Iron Maiden: Esperança e glória

Matéria originalmente publicada na revista Classic Rock #159  – 2011 – Por Paul Elliott

Tradução: Ricardo Seelig

Meados de junho de 1979. Em um pub chamado The Swan, perto do famoso Hammersmith Odeon, o Iron Maiden, uma jovem banda de Heavy metal do leste de Londres, está prestes a entrar no palco. Mas há um problema: o seu vocalista está preso a alguns quarteirões dali. Paul Di’Anno havia sido detido por estar com uma arma, uma faca encontrada pela polícia em uma inspeção de rotina do lado de fora do pub. Di’Anno era bom de papo e geralmente conseguia se livrar da maioria dos problemas, mas nesse dia ele não estava com sorte.

Dentro do The Swan, o baixista Steve Harris estava nervoso com as notícias sobre o seu cantor, principalmente pelo fato de haver um convidado especial na plateia. Rod Smallwood – então com 29 anos, seis a mais que Steve -, que trabalhava como manager e agente de bandas, tinha escutado uma fita demo do Iron Maiden entregue a ele por um amigo que conhecia Steve. Rod sacou o potencial da banda, e resolveu assistir a dois shows do grupo para ver como elas eram ao vivo. O primeiro, no The Windsor Castle em Harrow Road, acabou antes de começar quando a banda, sem saber que estava sendo observada por aquele que seria o seu futuro manager, se recusou a tocar porque aproximadamente 30 e poucos amigos e fãs, que estava vindo para o show, ainda não haviam chegado ao local. O segundo show era no The Swan.

Quando Smallwood ouviu que Di’Anno estava preso, foi até Harris e falou para o baixista: “Vocês vão tocar. Seus fãs estão lá fora esperando por vocês”. Steve exitou, mas Rod pressionou um pouco mais: “Você conhece as letras?”. “Claro, fui eu que as escrevi”, respondeu Harris. “Pode cantá-las?”. “Não necessariamente”. “Pode fazer isso?”. “É claro!”.

Dez minutos depois, o Iron Maiden subia ao palco do The Swan como um trio: Steve Harris, o guitarrista Dave Murray e o baterista Doug Sampson. Nessa época, eles ainda não tinham um segundo guitarrista, mas mesmo apenas com Dave nas seis cordas e com Steve como vocalista e baixista, a performance contagiou o público. Steve relembra: “Quando você tem um problema, você precisa enfrentá-lo. Havia certas partes que eu simplesmente não conseguia cantar e tocar ao mesmo tempo. Situações assim fazem você dar o melhor de si”.

Para Rod Smallwood, este foi o momento onde, pela primeira vez, ele acreditou que o Iron Maiden poderia subir até o topo. “Steve não sabia cantar, mas eu nunca tinha visto alguém como ele em cima de um palco. Ele e David olhavam no olho do público. Adorei essa atitude! A banda não tocou bem e seria normal eu ir embora e deixar eles de lado, mas depois deste show eu fiquei realmente impressionado”.

Apenas 50 pessoas estavam no The Swan naquela noite, mas esse show foi o mais importante da banda até então, na opinião tanto de Steve, o líder do grupo, quanto de Rod, o homem que seria o novo manager do Maiden. Este foi o início de uma relação longa e muito próxima, que fez o Iron Maiden decolar para as alturas. Porém, o mais marcante daquela noite foi a prisão de Paul Di’Anno. A banda ria do incidente quando o vocalista enfim chegou ao pub, após o show. Ele era um problema nos planos do grupo rumo ao sucesso, e era preciso encontrar outro vocalista.

A história do Iron Maiden é uma clássico drama em três atos: ascensão, queda e ressurreição. E no centro disso tudo está o homem que substituiu Di’Anno em 1981, Bruce Dickinson. Foi a visão singular de Steve Harris que tornou o Iron Maiden a maior banda de Heavy Metal de sua geração, e o fato de Rod Smallwood acreditar nessa visão – ao lado de seu sócio Andy Taylor – transformou o Maiden em uma franquia mundial. Mas foi Bruce Dickinson, com sua voz poderosa e performance energética, que fez do Iron Maiden uma banda realmente clássica. A sua saída, em 1993, precipitou o declínio do grupo. E o seu retorno, em 1999, foi a peça-chave para a sua ressurreição.

