O Metal Voice é um quadro da Roadie Metal criado por cinco redatores, cujo o ponto em comum é o fato deles já terem sido, vocalista de bandas de Rock/Metal. Nos textos, serão publicadas entrevistas com diversos vocalistas, onde cada um contará a sua historia e trajetória até chegar no posto de frontman/frontwoman de uma banda, indo aos detalhes até os mais técnicos, com total foque na questão vocal.

No quadro de hoje conversaremos com Hugo Panicali, vocalista da banda Punk Sakim De Kola, fundada em 2019 na cidade de Santa Fé do Sul no interior de São Paulo, a banda está atualmente trabalhando no seu primeiro EP, mas já lançaram diversos singles.

Em uma conversa com o redator Pedro H. Nogueira, Hugo contou um pouco de sua historia e influencias como vocalista, que pode ser conferida a partir de agora.

Roadie Metal: Quando você decidiu ser vocalista?

Hugo: Desde quando eu era moleque eu já queria cantar em alguma banda. Lembro-me de quando meu interesse pelo rock se acendeu de repente, lá pelos meus 10-11 anos de idade, quando ouvi a versão de Knockin’ on Heaven’s Door do Guns’n Roses tocando no rádio. Achei aquilo uma bela bosta. Na época eu só curtia alguns new wave oitentistas que conhecia dos cd’s que meu pai guardava no carro e também alguns pops modernos da época, como (veja só), Lady Gaga e afins. Não curti nem um pouco a voz rouca do Axl, estranhei de imediato. Porém, por alguma razão, aquilo atraiu muito minha atenção. Num primeiro momento eu indaguei como alguém podia gostar daquilo, de ouvir uma pessoa cantando daquela forma, mas quis saber afundo sobre aquela banda. Como eu não tinha internet na época, meu pai comprou um cd e um DVD pirata do Guns e em pouco tempo eu me via maravilhado com aquelas músicas e a presença de palco do vocalista. Foi essa minha entrada no famigerado mundo do rock (risos). Desde então, principalmente nessa fase de moleque, eu sempre dava uma atenção especial aos vocais nas bandas que ouvia. Achava que o frontman era sempre o membro mais importante e achava um absurdo quando alguma banda trocava seu vocalista, pois na minha concepção daquela época, a personalidade da banda estava na voz que ela carregava. Meu sonho de moleque era ser vocalista de alguma bandinha de rock, ter um belo cabelo longo, ser rico, famoso e adorado pelas multidões por conta de minha bela voz. Não consegui nada disso, só o cabelo longo e cantar numa banda. Outro fator importante na minha opção por querer assumir os vocais é que eu não toco nada. Digo, tocar eu até toco, tenho uns projetos paralelos, alguns deles contando só comigo na formação, mas saber tocar direito, eu não sei. Nunca aprendi. Não saberia tocar ao mesmo tempo em que canto ao vivo, mas para gravar umas podreiras goregríndicas ou aqueles black metal bem sujo, minhas habilidades técnicas com instrumentos estão até OK. 

Roadie Metal: Quais foram suas principais influências?

Hugo: Ao longo da minha caminhada pelos becos pitorescos da música eu já me deparei com muitas piras diferentes, cada uma delas me influenciando de certa forma. Sempre gostei daquelas bandas que abusam do sarcasmo e ironia, tocando em temas incômodos, mesmo que seja embalado de piadinhas escatológicas ou de extremo mal gosto. Hoje a gente entende a importância desse humor ácido como forma de construir críticas e de passar uma mensagem importante a quem ouve. Neste sentido, sempre admirei muito bandas e artistas que carregassem consigo esse lado sarcástico, como Textículos de Mary, Dead Kennedys, Rogério Skylab, Os Pedrero… Por aí vai. Uma coisa legal na Sakim é que nós 4 possuímos gostos pessoais diferentes, mas mesmo assim conseguimos criar um som que tem a cara de cada um. Eu sempre fui mais pro lado da podreira, do barulho e da sujeira musical. Gosto pra caralho de um bom blast beat com urros ininteligíveis e, por incrível que pareça, a gente consegue botar isso em alguns sons nossos também. Outra coisa legal é que, na fase atual onde estamos com um EP novo em gravação, eu tenho desenvolvido a ideia de não ficar muito preso a um ou outro tipo de voz, até porque nossa identidade está toda calcada na ironia, então há uma abertura pra que eu dê uma viajada na forma em que apresentamos isto, coisa que ajuda a compor ainda mais a identidade do som que queremos fazer. Algo versátil, diverso, mas claro mantendo nossos ideais firmes. Daí pra definir como será a interpretação de um novo som poderei dispor de um leque de opções. Aí vai depender do que eu tiver escutando no momento combinado com a vibe que o som a ser trabalhado transmite. Temos sons que ainda não saíram em que eu aposto num vocal totalmente inspirado em bandas crust, como Doom, e outras em que opto por um vocal mais limpo e claro, como Cólera e demais bandas do tipo. 

