Papa Emeritus III fala sobre a carreira, a bíblia e os planos para o futuro com o Ghost

Shows teatrais e músicas sombrias fizeram dos suecos do Ghost um nome respeitável no meio musical, inclusive sendo vencedores do Grammy (melhor performance de metal de 2016 pelo single “Cirice”, do álbum Meliora, de 2015), e vários outros prêmios mundo afora. Com um conceito clérigo-satânico, ainda conseguem explorar o mercado fonográfico e outros nichos midiáticos.

Antes de um show em Viena, na Áustria, o vocalista Papa Emeritus III concedeu uma entrevista ao site Kronen Zeitung, falando sobre o sucesso crescente, a expansão da marca Ghost (incluindo vibradores) e seus planos futuros para a banda. Confira abaixo:

Kronen: Nos últimos anos vocês tem feito cada vez mais shows grandes – com a turnê “Popestar”, por exemplo, muitos deles com ingressos esgotados. Como lidar com o entusiasmo de uma plateia cada vez maior?
Papa Emeritus III: Depende das condições. Você pode tocar, por exemplo, numa sexta-feira a noite em Iowa, e numa terça-feira em New York, com uma audiência incrivelmente mais entusiasmada. Isso porque no interior as pessoas são mais reservadas. Especialmente no norte da Europa, você pode estar tocando numa quarta-feira diante de três mil pessoas e elas estão de braços cruzados. Eu não quero mosh pit e nem violência do público, mas quero interação. Mas isso acontece com  todas as bandas, porque durante a semana a maioria das pessoas não bebe e ficam mais inibidas. Mas nossos fãs estão crescendo com a banda, é natural.

Manter o anonimato é difícil e as pessoas gostam de descobrir a identidade dos artistas. Por outro lado, você é famoso por estar atrás de uma máscara e pode desfrutar da fama mantendo sua identidade. Você gosta de se misturar anonimamente na multidão?
Eu tento sempre manter meu personagem, mas não tenho muita ajuda (risos). Eu acho bom não falar sobre mim, mas outras pessoas falam. Naturalmente surge a questão, por que tocar numa banda que pede para permanecer anônima? Pra que isso? As pessoas querem olhar por trás das cortinas. Mas sou respeitado em público quando estou descaracterizado. Eu sempre quis estar em uma banda e depois de alguns anos no Ghost vejo isso como um privilégio, ser capaz de me reinventar. O Erik do Watain e o Nergal do Behemoth cumprem esse papel, eles continuam nos personagens fora dos palcos. Comigo não é o caso, ninguém vai esperar algo do Papa Emeritus fora de cena.

Nergal atualmente está com seu projeto solo experimental de country/folk “Me and That Man”, algo completamente diferente e que causou um impasse na banda.
Você tem que saber lidar com isso, coisas que constrói para si. Erik e Nergal são bons amigos, mas minha história é diferente. Eu tenho esse sentimento de que minha fama veio de repente, sem estrutura. Lamento que minha identidade com o mundo exterior está cada vez menos anônima, agora é como um conhecimento geral. As pessoas querem tirar fotos comigo mas eu não atendo sempre que alguém me reconhece. Então, posso ser idiota, mas ok. Essa é a parte mais difícil do meu papel no Ghost – você quer ser um cara mau e se impor alguns limites, é visto como um.

Eu entendo que você não quer revelar sua identidade, mas acho incrível que mesmo hoje com a internet é possível que esse tipo de misticismo se mantém.
Eu acho que é normal que as pessoas queiram saber dos bastidores. Muitos provavelmente o fazem sem malícia, mas não deixa de ser falta de respeito.

Por outro lado você consegue viver no anonimato, mesmo com o sucesso.
Eu não tenho certeza se podemos equiparar o peso da palavra sucesso e holofotes  com bandas de metal. Para mim, muitas bandas tem letras surreais que falam de dragões e demônios. Música pop ou indie são mais honestas. Falam sobre sentimentos e não produtos da imaginação. Eu me acho semelhante porque a maioria das nossas letras tem duplo sentido. Se você ouvir “Year Zero” verá que a música fala de Satanás, mas na verdade é sobre a humanidade.

Você trabalha muito com metáforas para esconder o óbvio.
Sim, isso é importante para mim. Muitas canções são mais emocionais do que se acredita. “Square Hammer”  tem um significado completamente diferente do que o nome diz.

Você usa metáforas para que seus ouvintes pensem ou é mais uma questão de esconder histórias pessoais nas músicas?
Especialmente em bandas indies e alternativas isso soa muito pessoal. Com bandas suecas ouve-se muito o óbvio, como quando algum membro passou por um divórcio ou encontrou um novo amor. É claro que é impossível não canalizar as experiências através da música. Bandas de metal tem letras sobre J.R.R. Tolkien que podem não significar nada ou cantar sobre o fato de que eles têm o direito de fazer rock. Depois de 15 álbuns do Manowar você quer saber: contra quem eles estão lutando? Você tem o direito de tocar rock e você faz isso o tempo todo. Sem ofensa – eu amo os três primeiros álbuns do Manowar – mas, depois de um tempo, esse conceito me entedia. Eu levo as críticas muito a sério porque oferecemos com o Ghost uma peça teatral muito mais profunda do que a maioria pensa. Mas não vou contar exatamente o que é, esse não é o meu trabalho.

