Pantera: do Hard “farofa” ao Groove/Thrash; A metamorfose sonora da banda

No Metal, bem como no Rock em geral, conhecemos diversos exemplos de bandas que surgiram com determinada proposta musical e, com o passar do tempo, aquela ideia inicial foi sendo deixada de lado. Bandas que surgem, permanecem alguns anos fieis àquilo que se propunham inicialmente e inclusive constroem uma base de fãs que também permanecem fieis ao seu som. Depois de alguns anos, a banda mostra que quer explorar outros caminhos musicais. Na grande maioria das vezes, tais mudanças de sonoridade não são bem-vindas pelos fãs, de modo que a banda precisa se virar para se manter relevante com sua música.

Antes de mais nada, é preciso que se compreenda que mudanças de sonoridade são uma coisa, acima de tudo, natural. Ora, o rapaz funda uma banda de Metal aos 18 anos de idade, suponhamos, com a intenção de tocar Thrash Metal, faça este adendo. Com o passar dos anos, a cabeça do fundador absorveu novos elementos musicais e diferentes influências, de modo que o mancebo chega a sua maturidade musical, algo que vai refletir em sua própria música, quer queira, quer não. O Thrash Metal por si só se torna um limitante, pois o rapaz agora quer explorar outros elementos sonoros e não se permite mais que haja limites ou barreiras à sua criatividade.

A não ser que o músico mude o som de sua banda por pura e simplesmente intenções comerciais (Grave Digger experimentou e fracassou isso nos anos 80. Até hoje Chris Boltendahl se arrepende). De um jeito ou de outro, sua base de fãs é arregimentada primeiramente pelo seu som. Mude sua sonoridade, e muito provavelmente o implacável tribunal dos fãs irá lhe condenar à pena capital, o ostracismo. Poucas vezes uma banda de renome passou a praticar outro tipo de som e se manteve tão relevante quanto antes, ou até mesmo passou a ser mais importante. O caso mais bem-sucedido deste experimento é, sem dúvida alguma, o do Pantera.

Todos que porventura estejam lendo esta matéria sabem, mas não custa nada lembrar, até porque uma análise emergirá deste fato: nem sempre o Pantera teve aquela sonoridade pesada e cadenciada que os alçou aos píncaros da glória nos anos 90 e que veio a influenciar uma miríade de bandas desde então. A história do Pantera remonta a 1981 e, durante aquela década, seu som era bastante diferente do qual eles se tornaram conhecidos: era um Glam/Hard Rock bastante influenciado por Kiss, Van Halen e Def Leppard, com direito a cabelos moldados no laquê e figurinos espalhafatosos.

Que o diga o debut, Metal Magic (1983), farofa pura, e com gosto ruim! E aquela capa fofa, com aquele bicho na frente que é tão bonito que parece o urso de pelúcia do Chucky! O guitarrista Dimebag Darrell (que na época atendia pelo nome de Diamond Darrell) nunca negou que Ace Frehley foi sua maior influência. Mas a verdade é que, a partir do segundo álbum do grupo, Projects In The Jungle (1984), a tocada de Diamond na guitarra foi ficando mais pesada e, consequentemente, o som do Pantera foi ficando também mais pesado para os padrões do Hard/Glam da época, sem extrapolar as fronteiras do estilo, contudo. Basta uma ouvida superficial no terceiro álbum da banda, I Am The Night (1985), para se notar que o Pantera caminhava rumo ao Heavy Metal propriamente dito. Neste álbum as influências de Judas Priest, por exemplo, se mostram latentes, vide a faixa-título e Valhalla, apesar de o poder do cabelo Glam mostrar sua força em Hot And Heavy e nos pavorosos timbres à la Toto da bateria de Vinnie Paul.

E foi exatamente em 1985 que aconteceu o encontro mítico encontro entre Diamond Darrell e James Hetfield, no qual teria ocorrido o episódio da cuspideira iniciada pelo vocalista do Metallica contra a parede de pôsteres Glam de Diamond, com a conivência e a ajuda deste. Com a saída do vocalista Terry Glaze, houve um entra-e-sai de cantores que não se encaixavam nas ideias do agora headbanger Darrell. Foram arrolados os vocalistas Matt Lamour, David Peacock e Rick Mythiasin (Mystic-Force, ex-Agent Steel). Chegaram num tal de Phil Anselmo, recém-egresso do Razor White.

O vocalista afirma em entrevista ao site Loudersound que foi ele quem influenciou Diamond Darrel a abandonar o Hard/Glam e entrar de vez no Thrash Metal:

“Eu mostrei para ele o caminho. Dimebag veio até a minha primeira casa que tive no Texas no começo de 1988 e eu disse: ‘olha aqui, nós vamos fumar um baseado e você vai sentar e ouvir uma música’. Então a gente fumou o baseado e então eu pus o vinil do ‘Hell Awaits’, do Slayer, na música ‘At Dawn They Sleep’. Lá pelo meio da música aquela cabeça grande com cabelo crespo começou a se mover. No fim da música ele disse: ‘Isto é incrível’!”