Nos 31 anos em que Bruce está no Maiden, são estes três “loucos controlados”, como Smallwood chama o trio, que definiram a história da banda. Harris, o sisudo e fechado workaholic; Rod, o esfuziante cara do condado de Yorkshire; e Dickinson, o elétrico, opinativo e multi-talentoso vocalista. O Iron Maiden sempre será a banda de Steve Harris. Foi o baixista que criou o grupo no dia de Natal de 1975 e o tem liderado desde então, escrevendo a grande maioria de suas canções. Em Rod Smallwood, Harris encontrou um manager tão forte e influente quanto o lendário Peter Grant, do Led Zeppelin. Em em Bruce Dickinson ele se deparou não apenas com um cara igual a si mesmo, mas também com um vocalista de opiniões extremamente fortes sobre o que o Iron Maiden deveria ou não fazer.

Há alguns conflitos internos no Iron Maiden. O mais famoso deles é a rivalidade entre Harris e Dickinson, que deste o retorno de Bruce ao grupo parece em stand-by. O que move a dupla é um objetivo comum: a determinação de fazer do Iron Maiden a maior e melhor banda de Heavy Metal do mundo.

Começando com “The Number of the Beast” em 1982, primeiro disco com Dickinson e o primeiro número 1 da banda no Reino Unido, o Iron Maiden foi o nome de maior sucesso do metal nos anos 80. Eles faziam como as bandas de antigamente, trabalhando duro em longas turnês mundiais seguidas, com o mínimo de apoio da mídia através dos poucos especialistas no gênero presentes nas redações de revistas e estúdios de rádios da época. E assim eles foram crescendo. O Maiden teve alguns singles de sucesso, que figuraram no top 20 inglês na década de 80, mas a sua música nunca foi feita para estar no hit parade. Eles assinaram com a EMI, mas mantiveram o controle sobre a direção artística. E foi essa pegada de artista independente em relação à indústria da música, e à própria música em si, que fez do Iron Maiden uma inpiração para bandas como Metallica, como admitiu Lars Ulrich: “O Iron Maiden foi o nosso único e verdadeiro modelo”.

Steve Harris é um rock star atípico. Introspectivo, sempre longe dos flahes, ele não aceita muito a classificação criada por Rod sobre a hierarquia do Iron Maiden. “Não sei dizer se sou um maluco controlado. Eu só gosto quando as coisas funcionam”. Steve não concorda com o termo escolhido por Rod para definir o modus operandi da banda – “uma democracia não-democrática”. “Eu sei o que Rod quer dizer. Na maioria das vezes, eu e ele discutimos bastante”. E discutir assuntos é uma regra para o líder do Iron Maiden, que segue uma lógica muito simples: “Eu penso que, como em qualquer banda, você precisa de uma pessoa que tome as decisões e faça o trabalho duro. A maioria das pessoas não quer fazer isso, mas eu centralizei tudo desde o início”.

Nos primeiros tempos do Iron Maiden, Steve Harris era o manager da banda e fechava os contratos para os shows. Ele tirou Dave Murray e Paul Di’Anno de bandas rivais, escreveu ou co-escreveu todo o material inicial do grupo e criou a logo da banda com as próprias mãos. O que Rod Smallwood ofereceu a Steve e ao Iron Maiden foi uma grande experiência na indústria musical, contatos chave e, talvez, o mais importante de tudo: um compromisso com o grupo. Como o próprio Rod admite: “Steve encontrou em mim um cara que trabalhava duro como ele”.

Smallwood tinha grandes sonhos. “Eu sempre quis ser um manager. Admirava bandas como o Led Zeppelin, que sempre fazia grandes shows ao redor do mundo”. E em Steve Harris ele encontrou o seu Jimmy Page, um líder com talento genuíno e convicção absoluta. “Em uma banda nem todos querem liderar, mas Steve era, inquestionavelmente, o líder do Maiden, e todos ficaram felizes com isso. Depois de conhecê-lo um pouco melhor, percebi a sua grande determinação, energia e integridade. Mas Steve era 100% música, ele não queria negociar com as gravadoras. Quando cheguei, este era o meu papel”.

