Metal Voice: entrevista com Vital Cavalcante, vocalista do Matanza Inc

O Metal Voice é um quadro da Roadie Metal criado por redatores do site, cujo o ponto em comum é o fato de serem, ou já terem sido, vocalistas de banda de Rock/Metal. Nos textos, serão publicadas entrevistas com diversos vocalistas, onde cada um contará a sua história e trajetória até chegar no posto de frontman/frontwoman de uma banda, indo dos detalhes pessoais até os mais técnicos, com tal enfoque na questão vocal.

E hoje a conversa será com Vital Cavalcante, vocalista da banda Matanza Inc. Entrevista essa que você vai conferir a partir de agora, onde ele fala da sua trajetória como cantor e todos os desafios que passou na carreira.

Roadie Metal: Quando você começou a cantar?

Vital: Eu canto desde criança. Sempre gostei. Sempre tive uma ligação muito forte com a música, minha família sempre foi muito musical, tanto a minha avó quanto o meu bisavô gostavam muito de cantar, e tinha uma vitrola dos meus avós com uma porrada de LPs e compactos, então cresci ouvindo isso tudo, com muita festa, muita cantoria. Então eu canto desde que me entendo por gente.

Roadie Metal: Como você começou a aprender a cantar?

Vital: Eu sou completamente intuitivo. Como te falei, canto desde criança, acho que sempre fui bem afinado, e quando teve o boom do Rock nacional dos anos 80 eu comecei a comprar os discos – como muita gente da minha idade eu entrei no Rock por conta daquelas bandas – e ficava cantando, ouvia todos os dias, e ficava cantando em cima dos discos, junto com a banda, e aprendi imitando os caras, cantando todos os Rocks daquela época. Depois fui conhecer o Punk e fui aprendendo na marra mesmo, músico prático total. Eu sou professor de artes também, em 91 eu entrei na UFRJ, pra Escola de Belas Artes, pra fazer o curso, e lá teve musicalização básica, teve canto de coral, que me ajudou um pouco, mas já tinha banda na época.

Roadie Metal: Quais são suas influências no vocal?

Vital: Isso é muito doido, porque sou muito eclético. É uma resposta meio clichê, mas sou muito eclético mesmo. Costumo brincar dizendo que sou um vira-lata musical, porque consigo gostar de Tim Maia e Ratos de Porão com a mesma intensidade. Então tanto Tim Maia quanto João Gordo são influências minhas. Vou de um campo ao outro sem a menor cerimônia. Tim Maia é uma influência muita grande, o Mike Patton do Faith No More me influenciou bastante uma época, hoje em dia nem tanto, Ozzy Osbourne também – os caras que cantam agudo, porque eu canto bem agudo, e acabo tendo influência, o Chris Cornell do Soundgarden também, essa galera dos 80 que cantavam bem.  O próprio Phil Anselmo foi uma influência muito grande, hoje em dia não ouço mais, é um nazista cuzão. O Mau dos Garotos Podres, o Clemente dos Inocentes também. Então muita influência do Punk e Hardcore, o vocalista o Sick Of It All também foi importante para o berro no começo do Jason.

Roadie Metal: Como você encontrou o seu estilo de canto?

Vital: Essa coisa do estilo é muito peculiar comigo, porque eu to com 31 anos de carreira. Comecei em 1990 com uma banda chamado Poindexter, e dentro do Rock já fiz muitos estilos diferentes. O Poindexter o vocal era só Rap, porque a banda era Rapcore, inclusive foi uma das primeiras bandas de Rapcore, influenciou o Planet Hemp e uma galera. Depois montei o Jason, que era berro de Hardcore. Aí nos anos 2000 montei uma banda chamada Jimmy James, que aí pude usar o Tim Maia, que eu ouvia desde moleque porque era uma banda meio Red Hot Chili Peppers, era meio Funk Rock, e acho que foi ali que comecei a cantar de verdade, porque só ficava entre o Rap e o berro eu não tinha muito trabalho, não era muito exigido de mim cantar afinado, então o Jimmy James foi uma grande escola para eu cantar mesmo. Então acho que nos anos de 2010 cristalizei mais o meu drive no Helga, no Cidade Chumbo e no próprio Matanza Inc, meio que achei meu drive, e cheguei no meio-termo entre a melodia e o drive que consigo passear entre o berro, a melodia berrada e a melodia limpa com mais facilidade do que antes. Com o tempo a gente vai refinando o estilo.

