O Genesis sobreviveu bem, mas não há como duvidar que a saída de Peter Gabriel, em 1975, foi um choque no mundo da música. Além de questões familiares, envolvendo seu casamento e nascimento de sua filha, a performance de palco de Gabriel, sempre tão evidenciada pela imprensa, criava um mal-estar interno no sentido de que os demais integrantes se sentiam, por vezes, tratados como se fossem a banda de apoio do vocalista.
Já em 1977 ele lançou seu primeiro álbum solo. Gabriel ainda era um músico de Rock Progressivo, no sentido de que esse termo significa algo que avança para além das amarras do senso comum, e essa percepção robustece-se pelo fato de que elementos de New Wave e Pós-Punk passam a fazer parte de sua musicalidade, que integraria também, mais adiante, a World Music. Dentro da mesma época e contexto, a música de Gabriel inseria-se no mesmo subconjunto de Art Rock onde se encaixavam Talking Heads e King Crimson.
No palco, o artista também se tornaria mais livre, podendo fazer o que lhe desse na telha. Um show de Peter Gabriel é uma experiência sensorial única, onde sempre tem algo diferenciado acontecendo, abusando-se da tecnologia e da teatralidade. Os únicos limites de Gabriel seriam, agora, os de sua própria criatividade.
Após o seu quarto trabalho solo, de 1982, o mundo receberia seu primeiro álbum duplo ao vivo, no ano seguinte, nomeado “Plays Live”. Não é incomum que ex-integrantes de bandas consagradas incluam clássicos de seu antigo repertório em seus shows, mas o tracklist aqui escancara o contrário. Gabriel apostou tudo somente em sua carreira solo pois, afinal, já havia realizado um live album com o Genesis, lançado em 1973.
Acompanhado pela banda que já o dava suporte em estúdio, alguns desde o primeiro álbum, como Larry Fast, nos sintetizadores, e o eterno companheiro Tony Levin, no contrabaixo, Gabriel inicia sua apresentação de maneira densa, com a tensão percursiva de “The Rhythm of the Heat”, onde ele já abre a interpretação com seu tradicional canto yodel. Os sons da plateia demonstram seu embarque na viagem que se inicia e Gabriel alivia com uma canção mais acessível em “I Have The Touch”.
A captação das músicas ocorreu no intervalo de quatro apresentações realizadas nos Estados Unidos, durante o mês de dezembro de 1982. As interações do artista com a plateia são curtas e objetivas e é dessa forma que ele dá início à “Not One of Us”, que possui, em sua própria estrutura, as ferramentas necessárias para mergulhar a audiência dentro do show. A partir de então, ao longo do concerto, luz e sombra irão se intercalando e “Intruder” possui as características necessárias para se encaixar no meio-termo entre esses dois espectros climáticos. A maior parte do repertório está concentrada nos terceiro e quarto discos solos de Gabriel, favorecendo inclusive a presença de “I Go Swimming”, gravada para o disco de 1980 mas deixada de fora do tracklist.
As palmas da plateia acompanhando “Solsbury Hill” revelam a expectativa de um grande hit dentro do repertório. São os momentos em que o show começa a se encaminhar para sua conclusão e a dinâmica vai sofrendo alterações. Depois de “No Self Control”, o baixo de Tony Levin marca a entrada de “I Don´t Remember” que faz dobradinha com a carismática “Shock the Monkey”. Estranhamente, “Games Without Frontiers” ficou de fora do disco, então temos, logo após “Humdrum”, a animada “On The Air” arrancando novamente reações empolgadas da plateia.
Fechando o ciclo, o álbum termina de forma tão solene e percussiva quanto começou, com a sensível homenagem ao líder ativista sul-africano Steve Biko na música que ostenta o seu sobrenome. A bateria de Jerry Marotta casa com os acordes esparsos da guitarra de David Rhodes, enquanto Larry fast reproduz sons de gaita de fole. Gabriel soa verdadeiro e respeitoso nessa canção-tributo e, ao seu modo, tornou-se também uma voz relevante na luta pelos direitos humanos. O disco conclui com a vibração do público, enquanto que nós, do outro lado das caixas de som, mais de trinta anos depois, respiramos e compreendemos a emoção ali gerada. Tal qual as pessoas precisam de um tempo para se levantar e deixar o local do espetáculo, nós também aguardamos um tempo para compreender que o disco terminou, mas, ainda inebriados, não temos pressa de desligar o aparelho de som.
Plays Live – Peter Gabriel
Data de lançamento: 06.06.1983
Gravadora: Geffen
Tracklist:
01 The Rhythm of the Heat
02 I Have the Touch
03 Not One of Us
04 Family Snapshot
05 D.I.Y.
06 The Family and the Fishing Net
07 Intruder
08 I Go Swimming
09 San Jacinto
10 Solsbury Hill
11 No Self Control
12 I Don’t Remember
13 Shock the Monkey
14 Humdrum
15 On the Air
16 Biko
Formação:
Peter Gabriel – vocal
Jerry Marotta – bateria
Tony Levin – baixo
David Rhodes – guitarra
Larry Fast – sintetizador, piano