Rod só foi contratado oficialmente como manager do Iron Maiden depois de fechar contrato com a EMI, em 12 de novembro de 1979. A CBS havia recusado o grupo, alegando que as canções não eram fortes o bastante. Mas Smallwood foi hábil o bastante para convencer a EMI a assinar um contrato longo com o Maiden, uma banda jovem que precisava de segurança e tempo para construir uma carreira. “Isso foi crucial. A EMI insistia em um contrato de três álbuns, nos dando apenas 50 mil libras pelos três discos, mais os custos de gravação. Mas nós precisávamos comprar equipamento, precisávamos disso para sair em turnê. Então eu consegui 35 mil de adiantamento para o primeiro álbum, 15 mil para o segundo e nada para o terceiro. Desde então, nós sempre renegociamos o contrato com a EMI após três discos”, conta Rod.

Após o acordo com a EMI, Smallwood se transformou também no co-manager de uma banda de art rock chamada Gloria Mundi, que assinou com a RCA. Seu parceiro Andy Taylor, de quem era amigo desde os tempos da Universidade de Cambridge, era dono de um senso estratégico muito bom. Taylor tinha um visão global e elaborou um longo planejamento estratégico para o Iron Maiden. “O heavy metal é um fenômeno mundial, então precisamos estar presentes em todo o mundo”, afirmava Taylor. Rod também pensava dessa maneira, e junto com a banda fechou um pacto baseado no contrato de três anos que haviam assinado: “Vamos ter apenas o que precisamos para sobreviver, nada além disso”.

Quando o Maiden gravou “The Number of the Beast”, os músicos recebiam apenas 60 libras por semana. Com a palavra, Steve Harris: “Rod e eu dividíamos as coisas. Eu escrevia as canções, todas elas, e não ganhava nada a mais por isso. Rod também não recebia nenhuma comissão. Este era o nosso compromisso. É como em qualquer negócio: você não tem garantia de que vai dar certo. Mas, para nós, a coisa nunca girou em torno da grana. Nós só queríamos ser uma grande banda”.

Antes da gravação do primeiro LP, o Iron Maiden apresentou um novo guitarrista, Dennis Straton, e um novo baterista, Clive Burr, substituto de Doug Sampson. Para Steve, demitir Sampson era necessário, mas foi muito difícil. “Por um tempo depois disso eu fiquei conhecido como Major Harris ou Aiatolá, mas eu precisava fazer o que foi feito”.

O disco, intitulado com o nome da banda e gravado por apenas 12 mil libras, foi um sucesso de crítica e público. Harris nunca ficou satisfeito com a produção de Will Malone, mas o som casou perfeitamente com o estilo agressivo da banda. Lançado em 4 de abril de 1980, Iron Maiden alcançou o quarto lugar nas paradas inglesas e vendeu 350 mil cópias em todo o mundo. “Eram números expressivos para um disco de estreia”, recorda Rod. Isso fez a reputação do Maiden junto a EMI crescer. Segundo Rod, “se você alcança sucesso internacional, eles não interferem em mais nada”.

A imagem da capa do primeiro disco deu ao grupo uma identidade, tornando-se a sua marca registrada, explorada durante toda a carreira. A ilustração, pintada por Derek Riggs e batizada como Eddie, tornou-se um elemento muito importante na trajetória da banda. “Nós não tínhamos um Mick Jagger”, recorda Rod. A imagem de Eddie se transformou, junto com a logo criada por Steve, em uma poderosa ferramente de marketing, estabelecendo o Iron Maiden como uma força também no merchandising. E ninguém entendia mais desse assunto, naquela época, do que o Kiss.