Roadie Metal: Você explora outros estilos de canto?

Vital: Acho que respondi essa na pergunta anterior, como eu disse, já cantei Rap, Hardcore, já fiz baladas Pop, cantando limpo sem drive nenhum, já cantei com muito drive, com gutural, metalzão como Sepultura, então meio que já fiz de todo.

Roadie Metal: Você tem uma rotina de estudos vocais?

Vital: Eu sou bem indisciplinado com essa coisa de estudo, como te disse, sou músico prático, intuitivo. Mas são 31 anos cantando e compondo, e como compositor também sou completamente intuitivo, mal sei os nomes das notas que eu faço, apesar de já ter composto mais de uma centena de música. Mas a gente vai melhorando, vai pegando as manhas, vai aprendendo uma coisa aqui ou ali na marra. Mas nos períodos em turnê com o Matanza, ano passado, eu tinha um cuidado de fazer aquecimento, já fiz muito tempo de fonoaudióloga, em um tempo que a voz ficou um pouco bombardeada, fiz mais de um ano de fono e aprendi várias técnicas de aquecimento, então pelo menos isso eu sei fazer, um bom aquecimento para poder fazer um show, e quando acabar um show ficar tudo bem. Isso aí eu sei fazer. Mas não sou um cara técnico, não tenho essa pegada de um cara que pode gravar jingle, não é muito a minha, a gente que é autodidata fica com um estilo muito peculiar de voz.

Roadie Metal: Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou para estudar canto?

Vital: Como eu disse, nunca estudei canto na real. Fiz Canto Coral I e II na Escola de Musica da UFRJ como matéria complementar, achei muito interessante, acho que me ajudou a ter noção do meu alcance, pra descobrir que eu sou tenor, mas maior parte das coisas que aprendi mesmo na prática. Acho que eu tenho a noção que todo mundo tem que ter, de que não pode detonar muito. Por sorte eu não fumo, isso já ajuda bastante, bebo só cerveja, isso já ajuda a não detonar, tenho os cuidados de saúde para estar com a voz legal, faço gargarejo de água morna com bicarbonato para dar uma lavada na garganta quando ta devagar, e aqueço, que é importante, principalmente antes de um show de uma hora e meia como o do Matanza Inc.

Roadie Metal: Quando você entrou no Matanza Inc, como foi para adaptar as músicas antigas para a sua voz?

Vital: Isso foi um belo trabalho. Na época tinha o Donida e o Maurício morando em São Paulo, e o resto da banda morando no Rio. Então a parte carioca fez alguns ensaios de adaptação das músicas antigas, então a gente conseguiu, bem na correria, adaptar 15 músicas do antigo Matanza para o Matanza Inc. Foi um trabalho extenuante, mas ao mesmo tempo foi prazeroso, a gente usou diferentes soluções para adaptar. Algumas músicas a gente manteve o mesmo desenho e mudou o tom, algumas se mantiveram no mesmo tom, mas eu cantei uma terça, quinta ou oitava acima, ou nas músicas mais atonais, como “Ressaca Sem Fim”, simplesmente vim com um tom atonal mais alto. Porque a questão mais básica é que eu e o Jimmy temos vozes bem diferentes, ele é barítono provavelmente, eu sou tenor, e eu canto em falsete ainda, então teve que ter um trabalho. E como complicador ainda maior a banda passou a afinar em Ré, o que na hora de adaptar a gente teve que considerar isso também. Fica muito bom uma banda como o Matanza, que é pesada, afinar em Ré, você ganha muitas possibilidades de peso, mas quando foi na hora de adaptar as músicas pra mim, a afinação mais baixa fez algumas músicas ficarem inviáveis. Algumas não deram para adaptar, outras adaptamos muito bem, e tem muitas ainda para fazermos essa brincadeira. No nosso EP ao vivo, gravado em São Paulo, tem “Ressaca Sem Fim” e “Chamado do Bar”, onde a galera já pode sacar como fica na minha voz. Eu particularmente gostei bastante do resultado.

Roadie Metal: E como foi para você encaixar a sua voz nas músicas novas do grupo?

