Acho que eu posso chutar que, se “Sin After Sin” está fazendo 40 anos para o mundo, para mim deve estar completando 30, ou 31 anos, no máximo, desde que eu tive contato com o mesmo na prateleira da loja de discos. A forma difusa como os álbuns do Judas Priest foram surgindo na minha vida gerou um quebra-cabeça que demorou algum tempo até ser montado, tanto em termos de organizar a coisa cronologicamente quanto em termos de compreender os pontos de ligação entre as diversas épocas de uma banda. Onde o Judas Priest de “British Steel”, ou “Screaming For Vengeance”, se comunicava com o Judas de “Sin After Sin”?
Hoje, depois de tanto escutar a banda, eu creio que todas as fases do Judas convivem bem dentro do mesmo contexto. Mas, do lado de fora da minha compreensão, talvez seja mais claro que estabeleçamos que o Judas dos anos 70 sobrevive até o “Stained Class”, com o álbum “Hell Bent For Leather” fazendo a ponte com o Judas dos anos 80, que surge de forma definitiva a partir do “British Steel”.
Isso, porém, é apenas para vislumbrarmos a criatura que estava se desenvolvendo. Depois de dois primeiros discos registrados por uma pequena gravadora que não oferecia muito apoio, o Judas caiu nas graças da CBS e, finalmente, pôde trabalhar com um orçamento melhor, sob a supervisão de um produtor mais qualificado como, no caso, foi Roger Glover, que à época, fora do Deep Purple, vinha colhendo os frutos de seu bem sucedido projeto “Butterfly Ball” lançado em 1974. O rodízio de bateristas no Judas sempre foi um problema, principalmente no começo de sua carreira, em que tiveram três bateristas em três álbuns. Após a saída de Alan Moore, que gravou “Sad Wings Of Destiny”, o Judas contou com a colaboração de Simon Phillips, músico de estúdio para a gravação de “Sin After Sin”. Phillips fez um grande trabalho, casando à perfeição com a paulatina progressão que o Judas vinha galgando, na busca de mais peso e velocidade em sua música, mas não prosseguiu junto com a banda após terminada a gravação, tendo sido substituído por Les Binks, que foi o primeiro a ficar no posto por mais de um disco seguido.
Imagine quando você pega um disco atual e fica admirado com o quão rápida e pesada é a música. Transporte sua imaginação para 1977 e você terá a percepção aproximada do que o Judas Priest representava para a cena musical, principalmente em sua Inglaterra natal, onde dentro de mais um par de anos iriam começar a surgir os discos das primeiras bandas de NWOBHM, que assimilariam e desenvolveriam algumas das idéias do quinteto de Birmingham. As passagens que referenciavam o blues e o rock progressivo, presentes desde a estreia, ainda mostravam a sua cara, mas eram pouco a pouco limadas na jornada para a criação da mais completa máquina de heavy metal de todos os tempos. Em “Sin After Sin” elas ainda são bem perceptíveis e, convenhamos, abrilhantam o álbum. A melodia de “Last Rose Of Summer” e a emoção de “Here Come The Tears” fazem contraponto com a velocidade de “Let Us Prey”, o peso absoluto de “Dissident Aggressor” e as progressões do clássico “Sinner”. Entre estas, a cativante “Starbreaker” e a reconstrução do clássico de Joan Baez, “Diamonds And Rust”, que, para quem ainda não ouviu a original, posso afirmar que se trata de uma reprodução fiel da melodia, mas os arranjos, o que acontece ao redor da interpretação de Rob Halford, que, aos vinte e cinco anos de idade, estava no auge de sua voz – se é que alguma vez não esteve – reconfigura a canção de forma a quase criar uma co-autoria.
No embalo desse disco foi que o Judas partiu para sua primeira turnê norte-americana, onde chegaram inclusive a abrir shows do Led Zeppelin. Queria encerrar mencionando que esse disco influenciou o metal vindouro e tal, mas, vamos falar sério: que disco do Judas, pelo menos até o “Defenders Of The Faith” não foi influente? E não mantém incólume a sua influência até hoje? Qualquer coisa que poderíamos falar sobre os reflexos exercidos por “Sin After Sin” seria reiterada caso falássemos de “Stained Class”, de “Screaming For Vengeance”, de “Painkiller”… O catálogo do Judas é o mais didático manual de Heavy Metal que você poderá encontrar!
E é por isso que eu entendo que nós, do público, não comemoramos o aniversário de um álbum com a mesma perspectiva de seus criadores. Estes merecem as congratulações, pois realizaram uma obra que, mesmo depois de décadas, ainda nos impele a estarmos aqui, falando sobre ela, mas o que nós comemoramos mesmo é o que aquelas músicas significam em nossas vidas, as nossas lembranças, os dias em que economizamos dinheiro para ir até as lojas, a contemplação das capas em nossos quartos, as consultas ao dicionário de inglês para traduzir as letras…
Se um disco lhe desperta isso, então ele tem o mesmo valor que, por exemplo, os seus álbuns de fotografias, e, somente sendo assim é que terá sentido falar em seu aniversário. Essas são as sensações que “Sin After Sin” me transmite e é por isso que a data me é importante. Sob a audição de suas faixas, festejo a existência do Judas Priest e festejo a minha própria trajetória, em todas essas décadas que caminhei ao som de suas músicas.
Formação:
Rob Halford – vocal
Glenn Tipton – guitarra
K.K. Downing – guitarra
Ian Hill – baixo
Simon Phillips – bateria
Faixas:
- Sinner
- Diamonds And Rust
- Starbreaker
- Last Rose of Summer
- Let Us Prey/Call For The Priest
- Raw Deal
- Here Come The Tears
- Dissident Aggressor