Muito se debate sobre como o Metallica soaria se Cliff Burton não tivesse morrido. Em relação ao conteúdo do “Black Album” e seus lançamentos seguintes, as conjecturas podem se delinear nas mais diversas direções, mas, em relação ao “…And Justice for All”, eu creio que, com uma ou outra característica pontual, o disco não teria soado radicalmente diferente do resultado que conhecemos. Burton, apesar de ser peça-chave no som da banda, e de exercer elevado grau de influência sobre os demais membros, não participava tão ativamente das composições, conforme pode ser percebido nos créditos do disco anterior, “Master of Puppets”, onde ele co-assina duas faixas apenas.
A música do Metallica já estava correndo para aquela direção, explorando ao máximo as possibilidades de mudanças ritmicas em cada canção. Não à toa, quando o disco “Death Magnetic” surgiu, anunciando a intenção da banda em retornar para um estilo mais pesado, ele remeteu justamente a essa fase da carreira.
Ao contrário também da crítica generalizada de que as músicas estavam muito complexas, com muitas partes, etc, eu permaneço em posição de discordância. É essa característica que faz o disco ser tão bom! Músicas que precisam ser absorvidas aos poucos e, a cada nova audição, vão revelando seus detalhes, crescendo para o ouvinte. Ressalte-se também que qualquer traço de intenções comerciais passou bem longe dos sulcos: o álbum, no geral, tem o clima mais dark entre qualquer coisa já feita pelo Metallica, soando bem Thrash, sem dúvida, mas não aquele Thrash explosivo do começo, e sim algo mais cerebral, mais denso. E a produção, bem seca, evidencia a sensação de que a banda está executando tudo ao vivo, juntos no estúdio.
James Hetfield, que ainda não tinha se preocupado em aprender a cantar, estava soando melhor do que nunca, com vocalizações bem rasgadas, no auge do cruzamento entre amadurecimento e crueza. Lars Ulrich, a outra metade da força motriz que impulsiona a banda, também estava em ótima fase. Não obstante a sonoridade um pouco polêmica da timbragem dos instrumentos no disco – e mantendo-me à parte do já saturado debate sobre o som do baixo – Lars é, ou era, um baterista muito criativo, acrescentando, em todo o álbum, diversas viradas de bateria não apenas memoráveis, mas que chegam a ser quase cantáveis.
Em termos de sobrevida no setlist, “One” é o grande destaque do trabalho. Mais uma de uma sequência de falsas baladas, que começam bem melódicas e terminam como escavadeiras aceleradas. Apesar de um certo ar de previsibilidade nessa fórmula, a qualidade e o carisma das composições se sobrepõe à possibilidade de críticas. Das demais faixas, “Blackened”, “…And Justice For All” e “Harvester of Sorrow” são as mais frequentes, marcando presença vez por outra nas apresentações. “To Live is To Die” merece ser mencionada por ser o momento instrumental do álbum, intercalado brevemente pela recitação de alguns versos escritos por Cliff Burton, e “Dyers Eve” encerra o disco com a levada mais acelerada entre todas.
Embalado por sua capa icônica, “…And Justice For All” cumpriu com êxito o papel de transição dentro da discografia do conjunto. Mesmo os arranjos complexos não alienaram os fãs mais tradicionais, já que esses, em sua maioria, abraçaram a tendência para a qual a banda apontava. Surpreendentemente, ou talvez não, o Metallica deu uma guinada na carreira e percorreu um caminho inesperado, agradando alguns e desagradando outros, mas esse disco tem todos os méritos para ser a sequência natural da – assim chamada – tríade clássica de seus primeiros anos.
Formação
James Hetfield – Vocal/Guitarra
Lars Ulrich – Bateria
Jason Newsted – Baixo
Kirk Hammett – Guitarra
Músicas
1 Blackened
2 …And Justice for All
3 Eye of the Beholder
4 One
5 The Shortest Straw
6 Harvester of Sorrow
7 The Frayed Ends of Sanity
8 To Live Is To Die
9 Dyers Eve