Vital: Com as músicas novas, as do “Crônicas do Postmortem”, já foi em trabalho mais fácil de encaixar. Apesar delas terem sido compostas pelo Donida pensando no vocalista antigo, na hora que ele foi me mostrar, só me mostrou os instrumentais com a voz guia do próprio Donida, e ao longo do processo fomos mexendo em um tom aqui outro ali, naquele mesmo esquema, algumas eu fazia em uma terça, ou em uma quinta, porque como ele estava muitos anos compondo para um cara barítono ele já tem o costume de fazer melodias baixas, então algumas coisas eu subi e outras a banda subiu comigo, as soluções foram parecidas com as antigas. Mas com as antigas tinha o peso pelo fato de serem músicas que o público já conhecia, então se ficasse muito descaracterizada a gente deixava pra lá, já nas músicas do “Crônicas” não tinha esse peso, porque eram músicas desconhecidas, então quando lançamos já era com a solução para a minha voz. E na verdade eu gostei desse desafio, foi uma das coisas que me motivaram a entrar no Matanza Inc. Como estava te respondendo antes, eu estava há 30 anos desenvolvendo a minha voz, já estava em uma posição confortável com as minhas bandas, e o Matanza Inc é a primeira banda que eu não componho as melodias, que são feitas todas pelo Donida. Então é um desafio novo, porque tenho que encaixar o meu estilo no estilo dele, e temos que chegar em um denominador comum, e isso tem sido bem legal. Inclusive, já estamos compondo as músicas do próximo disco e estamos dando um passo adiante.

Roadie Metal: Qual foi o sentimento quando você passou a ser a nova voz do Matanza, levando em consideração toda a identidade que o grupo construiu com o vocalista antigo?

Vital: Quando o Donida me convidou para fazer o teste eu pedi um tempo para pensar, e ele me sacaneia com isso ate hoje (risos), ele brinca dizendo “o cara nem queria, e ainda pediu tempo pra pensar”. Mas não foi bem isso, eu pedi o tempo porque a primeira coisa que pensei quando recebi o convite foi na responsabilidade de entrar para uma banda que tinha um cantor tão característico dentro do conceito da banda, que era o porta-voz do conceito “countrycore” que o Donida criou. Então por isso precisei de um tempo pra pensar. Até pela questão do desafio pensei “por que não?”. Acho que o convite veio em uma hora excelente da minha vida, mais maduro, já com muitos anos de underground. E eu sabia que ia enfrentar possíveis haters, e fãs que não curtissem numa boa, e é o que vem acontecendo, e eu não me descabelo com isso. Quem não curte, um abraço, pode continuar ouvindo os discos antigos do Matanza. E fico feliz com os fãs novos e a galera das antigas que continua com a gente. Foi uma coisa que me fez pensar no começo, realmente uma responsabilidade grande, mas ao mesmo tempo um belo desafio que decidi encarar, e estou encarando ainda.

Roadie Metal: Você teve outros projetos além do Matanza Inc? Se sim, quais foram?

Vital: Sim, comecei no Rock em 1990 com uma banda chamada Poindexter e já tive uma porrada de bandas desde então. Na época do Poindexter eu conheci o Donida, inclusive o conhecido na Escola de Belas Artes, ele chegou a começar o mesmo curso que eu, e na época o Donida era da Acabou La Tequila, então a gente se conhecia com essas bandas mais antigas dos anos 90. No final dos anos 90 eu montei uma banda de Hardcore chamada Jason, que existe até hoje, já lançou vários discos, e é minha banda do underground mais conhecida – já fez turnês pela Europa e pelo Brasil – e nos anos 2000 tive uma banda de Funk Rock chamada Jimmy James, passei quase a década inteira com ela, e recentemente outros projetos, como o Helga, que é mais Stoner, o Cidade de Chumbo, que é uma banda Punk, e finalmente, o Matanza Inc.

Roadie Metal: Você costuma cantar outros estilos fora do Metal?

Vital: Como eu te disse, tenho essa formação completamente vira-lata. E eu sou da Baixada Fluminense, sou de São João de Meriti, então cresci ouvindo Pagode, Funk, e tudo que você possa imaginar. Não tenho preconceito musical nenhuma, mas claro, tem coisas que eu não gosto, como Sertanejo, mas respeito absolutamente todos os estilos de música, todo mundo que está fazendo o seu corre ganhando dinheiro com música. Gosto muito de Soul Music, como falei do Tim Maia já, gosto de outros caras, tipo Hyldon, Cassiano, Bebeto, gosto de MPB dos anos 70 também, Secos e Molhados, Mutantes, Luís Melodia. Ouvi muito Rap em uma época, hoje em dia nem tanto, mas o Rap dos anos 80 e 90 ouvi bastante, e já cantei Pop Rock, no Jimmy James, no caso. Não tem tempo ruim pra mim não, sendo música boa, estamos aí.