Quando o Maiden abriu a turnê europeia do Kiss em agosto de 1980, Gene Simmons disse para Rod que havia adorado Eddie, e previu: “O Iron Maiden competirá com o Kiss como a maior força do merchandising musical na América”. Falando do assunto hoje em dia, Simmons afirma: “O Iron Maiden imediatamente me impressionou com o seu enorme potencial. A banda era poderosa e fazia boa música, uma combinação rara. E, para um porco capitalista como eu, Eddie era um ícone visual incrível que poderia render rios de dinheiro para todos na banda”. Rod completa: “Nós somos uma máquina de merchandising. Se não fosse assim, ainda estaríamos excursionando como no início da carreira”.

O segundo disco, “Killers”, saiu em fevereiro de 1981 e trouxe um novo guitarrista, Adrian Smith. Stratton estava fora porque, segundo Rod, “ele gostava de Eagles e usava roupas que não combinavam com o Heavy Metal”. “Killers” custou um pouco mais do que o primeiro álbum – o valor ainda pequeno de 16 mil libras -, mas vendeu 750 mil cópias em todo o mundo, incluindo 150 mil só nos Estados Unidos. Entretanto, durante a turnê pela Alemanha em maio shows tiveram que ser cancelados, pois Paul Di’Anno havia perdido a voz. Segundo Steve, “Paul ferrou com tudo”.

Di’Anno fez tudo de maneira rápida e sem preocupação, mas não havia lugar no grupo para passageiros. As turnês eram a chave para o desenvolvimento do Iron Maiden, e, como o próprio Di’Anno admite, o seu estilo de vida não casava com isso: “Eu sempre estava entupido de cocaína, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Eu pensava que era isso que as pessoas faziam quando estavam em uma grande banda de rock. Eu sabia que, nestas condições, nunca conseguiria cantar durante toda a tour”. E assim surgiu um grande teste para a liderança de Harris e a gerência de Smallwood: encontrar um novo vocalista.

A primeira vez que Bruce Dickinson viu o Iron maiden ao vivo foi em 8 de maio de 1979, no Music Machine de Camden, onde o Maiden tocou depois do Angel Witch e abriu para o Samson, a banda em que Bruce cantava. O review deste show, escrito pelo jornalista Geoff Barton e publicado na revista Sounds, foi a primeira vez em que a frase New Wave of British Heavy Metal foi usada. Assistindo o Maiden ao lado do palco, Dickinson estava convencido de que aquela banda se tornaria uma das maiores do mundo. Ele também tinha certeza de que ele, e não Paul Di’Anno, era quem deveria ser o vocalista do Iron Maiden.

“Era muito claro que o Maiden seria gigante. A banda era uma força da natureza. Paul Di’Anno era ok, mas eu pensei: eu realmente posso fazer algo com a banda”, relembra Bruce. Ele não precisou esperar muito pela sua chance. No verão de 1981, Dickinson foi apresentado como novo vocalista do grupo. Ele dizia que sentia por Paul, mas também sentia que a carreira do Samson estava estagnada. O álbum Head On (1980) alcançou o top 40 inglês, mas o disco seguinte, Shock Tactics (1981), nem sequer figurou nas paradas. Em 29 de agosto de 1981, Bruce teve um encontro com Steve e Rod no backstage do Reading Festival após o show do Samson no evento. Poucos dias depois, o vocalista entrou em estúdio com Steve e gravou os vocais de algumas canções do Iron Maiden para ver como elas soariam. E a sua voz casou de forma perfeita com o som do grupo. O Maiden tinha dois shows marcados na Suécia no mês de setembro, e depois dessas apresentações Paul teve um encontro com Rod, onde foi demitido. No dia seguinte, Bruce já fazia parte da banda, alterando o seu apelido de Bruce Bruce, como era conhecido no Samson, para o seu nome verdadeiro.

Na opinião de Rod Smallwood, “não é legal ficar falando de pessoas que não estão mais na banda, mas o fato é que você não troca o seu vocalista se a coisa não for realmente séria. E, como nós prevíamos, com Bruce o Iron Maiden ficou muito melhor”. Mas, naquela época, Steve Harris não tinha muita certeza disso. Tecnicamente, Bruce era um vocalista muito melhor, mas Di’Anno era como um herói para os fãs. “Nós sabíamos que Bruce era incrível, mas ele era muito diferente de Paul, então pensamos: as pessoas vão aceitar essa mudança? Bem, elas aceitaram!”.

