também nos arranjos das músicas, dando dicas e sugestões para que a banda consiga alcançar seus objetivos musicais. Glover, reconhecidamente um dos baixistas mais lembrados de sua geração, começou a se ocupar também como produtor no debut do artista Rupert Hine, Pick Up A Bone, de 1971. Ainda durante os anos 70, Glover se tornou mais reconhecido como produtor por ter trabalhado com o Nazareth nos álbuns Razamanaz (1973), Loud ‘n’ Proud e Rampant, ambos de 1974. O baixista do Deep Purple também assinou a produção de três full-lengths do ELF, a primeira banda de expressão de Ronnie James Dio, do álbum Calling Card (1976) de Rory Gallagher. Glover ainda seria o chefe de estúdio de uma banda que ainda estava em ascendência nos anos 70, o Judas Priest, cujo terceiro full-length, Sin After Sin, foi produzido pelo baixista do Deep Purple.
Ritchie Blackmore recrutou seu ex-parceiro de Deep Purple Roger Glover para ser o novo baixista da banda em 1978. De bônus, Blackmore ganhou um produtor, já que Glover assinou todos os discos da banda até 1984, ano em que ambos reativaram o Deep Purple em sua encarnação MK II. O currículo de Glover como produtor também possui referências de artistas e bandas como Status Quo, Michael Schenker Group, Pretty Maids e Dream Theater: Glover masterizou e mixou o álbum ao vivo Made In Japan, onde o Dream Theater tocou o clássico álbum homônimo da banda de Glover na íntegra.
Mas os maiores clássicos produzidos por Roger Glover não foram listados ainda nesta seção. Lembra dos álbuns do Deep Purple que Martin Birch atuou somente como engenheiro de som, citados alguns parágrafos acima? Pois é. Roger Glover foi quem os produziu.
Continua…