Nos últimos dias, o cenário do metal brasileiro teve uma notícia que pegou todo mundo de surpresa. Vocalista e baixista, Fernanda Lira, que esteve à frente da Nervosa, e a baterista Luana Dametto, anunciaram sua saída da banda. O caso foi tão sério que chegou a ser comparado a uma das grandes separações não superadas por grande parte do público brasileiro: a do Sepultura.
Fato esse proveniente de que Nervosa estava marcada para tocar no Wacken deste ano, que teve que ser adiado por conta da situação de pandemia mundial que vivemos. Uma pergunta que ecoa no imaginário da população headbanger é: e se o Wacken não tivesse sido suspenso, elas ainda teriam se separado?
A verdade é que por aqui não se pode prever o futuro que não aconteceu e temos que lidar com os fatos reais. Prika Amaral deixou claro que a Nervosa vai seguir em frente, como tem feito durante os dez anos em que o grupo está na estrada. Ao que tudo indica, e se o futuro for bem generoso como prometido, o cenário vai ganhar duas grandes bandas aptas a levar o nome do país para os maiores festivais mundiais.
Mas essa situação da Nervosa deixou à tona outras questões que merecem aqui um outro olhar. Estamos em plena pandemia, preocupados com a saúde e a economia em um nível alto de pressão psicológica de todos os lados possíveis. Quero esclarecer isso, para que seja visto como um fator capaz de realçar certos comportamentos, não e, jamais, na tentativa de que isso seja uma desculpa. Mas estamos com os nervos à flor da pele e isso é real.
O meio do entretenimento está em crise, com tantos shows sendo remarcados ou cancelados. Muita coisa e nada estão acontecendo, ao mesmo tempo. Portanto, cada fato que possa ser visto como crise tem sim um peso maior. Não é possível dizer que se as meninas tivessem tomado essa decisão em outro tempo, tudo isso aconteceria. É provável, mas jamais saberemos.
O que precisamos e muito é falar sobre respeito. Música pode até ser sobre gosto e opinião, mas isso, o respeito, sob hipótese alguma deve ser esquecido. Na nossa sociedade globalizada, há de tudo, gente que ficou triste pela banda, que estava no auge e agora não se sabe o futuro. Também há os que tem esperança de um futuro com dupla exposição musical brasileira em terras estrangeiras. O que fica é a sensação de que não é possível ter uma banda de metal que sobreviva por aqui. E talvez não tenha mesmo. Quando é que damos chance às nossas bandas, galgadas no que há de melhor na garra e no talento esculpido do povo brasileiro?
Não só a questão das meninas, mas a da própria pandemia vem fazer um alerta. O quanto olhamos para os nossos artistas talentosos com o mesmo mel que olhamos os do exterior? Um elogio muito comum feito por aqui é: “nossa, parece som gringo”. E é um elogio triste de se fazer quando temos bandas brasileiras que se fizeram ouvidas nos quatro cantos do mundo. O quanto você realmente dá chances para novas bandas?
Por que isso foi visto na questão da Nervosa? Pela quantidade de comentários com a seguinte estrutura: “nunca ouvi a banda, mas”. E a pergunta que não calar é, quantas bandas temos aqui que podem surpreender os ouvidos mais desprecavidos? Muitas. Somos um celeiro de bandas boas e cabe a vocês headbangers, que clamam seu amor pelo metal aos quatro ventos, que deixem de lado o preconceito e se abram para as milhares de bandas com extrema qualidade que temos por aqui. Bandas como Sepultura e Angra já demonstraram isso anos atrás e angariaram o status de consagradas, com muito trabalho, claro.
Quem sabe assim, teríamos mais bandas representando o sangue brasileiro por aí, e não recaísse somente sobre uma banda a responsabilidade de representar o Brasil lá fora. Muito menos o peso e a pressão de vencer e acertar sempre.
Outro lado que não se pode deixar de fora por aqui é o machismo. O metal sempre foi um meio machista, ainda mais no Brasil. É até difícil falar sobre isso sem cair em clichês, mas a banda “só de mulheres” alcançou patamares profissionais que antes eram vistos por homens apenas. Como ignorar comentários de que agora que a banda acabou elas podem “arrumar um casamento”? Ou até mesmo se as próximas integrantes serão “gatas”? O ponto aqui é que já é difícil fazer metal no Brasil, junta-se ao fato de que são mulheres, com sua qualidade questionada o tempo todo.
A intenção desse texto não é jamais ofender ninguém a nenhum ponto, mas abrir os olhos ao que temos e podemos aprender. A intenção desse texto é esclarecer os pontos para que nós possamos seguir em frente, carregando a bandeira do metal brasileiro e assim fortalecer a cena de forma concreta, que anda precisando de uma boa dose de energia construtiva.