Mas não foi bem assim que Diamond se tornou um headbanger thrash, segundo seu irmão, o baterista Vinnie Paul. Na mesma matéria, o baterista relata que eles eram fãs de Metallica desde que a banda de Lars Ulrich começava a despontar no Metal norte-americano:

“Muita gente pensa que foi Phil a força por trás do peso da banda, mas isto não é verdade. Meu irmão criou os riffs. Eu criei as linhas de bateria. Nós éramos fãs daquele tipo de música. Em 1983, quando o Metallica abriu o show do Raven em Tyler, no Texas, eu e meu irmão dirigimos quase 200 quilômetros para vê-los. Haviam umas 20 pessoas lá e nós estávamos feito loucos em frente ao palco.”

De um jeito ou de outro, o Pantera que gravou Power Metal (1988), seu quarto álbum de estúdio, já era bem diferente daquele que gravou Metal Magic. Timbres pesados beirando o Thrash e composições agressivas e mais rápidas (Vinnie Paul usa e abusa dos bumbos duplos) davam a tônica da banda, agora com os vocais de Phil Anselmo, que na época possuía um invejável alcance vocal e tinha entre suas influências ninguém menos que Rob Halford. E quem não consegue lembrar do Metallica ao ouvir Over And Out? Outro impacto que afetou o Pantera na época de Power Metal foi a participação de Kerry King em um dos shows da banda. Uma das referências do Thrash Metal estava dando a sua assinatura na evolução sonora do Pantera.

Apesar da banda querer sair do Hard Rock, o Hard Rock insistia em ser uma inquilina da banda, como mostra a música Proud To Be Loud e o visual dos integrantes que continuavam escandalosos, apesar de Anselmo já tentar mudar essa imagem trazendo pendurado em sua cintura um cinto de bala. O que importa era que na época a cabeça da banda já estava imersa em outras influências, como relata o baixista Rex Brown (que na época usava o pavoroso nome Rex Rocker):

“Nós ouvíamos muito Voivod, ‘The Real Thing’ do Faith No More e ‘Louder Than Love’ do Soundgarden. Estas eram as bandas que estavam fazendo algo diferente e eu acho que aquilo realmente nos inspirou a também fazer algo diferente, mas do nosso próprio jeito, fazendo isso mais pesado.”

Vinnie foi mais longe e tocou naquilo que para ele ainda era o maior limitante para as plenas mudanças internas da banda: o visual:

“Depois que fizemos ‘Power Metal’, olhávamos para nós mesmos e dizíamos: ‘Estas roupas espalhafatosas e estes cabelos malucos não tocam a nossa música. Nós mesmos a tocamos.’ Então decidimos nos afastar desta imagem, focar mais na música e detonar o máximo possível!”

E assim aconteceu. A metamorfose do Pantera que durou praticamente toda a década de 80 findou-se em 1990 apresentando ao mundo uma nova criatura. Nada de visual estrepitoso ou cabelos “do babado”. As músicas mais alegres e festivas à la Kiss também foram deixadas de lado. Aquela nova criatura trazia consigo um som pesado e agressivo e vocais berrados, mas com um diferencial: o groove. O ritmo cadenciado imposto por Vinnie Paul e amparado pelo baixo seguro do agora Rex Brown (bem melhor) acentuava o timbre pesado e único de Diamond Darrell. O Pantera “farofa” era passado. Um novo Pantera surgia para ser o baluarte do Heavy Metal nos negros anos 90 ao lado do Sepultura do Brasil.

Sobre o groove característico e inovador para o Metal, o baterista comenta:

“Várias bandas de Thrash são de certa forma limitadas no que elas podem fazer, e nós sempre sentíamos que poderíamos fazer mais usando nossa musicalidade. O groove era algo que não queríamos perder, apesar de que nós estávamos mais pesados. Então nos focamos nisso, porque o que nós queríamos era que as pessoas se movessem com nossa música. Sendo do Texas, nós sempre fomos fãs do ZZ Top e de bandas que tinham um grande groove. ‘Cowboys From Hell’ é um grande exemplo disso.”

Motivados pelo Slayer e influenciados pelo Metallica, Cowboys From Hell, produzido pelo lendário Terry Date (o que deu início a uma das maiores parcerias banda-produtor da história do Metal) foi lançado em 1990 e foi o primeiro álbum do Pantera em contrato com uma grande gravadora, a Warner. Em som e imagem, o Pantera não era mais o mesmo. O ato de renegar o passado oitentista foi tão longe e extremo que a banda considera oficialmente Cowboys From Hell como seu primeiro álbum, ignorando completamente os álbuns Metal Magic, Projects In The Jungle, I Am The Night e até mesmo o já pesado Power Metal. Mas o passado não se pode apagar. O Pantera “farofa” não é nada descartável e vale muito pena conhecer esta fase obscura da banda, se alguém ainda não teve a curiosidade de conhecê-la ou se acha “true” demais para se arriscar.

O último resquício da fase Glam permaneceu no nome de Diamond Darrell, que usou este vulgo até Vulgar Display Of Power. Em Far Beyond Driven ele finalmente adotou o codinome Dimebag. O diamante virou pó, e o resto é história.

Agora me deem licença, pois irei ali ouvir Metal Magic

 

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