O Nirvana recebera o convite para fazer um show acústico em meados de 1993. A MTV chegou a pensar que seria um pouco difícil convencer uma banda que tem a maioria de seus sucessos dependentes de distorção e “barulho” a fazer um show em um molde totalmente diferente, com instrumentos acústicos e um ambiente mais tranquilo. Não foi bem assim: Kurt Cobain aceitara rapidamente. Para ele, era a chance de o Nirvana provar que tinha “algo mais” em seu trabalho, que não dependia apenas das distorções, que a banda possuía qualidade para ter chegado onde chegou.
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Mesmo o convite tendo sido aceito de forma rápida, não quer dizer que Kurt Cobain não colocaria algumas condições para fazê-lo. Tais condições poderiam fazer a MTV mudar de ideia, uma vez que Kurt recusava tocar grandes sucessos como “Smells Like Teen Spirit” e “Lithium”. Mesmo sem tais sucessos, a emissora seguiu em frente com o projeto. Poderia ser uma boa oportunidade para a banda divulgar várias músicas do então recente álbum “In Utero” e provar que não seria banda de apenas um disco de sucesso (no caso, por causa do “Nevermind”); mas a banda selecionara apenas três músicas do “In Utero” (“Pennyroyal Tea”, “Dumb” e “All Apologies”), deixando de fora até a principal música de trabalho do mesmo, a “Heart-Shaped Box”. Kurt e o Nirvana queriam provar algo diferente, mostrar aquilo que realmente queriam tocar, escolher as músicas exatas que achavam que deveriam estar no show, sendo elas da própria banda ou covers. Estes covers não necessariamente deveriam ser conhecidos do grande público, bastava a banda entender que valia a pena o registro ali. E assim foi feito.
Dentre outras condições estavam o cenário: Kurt queria lírios e velas acesas. Pareceria um velório, mas talvez fosse exatamente isto que ele quisesse. A banda também não queria repetir nenhuma música: o que seria gravado seria fruto de uma apresentação na íntegra, sem retoques, sem voltar para refazer nada (isto fica evidente em “Pennyroyal Tea”, onde Kurt erra a letra). Não era o costume da MTV permitir isto; outros artistas costumavam tocar algumas músicas mais de uma vez para selecionar a melhor versão e colocar no disco. Mas para o Nirvana não seria assim. Kurt gostava de coisas espontâneas e queria deixar o show marcado assim. Talvez a adrenalina fizesse com que a apresentação única fosse marcante e visceral a ponto de ser ótima e não precisar de retoques. E foi assim que fizeram e o resultado não poderia ter sido melhor.
Kurt queria também chamar alguns convidados. A MTV achou que poderia ser uma boa, Kurt poderia chamar algum cantor ou músico de bandas que haviam ficado conhecidas na mesma época em que o Nirvana; alguém do Pearl Jam, Soundgarden ou Alice In Chains, por exemplo. Poderia também ocorrer uma parceira com Courtney Love, esposa de Kurt Cobain e líder da banda Hole. Mas nada disto aconteceu. Para surpresa da MTV e do público, Kurt chamara os integrantes de uma desconhecida banda chamada Meat Puppets para subirem ao palco e tocarem três músicas com eles; nenhuma delas, até então, muito conhecida (“Lake of Fire”, “Plateau” e “Oh Me”). Poucos conheciam a banda Meat Puppets, mas dentre estes poucos, estava o Nirvana (uma das maiores bandas de rock daquele momento). Aliás, Kurt fez questão de dizer que eram fãs da banda. Afinal, para ele não importava se eram famosos ou não, importava que a banda fazia um som interessante e o Nirvana gostava.
Na hora de escolher o repertório, mais uma surpresa. Sim, já era certo que os maiores sucessos do Nirvana não estariam presentes no acústico, mas fazer uma apresentação de 14 músicas, sendo oito próprias e seis covers já é algo radical. Não para o Nirvana. Sem contar que das seis covers, talvez a mais conhecida fosse a “The Man Who Sold The World”, de David Bowie, o restante era composto de músicas bem menos conhecidas. As outras covers foram: “Jesus Don’t Want Me For A Sunbeam”, uma música do The Vaselines que apresenta uma letra modificada de uma música cristã infantil; as três dos Meat Puppets (“Plateau”, “Oh, me” e “Lake of Fire”) e, a música que finalizou com “chave de ouro”, nomeada pelo Nirvana como ”Where Did You Sleep Last Night?” mas originalmente chamada “In The Pines” de Leadbelly, um famoso músico das décadas de 1930 e 1940 que tocava Blues de quem Kurt e o Nirvana eram muito fãs.
As músicas próprias escolhidas foram: “About A Girl”, “Come As You Are”, “Pennyroyal Tea”, “Dumb”, “Polly”, “On A Plain”, “Something In The Way” e “All Apollogies”. O show foi iniciado com “About A Girl”, música do primeiro disco (o “Bleach”), música que apresentava algo próximo de uma balada romântica (o que contrasta fortemente com as restantes do álbum). A escolha dela talvez fosse para mostrar o que o Nirvana já fazia antes do “Nevermind” e, também, para mostrar que poderia fazer um som mais tranquilo e apresentar no violão. A música mais famosa do repertório foi “Come As You Are”, um dos sucessos do disco “Nevermind”.
O que nem todos sabem é que a pretensão da MTV era lançar um material duplo: de um lado o Nirvana acústico, no outro, seu show com guitarras distorcidas e todo seu padrão frenético rotineiro. Com a precoce morte de Kurt Cobain, o acústico fora lançado antes e sozinho. O show gravado que seria a parte elétrica e com guitarras distorcidas do material duplo só fora lançado em 2013, depois de vários anos de brigas judiciais e foi nomeado de “MTV Live and Loud” (lançado apenas em DVD). Neste DVD contém a versão elétrica de “The Man Who Sold The World” e várias canções marcantes e conhecidas do Nirvana (diferente do que fora feito no acústico), porém entre elas não está “Smells Like Teen Spirit”.
A última música deste inusitado acústico fora “Where Did You Sleep Last Night?”. Ela era um cover, mas, depois deste show, ficara muito bem marcada e representada como se fosse realmente uma obra do Nirvana. A performance de Kurt nela trouxe toda a carga emocional presente na letra, de um casal com problemas e que tenta ter um diálogo para uma possível solução. Como não é segredo, o relacionamento de Kurt e Courtney era bem conturbado e muitos afirmam que na época da gravação do “MTV Unplugged In New York” o casal passava por problemas. Talvez por isso Kurt fizera uma de suas melhores performances, talvez por isso hoje sabemos que não teria como “fechar o show com chave de ouro” de forma melhor: tinha mesmo que ser a inesperada “Where Did You Sleep Last Night?”. O que casa perfeitamente: um final inesperado para um show para lá de inusitado. Mas claro, sem deixar de ser muito bom.