Bruce Dickinson foi anunciado oficialmente como novo vocalista do Iron Maiden no começo de outubro de 1981, e fez sua estreia com a banda em palcos ingleses no Rainbow, em Londres, em 15 de novembro, depois de cinco shows de aquecimento na Itália no mês anterior. A performance autoritária de Bruce calou os órfãos de Di’Anno e acabou com os medos de Harris. Mas, para Bruce, as coisas não foram tão simples assim.

Ele e os outros integrantes do Samson haviam assinado um contrato com os empresários do grupo, cuja multa, se alguém saísse da banda, era de 250 mil libras. Bruce lembra que eles ganhavam 30 libras por semana, era impossível pagar aquele valor. Então Rod interviu, e depois de muita negociação fechou um acordo onde pagou 30 mil libras pelo passe de Dickinson, valor este que seria devolvido por Bruce a Sanctuary, empresa de Rod e Andy Taylor, quando o vocalista tivesse condições. Era uma bela grana para um garoto de 23 anos, mas Bruce nunca se preocupou com isso. Ele estava convencido de que, com ele, o Iron Maiden venderia milhões de discos. Essa era uma opinião compartilhada pelo produtor do grupo, Martin Birch. Durante a gravação do terceiro álbum, “The Number of the Beast”, Birch deixou claro para todos: “Estamos fazendo um grande álbum, que mudará as suas vidas”.

Em fevereiro de 1982, seis semanas antes do lançamento do álbum, o single “Run to the Hills” entrou no top 10 inglês. Mas nem tudo eram flores. Em 16 de março, quando a Beast on the Road passou pelo Newcastle City Hall, aconteceu o primeiro desentendimento sério entre Steve Harris e Bruce Dickinson. Vindos de um show na noite anterior, a banda passou 12 horas gravando o clipe da faixa “The Number of the Beast”. “Nós não conseguimos dormir muito, e estávamos um pouco irritados”, recorda Bruce. Em uma cena diga de Spinal Tap, rolou um stress entre Steve e Bruce sobre a posição do pedestal do microfone do vocalista. Segundo Dickinson, “Steve queria ficar no meio do palco, quase batendo o braço do baixo no meu rosto. Então eu pensei: ‘Pô, eu sou o vocalista, eu que fico no centro do palco! Quando eu não estiver cantando ele pode ficar ali, mas quando eu estiver cantando esse é o meu lugar’. Coloquei então hastes mais longas no suporte do microfone, e quando Steve chegava perto eu o empurrava para longe”. Com a palavra, Steve Harris: “Ele poderia quebrar o meu nariz em minutos, mas eu pensei isso é bom, é a atitude que queremos em um frontman”. Bruce continua: “Steve ficou furioso e gritou ‘ele que se foda, não vou sair daqui’. Rod, que estava por perto, disparou: ‘Ele não vai se foder, então acostume-se!’. Então todo mundo se acalmou”.

Os dois dão risada dessa história atualmente, mas ela foi o início de uma intensa rivalidade entre a dupla. “Sim, era a banda de Steve, mas eu tinha as minhas próprias ideias, e iria fazer tudo para convencer as pessoas a concordar com elas”.

“The Number of the Beast” representou um grande passo para o Iron Maiden. Em músicas como “Run to the Hills”, “Children of the Damned”, “22 Acacia Avenue”, “Hallowed Be Thy Name” e na faixa-título, o grupo finalmente soava como Steve Harris sempre havia desejado. Em abril de 1982, o disco alcançou o número 1 no Reino Unido. O álbum foi gravado em apenas quatro semanas e custou 28 mil libras. “Não recebemos nenhum adiantamento da gravadora. O investimento total da EMI foi de 28 mil, e nos primeiros seis meses o disco havia vendido 1 milhão e meio de cópias”, recorda Rod. Nas palavras de Bruce, “o que aconteceu com The Number Of The Beast foi muito além dos nossos sonhos mais loucos”. No dia em que o disco chegou ao número 1, a banda foi ao Marquee celebrar, e Steve pediu a Rod uma grana extra para pagar uns drinks para os amigos. O máximo que ele conseguiu foi um aumento para os músicos, que passaram a receber 100 libras por semana.