Com o Ghost você pode fazer mais do que meros concertos. O conceito inclui teatro, musical e cinema. Há expectativas para se tornar ainda mais amplo e diversificado culturalmente?
Na verdade, tudo isso é real. No meu mundo, os shows são apenas 30% do que eu tenho em mente para o Ghost quando se trata de teatralidade (…). Eu gostaria de incluir coisas diferentes, apresentações em várias etapas numa arena e criar uma experiência sem precedentes.  Gostaria de fazer do Ghost uma versão gótica de Rammestein.

A música continua como protagonista ou são os elementos visuais?
Não posso dar muitos detalhes, mas estamos trabalhando com o Ghost num conceito de  musical clássico. Isso, naturalmente, requer muito esforço e é muito mais do que riffs. Antes de mais nada você precisa de uma produtora que já conhece o que você quer fazer. Então, você tem que imaginar tudo de acordo com o conceito pretendido. Isso vai levar tempo, você precisa escrever uma história e criar as músicas, pelo menos até 2019. (…) Mas eu tenho as coisas bem organizadas na minha cabeça e estamos a procura de parceiros para implementar o plano. Estamos em fase inicial, mas creio que nos próximos cinco anos teremos algo sólido. Você tem que ir passo a passo.

Antes de todos esses planos se realizarem, provavelmente teremos um novo álbum do Ghost. Em várias entrevistas já foi dito que será mais sombrio e melancólico. O que pode nos dizer a respeito?
Será mais escuro que “Meliora”, que foi a ausência de religião. A ideia é um mundo urbano ultra-futurista (…). Estamos quase desaparecendo desde a década de 1920. A última canção, “Deus in Absentia”, foi o grande final. A última nota é sobre um Deus que não existe e o vazio que ressoa no fim. Eu acredito que a fé, a princípio, não é uma coisa ruim. (…) Livros como a bíblia foram escritos por homens para controlar as pessoas. Eu comparo a religião com a saga Star Wars. Há uma força sombria e há o lado da luz. A religião vem para encontrar o equilíbrio certo entre um e outro.

Você está dizendo que gostaria de encontrar o equilíbrio religioso para o próximo álbum?
Acho que sim. O próximo álbum é sobre a ira de Deus. Não literalmente, mas é sobre o fim do mundo. Se você fosse agora para a Síria, você diria que o fim do mundo é lá. Mas se você está em locais privilegiados, como o norte da Europa, você não diria isso. É sempre uma questão de observação e consciência. Estamos atualmente numa encruzilhada apocalíptica, onde precisamos avaliar seriamente como queremos continuar enquanto humanidade. O sistema atual, obviamente, não funciona. Todos nós queremos sobreviver, é nosso objetivo em comum. Se você é atingido por um meteoro, seu mundo pode chegar ao fim. Como os romanos se sentiram quando o império entrou em colapso? É sempre uma perspectiva. O próximo álbum irá atravessar a Idade Média. No final, é sobre sobrevivência e não sobre a destruição.

Ghost ainda flerta com o pop, o que é rejeitado por muitos, mas levou a banda ao sucesso. As direções musicais da banda vão mudar?
Como artista eu tento não me repetir. Eu não vou escrever um segundo “Ritual” ou “Devil’s Church”. Pode acontecer da gente tirar uma canção de amor da manga, mas os discos tem uma sequência contínua.  “Infestissumam” está mais perto de “Opus Eponymous” e “Meliora” mais próximo de “Infestissuman”. Assim, o próximo álbum será mais próximo de “Meliora”. Esta é uma conclusão lógica. Os EP’s como “Popestar” musicalmente não tem muito a ver com os álbuns do Ghost. Eu não quero revelar muito, mas o álbum está na metade do caminho.

Podemos esperar para ainda esse ano?
Gostaria de tocar até abril de 2018. Em agosto retomamos e entramos em turnê novamente até o final do ano. Durante esse período tudo tem que ser produzido e masterizado. Tem que ter paciência.

E vai seguir a tradição de dar uma nova identidade ao Papa Emeritus?
Sim (risos).

É impressionante sua capacidade para o merchandising. Gene Simmons disse que só faltava lançar a própria religião da banda, a “Kisstianity”. Você pretende avançar com o Ghost a tal esfera?
Ser maior que o Kiss é praticamente impossível, e não é nosso objetivo. Somos uma das poucas bandas que vende razoavelmente bem produtos físicos. O merchandising funciona e é uma maneira de conseguir pagar toda a equipe. Brinquedos como um vibrador e a bíblia são boas ferramentas promocionais. Nós temos loja própria e muita procura. Gosto de escrever canções e criar álbuns, mas são só desculpas para começar uma nova turnê. Essa não é minha opinião pessoal, mas isso é um negócio, porque você não vende somente álbuns. Meu objetivo na vida é fazer o maior número de turnês possível. Quando meu físico não aguentar mais, vou olhar para trás e ter a alegria de ter aproveitado o máximo possível. Se eu sentir esse orgulho, posso morrer feliz.

Leia a entrevista original (em alemão) clicando aqui.

Encontre sua banda favorita