O MAINSTREAM ABRIU AS PORTAS PARA O METAL?

Em meados da década de 80 o Brasil viveu um momento de transição política e cultural. O verde oliva dos uniformes deu lugar a um colorido new wave que chegava com alegria, novidades e muita sede de liberdade.

Os outrora censurados astros da MPB foram alçados de vez à categoria dos intelectuais dado a seu passado de luta e letras que utilizavam metáforas para combater o sistema, e a nova onda musical não era vista com bons olhos pelo povo do nosso Olimpo Musical.

Quem pedia publicamente as bênçãos de Caetanos, Gilbertos e Chicos eram apadrinhados e respeitados pela mídia baba ovo reinante naquele universo ainda desacostumado com o novo e com a liberdade de expressão.

O pop rock nacional dava seus primeiros passos e começava a vender mais discos que aqueles que se achavam intocáveis e isso gerou certa desconfiança por parte da imprensa que como é de praxe tratava com indiferença aquilo que não a interessava.

Foi nesse período que surgiu a primeira edição do Rock in Rio que só aconteceu porque esse tal de pop rock nacional arregimentou uma imensa legião de fãs que lotavam as danceterias e compravam milhares de LPs. Bandas essas que expunham publicamente seu apreço pelos Deuses do Olimpo Musical Brasileiro e que em troca eram tratados como herdeiros do que anos depois passamos a chamar de mainstream.

Neste mesmo festival o país se deparou com uma horda de desordeiros até então desconhecidos da grande mídia que surgiram aos milhares vestindo camisetas pretas com estampas sinistras, cabelos longos e desgrenhados, braceletes de tachas e que literalmente defecavam e andavam para nosso Olimpo Musical. Essa mesma horda vaiava e apedrejava as bandas de pop rock que subiram ao palco naquele janeiro de 1985.

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Como era impossível tratar uma plateia de 200 mil pessoas com indiferença a TV Globo, detentora até hoje dos direitos de transmissão do festival, resolveu fazer reportagens sutilmente pejorativas com aqueles seres desconhecidos que pareciam terem saído dos esgotos para estragar a festa. A eles a Globo deu o alcunha de Metaleiros, sem se preocupar em saber o que era um headbanger. O termo pegou e até hoje é motivo de discussão entre a roqueiragem tupiniquim.

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Desde então essa gente estranha que gosta de música estranha cantada de forma estranha por músicos ainda mais estranhos é tratada com um certo preconceito e às vezes com um ar meio blasé por parte dos pseudo intelectuais que permeiam nossa malfadada imprensa.

Durante muito tempo o metaleiro comum foi tratado como um ser ignorante, bruto e com desvio de personalidade. Programas e reportagens falando a respeito deste nicho de mercado ainda são raros e se restringem atualmente a internet e seus guerreiros que fazem das tripas coração para manterem viva uma cena que respira por aparelhos mesmo sabendo que o rock nunca irá morrer.

Porém, muito lentamente, quase a passos de tartaruga, as coisas parecem estar mudando.

O rock acabou revertendo os valores e hoje é considerado por muitos o gênero musical mais “pensante” da nossa sociedade terceiro-mundista. Claro, corroboram para isso essa massa de acéfalos que produzem música popularesca de enésima categoria e que assolam todos os espaços possíveis e imagináveis da grande e decadente mídia televisiva e radiofônica.

Os metaleiros de ontem são os pais de família de hoje e em muitos casos ocupam lugar de destaque em suas respectivas carreiras o que facilita um pouco mais a aceitação por parte dos indiferentes. Dizem até que algumas empresas veem com bons olhos os candidatos a vagas de emprego que se assumem roqueiros.

Os espaços rareiam e a exibição em canais abertos quase não existe, mas nos canais fechados a coisa parece que começa a mudar mesmo que a divulgação só ocorra em função de um ou outro festival transmitido invariavelmente pelos canais da Globosat (Multshow e Bis). Vez ou outra uma banda de rock pesado aparece numa programação regular.

É pouco? Sim, quase nada. Mas já é alguma coisa.

Lembremos que a mídia sequer citava o nome de alguns de nossos ídolos até pouco tempo atrás. Confesso que tomei um susto quando Willian Bonner anunciou a morte de Joey Ramone no Jornal Nacional em abril de 2001. Susto não pela morte, mas por ser notícia do principal jornal do país.

Se pararmos pra pensar fica difícil saber o que foi que mudou, como mudou e porque mudou. Mas fato é que a mídia trata o rock de um jeito bem diferente do que era nas décadas de 80 e 90.

Eu tenho uma tese de que isso só ocorreu porque alguns de nossos principais representantes amadureceram e pararam de destilar seu ódio contra aquilo que achava ruim e brega. Ainda há os que bradam contra os pagodes, funks e sertanejos de maneira mais exaltada e não muito respeitosa, mas se isso é uma característica quase pueril podemos dizer que logo passa.

Muitos fizeram por merecer o título de Embaixadores da Boa Vontade no rock, mas eu gostaria destacar três daqueles que acredito que mais colaboraram para a desmitificação do metaleiro radical e alienado: Andreas Kisser, João Gordo e Bruno Suter.

O primeiro já é considerado arroz de festa e é figura carimbada em qualquer jam session que se prese. Andreas Kisser provou que metaleiro brasileiro sabe ser versátil musicalmente e consegue dividir o palco com qualquer músico de qualquer gênero. Não por acaso é constantemente convidado para participar de programas musicais, esportivos e até de entretenimento. Ele transita por todo tipo de mídia sem se deixar influenciar por esse ou aquele ritmo na hora de fazer seu próprio som no Sepultura.

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O segundo, João Gordo, mostrou que por trás de um estereotipo malvado e radical pode sim existir um ser humano dócil que trata qualquer um com o devido respeito mesmo que às vezes suas opiniões sejam um tanto polêmicas. Em seus vários programas de entrevista na extinta MTV o convidado se surpreendia com o comportamento sereno e simpático que ele demonstrava. Prova disso é que hoje em seu programa independente na internet os convidados comparecem na camaradagem e a mídia adora entrevista lo.

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Bruno Suter conseguiu provar que metaleiro também tem senso de humor e sabe rir de si mesmo. O personagem Detonator nada mais é do que uma caricatura do Guerreiro do Metal que estamos acostumados a ver em bandas como o mítico Manowar. Desde os tempos de Massacration ele se destaca interpretando o Deus do Metal e transita nos bastidores de várias emissoras de TV e mídias em geral. Diria até que o Massacration seria o Spinal Tap do Brasil.

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Me perdoem se não citei mais nomes que muito fizeram para mudar a péssima imagem que ficou em janeiro de 1985, mas preferi escolher os três que mais penetração tem no universo pop nacional.

É difícil pedir pra que um jovem se comporte de maneira mais racional e menos passional em relação àquilo que não o agrada. Eu mesmo não consigo digerir música pop e afins do alto de meu quase meio século de vida, mas não recusaria a me sentar numa mesa de bar pra tomar umas geladas com quem quer que seja do mundo popularesco.

Gosto musical não define caráter! Gostar de coisas diferentes não faz de alguém meu inimigo ou desafeto. Tampouco faz do roqueiro alguém mais relevante.

Se fosse assim eu não amaria tanto uma mulher que gosta de Roberto Carlos, assiste missa do Padre Marcelo na TV e torce para o Corinthians, a Dona Célia, minha mãe.

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