Roadie Metal: Como surgiu a ideia do Sakim De Kola?

Hugo: A Sakim de Kola veio como uma ideia do nosso baterista, o Bonini. Ele e o Rafael, nosso guitarrista, já tocavam juntos em outra banda aqui da cidade, a Cerveza de Litro. Eu e o Bonini não tínhamos tanto contato, só nos víamos em alguns rolês ou trocávamos algumas mensagens rápidas pelo grupo de whatsapp que participávamos. Eu sempre tive uma facilidade pra moldar a voz de diferentes formas e também sempre gostei de brincar com isso. Era comum eu sempre mandar áudios aleatórios imitando cantores, falando abobrinha com outras vozes e até mesmo utilizando um teclado pra adicionar efeitos especiais em áudios que simulavam aqueles programas de auditório pastelões. Foi por estes áudios que o Bonini decidiu vir falar comigo pra ver se eu me interessava em fazer os vocais numa banda de punk que ele estava querendo montar. Inclusive, acredito que o áudio que fez ele ter tomado essa iniciativa foi um em que eu cantava uma das músicas do Cerveza, “Odete”. Assim que ele veio falar comigo eu aceitei, logo depois nós chamamos o Krnero, que é meu amigo próximo há tempos, para assumir o baixo. Então, o Bonini me mandou duas músicas que já estavam prontas e que eram pra serem tocadas com a outra banda dele, mas que não havia dado certo. Estas canções eram a Carro do Ovo e Vô Mito. Antes do nosso primeiro ensaio em conjunto eu já estava ensaiando pra achar um tom de voz que encaixasse bem nestas duas canções, assim nasceu aquela voz debochada que tenho usado até então. Lembro que Carro do Ovo saiu foda logo de primeira, isso que nunca havíamos tocado juntos antes. Daí pra frente foi só alegria, nosso entrosamento aumenta cada vez mais, somos quase uma família. Eu sou o filho prodígio, evidentemente. Cof cof cof… 

Roadie Metal: Você faz três tipos de vocal, o limpo, um estilo Jello Briafa e urrado, qual seu favorito? (E como surgiu essa ideia?)

Hugo: A ideia é até fazer mais! Claro, desde que eu não me perca para que o som não vire uma bagunça. Mas como disse acima, dependendo da vibe da canção a voz pode mudar a fim de complementar a mensagem e o sentimento nela inclusos. Cada voz pode representar uma personalidade diferente que ajuda a construir melhor a canção a ser tocada, dando a ela um toque de originalidade com relação as demais. Esta é minha intenção agora. Das músicas que lançamos nas plataformas digitais até o momento, temos um padrão, que é a voz “Biafra” (que eu prefiro chamar de “debochada”) e a voz urrada. Como eu disse, essa voz debochada surgiu logo no início da banda pois foi o tom que julguei se encaixar melhor nas músicas que estavam sendo feitas, o vocal urrado foi algo que surgiu pois eu queria trazer um lado mais sujo, há alguns sons com passagens em gutural também, mas que não foram lançadas ainda. A partir de agora eu pretendo dar uma diversificada, então a galera pode esperar muita coisa diferente vindo por aí. Acredito que minha versatilidade com a voz pode cair como uma luva na proposta da Sakim, os demais caras concordam. Minha ideia é poder explorar isso ao máximo, dando uma atenção especial a interpretação em música por música. 

Roadie Metal: Na música UZI você muda sua voz repentinamente, você já teve algum problema com essas mudanças?

Nenhum problema, a ideia de mudar a voz foi minha. Esta canção ainda não foi lançada, ela fará parte do nosso próximo EP conceitual, em que todas as músicas girarão em torno da temática escolar. Para concluir alguns projetos paralelos, o batera deixou toda a parafernália que usamos para gravar aqui em casa, daí aproveitou e me mandou alguns instrumentais gravados da Sakim pra que eu fizesse os vocais assim que quisesse. Isso me deu uma avalanche de novas ideias. Como posso gravar algo a hora que eu bem entender e posso também brincar à vontade com essas possibilidades, eu comecei a experimentar colocar outras vozes nas canções. Achei que ficou do caralho. Mandei estas canções pros caras e eles também piraram. Até rola um certo estranhamento pra quem tá acostumado com nossas outras músicas mais antigas, mas o resultado ficou bem positivo e é essa a cara que quero dar pra banda. Tenho um bom pressentimento com relação a este EP, vai mostrar que nosso som não fica preso a formas de nenhum tipo, mas que se molda sempre que for necessário para dar mais peso a mensagem. 

 Roadie Metal:Qual dos estilo vocal você tem ou teve mais dificuldade?