A banda não precisava de muito dinheiro. Eles estavam em turnê até o final do ano, vivendo em hotéis. Mas quando voltaram para casa no Natal, receberam o seu primeiro grande pagamento. Durante o verão, Andy Taylor e Rod Smallwood sentaram à mesa novamente com a EMI, pois o contrato inicial de três álbuns havia expirado. A dupla conseguiu um acordo muito melhor, incluindo adiantamento de direitos autorais futuros e porcentagem sobre a vendas dos discos. “Nós sempre fomos muito cuidadosos em assuntos financeiros”, admite Rod. E o manager, finalmente, cobrou a sua comissão para a banda. “Eles me deram uma grana preta depois que assinamos o novo contrato”, sorri o manager. Todos os músicos compraram suas casas. Bruce gastou metade do que ganhou comprando um lugar em Chiswick, e quitou a sua dívida com a Sanctuary. Mas depois de apenas dois dias em casa, o vocalista teve uma repentina mudança de humor. “Para ser honesto, eu estava entrando em depressão. Eu fazia parte de um grande banda, tinha um disco no número 1, havia acabado uma turnê mundial: o que eu iria fazer com o resto da minha vida?”. Já Steve era o oposto disso: “Eu nunca pensei ‘ok, estamos no topo, é isso’. Eu sempre quis mais e mais”.

Com o Iron Maiden lançando uma série de álbuns de sucesso e crescendo cada vez mais, Rod Smallwood e Andy Taylor começaram a construir um império. Em 1984, a Sanctuary passou a administrar outros artistas – os primeiros foram W.A.S.P., Helloween e Skin – e a expandir os seus negócios para outras áreas como a agência de artistas Fair Warning, licenciamento, administração de carreiras e merchandising. Andy Taylor desenvolveu um modelo de negócio 360 graus, que hoje é usado como modelo por toda a indústria musical.

O Iron Maiden era o motor para a expansão do Sanctuary Group. Mas o sucesso da banda criou os seus próprios problemas. O excesso de trabalho cobrou o seu preço. “Nós fazíamos um álbum por ano, seguido de uma turnê mundial. Não sei onde estávamos com a cabeça!”, reconhece Rod. No final da apropriadamente intitulada World Slavery Tour – 192 shows entre agosto de 1984 e julho de 1985 -, um exausto Bruce Dickinson caiu novamente em depressão e quase deixou o grupo.

Steve relembra a tour, e especialmente o que acontecia com Bruce: “Shows de 2 horas, 5 dias por semana durante um ano: isso é suficiente para deixar qualquer um maluco! E Bruce, por ser o cantor, estava completamente ferrado!”. Mas foi apenas quando a banda começou a compor para o disco seguinte, “Somewhere in Time”, que Harris percebeu o quanto a turnê anterior havia afetado o seu vocalista. Nenhuma canção de Bruce foi incluída no álbum. “Pensei: vou apenas pegar o meu cheque e fazer um bom trabalho como vocalista. Mas eu não estava feliz, precisava de mais. Eu precisava criar algo”, conta Bruce.

No disco seguinte, “Seventh Son of a Seventh Son”, Bruce Dickinson foi muito importante, co-escrevendo quatro faixas. “Quando Steve falou da ideia de gravarmos um álbum conceitual, eu achei brilhante”. Revitalizado, o vocalista gravou um álbum solo, “Tattooed Millionaire”, ao lado do ex-guitarrista de Ian Gillan, Janick Gers, que mais tarde entraria no Maiden substituindo Adrian Smith. Bruce também lançou o seu primeiro livro em 1990, “The Adventures of Lord Iffy Boatrace”. Mas Dickinson estava perdendo o interesse pelo Iron Maiden. O cantor considerou o disco seguinte, “No Prayer for the Dying”, uma piada, chegando a questionar diversas vezes os outros músicos, enquanto estavam gravando, se eles estavam realmente fazendo aquilo a sério.