Roadie Metal: Você utiliza bastantes drives nas músicas, que é uma técnica que se usada de forma errada pode ser prejudicial a voz. Como você tem controle dessa técnica?

Vital: Essa coisa do drive é curioso, minha fonoaudióloga disse que provavelmente descobri um drive de forma autodidata, de um jeito que eu não ferrava as cordas. Minha voz sempre foi naturalmente rouca. Mas nas vezes que examinei minhas cordas estavam ok. Teve um período que tive uma pequena fenda, que foi o porquê que fiz uma fonoaudióloga por um ano, e consegui reverter. Mas calos e nódulos felizmente não desenvolvi, e então acredito que consegui desenvolver uma técnica de drive sem saber direito como (risos) que não ferrasse tanto a voz. Claro que todo uso excessivo da voz vai gerar um desgaste, mas como eu digo, a questão do aquecimento é muito importante. Hoje eu vejo a galera até tendo aulas de drive, gutural, técnica vocal de berros, e tal. Então tem muito mais técnica do que eu, sou um cara que ainda vem da geração de “aprender na marra”. A única coisa que realmente tomo cuidado é com o aquecimento.

Roadie Metal: Como você cuida da sua voz no dia a dia? E antes de cantar?

Vital: Sempre aqueço antes de cantar, e como também sou professor da rede público e uso bastante a voz, passei a dar aula de microfone, e também começar a dar aula com microfone quando estava fazendo fonoaudióloga para me recuperar da fenda nas cordas vocais. Na verdade percebi que estava lesando mais a minha garganta dando aulas para adolescentes, do que fazendo ensaios e shows com drive ou sem drive. Então quando comecei a dar aula de microfone, a minha vida mudou, a dor de garganta desapareceu e comecei a chegar nos ensaios e nos shows com a voz zerada. Então aconselho para aqueles que trabalham usando a voz, principalmente professores, que usem microfone, porque não tem como dar aula sem ferrar a voz.

Roadie Metal: Você já teve algum problema de voz que o deixou sem cantar por um longo período? Se sim, fale um pouco a respeito.

Vital: Não cheguei a ter que para de cantar quando tive fenda, na verdade foi uma espécie de fadiga, o laudo era “hiperemiada”. Eu fiz um show muito detonador com o Jason, que era a minha banda mais pesada, e fiquei com uma espécie de fadiga das cordas vocais, fiquei com uma limitação de fôlego e de notas, senti que não estava no meu normal. Por isso que procurei a fonoaudióloga para poder retornar a forma normal. Felizmente não cheguei a ficar sem voz. Eu não costumo perder a voz depois de show, tanto que desço do palco e converso normalmente. Mas estava com problema de dor de garganta, falta de alcance, alta de fôlego, e consegui recuperar com fonoaudiologia. Felizmente, tive uma fonoaudióloga muito boa, que com os exercícios dela eu fui me recuperando.

Roadie Metal: Defina “cantar” em uma palavra.

Vital: Cantar para mim é viver. Em uma palavra é isso, é a minha vida.

Roadie Metal: Qual a dica que você dar para aqueles que querem começar a cantar?

Vital: A dica que eu posso dar é não esperar ficar perfeito para começar. A gente vai fazendo e vai aprendendo, tome os cuidados, aprenda a aquecer, cuidar da voz, se tiver a chance de aprender uma técnica vocal, coisa que acabei não fazendo, é muito válido. Mas o lance é cair dentro, e vai melhorando e fazendo. Acho que a maior escola é a prática. Então acho que a dica que eu deixo é essa, cair dentro!

Roadie Metal: Caso queira, deixe as duas considerações finais.

Vital: Quero agradecer o convite, sempre legal está falando sobre o trabalho. Deixar um convite final para a galera conhecer o Matanza Inc, sei que muita gente ainda não parou para ouvir com a minha voz, então peço aí para que me deem uma chance. E caso gostem, caso queiram também ouvir, tenho todo um trabalho de 31 anos no Rock, só me procurar nas redes sociais que tem link para todas essas minhas bandas que mencionei. Obrigado pelo convite e estamos aí.

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