Hugo: Certa vez me perguntaram se eu não cansava ou ficava com a garganta dolorida ao fazer aquele vocal mais urrado. É engraçado, pois aquele vocal é o que menos me cansa. Por incrível que pareça, o vocal que eu mais acho difícil é o vocal “debochado”, aquele que o pessoal compara com o do Jello Biafra (me sinto honrado, mas discordo sobre ser parecido haha). Há um esforço maior para fazê-lo, especialmente na região do abdômen. Eu reparo bem mais nisso na hora de fazer as gravações. Sempre achei chato gravar esse vocal, embora gostasse muito do resultado. Os vocais berrados e guturais são mais fáceis pra mim, talvez porque eu já tenha o costume antigo de praticá-los. 

Roadie Metal: Oque você acha sobre pessoas que diz que cantar é facil, tanto urrado ou vocal limpo?

Hugo: Cantar não é nada fácil, para se atingir uma boa técnica vocal é preciso muito treino, uma boa alimentação, condicionamento físico e até mesmo um sono regulado. Porém, ainda bem que eu sou da podreira musical e não de uma banda de power metal. Ser vocalista pode ser fácil na hora dos shows e ensaios onde a gente não tem que carregar nada, só um microfone e olhe lá, mas cantar exige um bom esforço sim. Só que também não acho que pra ser vocalista o cara tem que saber cantar magistralmente e ter uma técnica quase divina, nada disso. Eu gosto de sujeira, qualquer grito e berro me satisfaz. Outro ponto importante é que a personalidade da voz pesa bem mais que a simples técnica muitas vezes. Esse lance de que pra fazer música você precisa ser um bom músico é balela. Não é à toa que sou apaixonado por grind e noisecore. 

Roadie Metal: Você mantém alguma rotina de prática vocal?

Hugo: Bem, eu sempre fiz muito som. Sempre estive cantando e brincando com a voz, porém só recentemente que eu tenho tido feito alguns exercícios vocais regulares, principalmente antes das gravações e ensaios. Agora que tenho tido chance de gravar bastante coisa, todos os dias eu estou lá cantando e fazendo aquele berreiro, isso ajuda a melhorar a perfomance. 

Roadie Metal: Você mantém algum cuidado com sua voz?

Hugo: Faço os exercícios para a voz que mencionei. Como eu disse, pra cantar realmente bem há de se ter uma série de hábitos que contribuam para a boa saúde vocal, uma boa alimentação, sono regulado, condicionamento físico… eu não tenho nada disso e ainda fumo um maço de Winston por dia, fora outras coisas. Só que tenho uma teoria de que é o cigarro que mais me ajuda. Não sei, não tenho comprovação. O que importa é ter fé, né?

Aprendi com os bolsonaristas, se acredito logo é verdade. Cigarros fazem bem pra voz. Fume cigarros.

Roadie Metal: Vocês ja consideram fazer uma música com uso apenas do vocal urrado?

Hugo: Apesar de gostar muito de um barulho simples e direto, acredito que a Sakim de Kola tenha esse caráter valioso de ser livre para se moldar e poder apresentar as canções em diferentes roupagens, isto é, com mais de um tipo de voz. Apostar num único tipo de voz não seria bacana nem interessante pra gente, temos de saber explorar bem nossas capacidades. No início de tudo, rolavam algumas pequenas discussões comigo e o Krnero com o Bonini para que deixássemos o som mais rápido, gritado. A coisa não é bem por aí, há esses momentos, mas também temos que saber jogar de outras formas e não ficarmos presos a uma coisa só. 

Roadie Metal: Já considerou usar outro estilo de vocal tipo drive?

Hugo: Já sim, mas o que estava usando atualmente é o que julguei ser melhor para o nosso som. Mas como estou numa fase de experimentação em que minha criatividade anda bem atiçada, eu posso vir a fazer outros vocais a qualquer hora sim, desde que eu sinta que há espaço para tal e que, claro, vá de acordo com a aprovação dos demais caras. Ter uma banda é isso, há de se pensar em conjunto sempre.  

Roadie Metal: Qual melhor vocalista na sua opinião?

Hugo: Eu, evidentemente. Brincadeira. Essa pergunta é extremamente complicada. Eu não sou capaz de eleger um “melhor vocalista”, até porque sempre estou escutando muitos gêneros diferentes e cada um possui seus destaques. Cada estilo musical combina melhor com um determinado tipo de vocal. Assim como eu gosto de belas vozes como de Elis Regina, Tim Maia e Belchior eu também aprecio muito os berreiros e gritos de gente como George Fisher, Jaro e Nocturno Culto. Vai por estilo. Dentro do universo do qual fazemos parte, o do punk/HC, posso apontar dois de meus prediletos. O já esperado Jello Biafra e também o

João Gordo. Não saberia dizer qual dos dois é “melhor” pra mim, sei que são duas grandes influências pelas quais possuo gigantesca admiração. 

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