Ironicamente, a canção de maior destaque em “No Prayer for the Dying” é de autoria de Bruce, “Bring Your Daughter … to the Slaughter”, e deu ao Maiden a primeiro posição nas paradas em janeiro de 1991. o álbum seguinte, “Fear of the Dark”, também alcançou o topo dos charts ingleses em 1992. Porém, o surgimento do grunge tornou aquela época especialmente difícil para a velha guarda do rock, e quanto o Metallica redefiniu o Heavy Metal com o Black Album, Bruce sentiu que o Iron Maiden estava perdido. “Eu achava que nós deveríamos ser mais perigosos”, lembra o vocalista.

Bruce colocou as suas frustrações para fora em seu segundo disco solo. “Foi como um desafio. Eu quis fazer em Balls to Picasso algo próximo do que eu estava sentindo. Eu não estava feliz em fazer parte de uma máquina de sucesso. Entendi que a única forma de me satisfazer era saindo da minha zona de conforto, e a única forma de fazer isso era saindo da banda”.

O vocalista deixou o Iron Maiden em 28 de agosto de 1993, ao final de uma turnê pela Europa. Rod Smallwood, com a sua postura típica, hoje enxerga algo positivo na saída de Bruce: “Quando ele me contou, eu não gostei nada daquilo. Mas foi bom para nós. O Heavy Metal estava perdendo força com o advento do grunge, e todas aquelas bandas de hair metal da MTV tinham dado ao metal uma péssima reputação”. Steve Harris já pensa diferente: “Foi realmente um grande golpe quando Bruce nos deixou. Mas a nossa atitude foi ‘vamos dar a volta por cima’. Era tudo o que poderíamos fazer”.

Bruce foi substituído por Blaze Bayley, do Wolfsbane. Para Blaze, entrar no Iron Maiden foi uma benção divina. Ele estava quebrado, e o Wolfsbane estava parado desde que havia rompido com a gravadora Def Jam, de Rick Rubin. Porém, a verdade é que Blaze nunca estava à altura de uma banda como o Maiden. Ele era um grande frontman e uma pessoa adorável, mas não conseguia cantar o material clássico do grupo. E os dois álbuns que gravou com o Maiden –“The X Factor” (1995) e “Virtual XI” (1998) – são os mais fracos de todo o catálogo da banda.

Sem Bruce Dickinson, o Iron Maiden amargou um longo período de vacas magras. Com o perdão da palavra, com Blaze o Iron Maiden entrou em declínio. Em contraste, a Sanctuary estava voando alto. O modelo de negócio 360 graus de Andy Taylor havia dado muito certo, e ele e Rod decidiram vender parte de sua participação na empresa, ficando cada um com apenas 20% (hoje, o Sanctuary Group faz parte da Universal Music). Taylor foi nomeado o novo CEO da empresa, e Smallwood ficou responsável pelo gerenciamento de artistas.

Mas o Iron Maiden continuava sendo a prioridade de Rod, e no final de 1998, com a carreira da banda estagnada, ele deu um ultimato a Steve: “Até o final do dia, Blaze Bayley estará fora do Iron Maiden. Se você construiu uma lenda com esta banda, você tem que mantê-la. É meu trabalho como manager fazer tudo pelo melhor do Iron Maiden”. Rod e Steve têm lembranças diferentes sobre este momento. De acordo com Rod, o baixista a princípio foi contra o retorno de Bruce: “Steve tem uma personalidade muito forte e pensa de uma maneira única. Ele precisava de tempo para refletir sobre o assunto”.

Além disso, Bruce havia ferido os sentimentos de outros integrantes da banda. Nicko McBrain recorda: “Ele disse ‘foda-se, estou fora’. Se alguém faz uma merda com você, as coisas precisam ser resolvidas”. Mas depois de cinco longo anos e árduos anos com Blaze, a verdade era uma só: o Iron Maiden precisava de Bruce Dickinson, e Bruce precisava do Maiden.

Desde 1994, quando lançou “Balls to Picasso”, o álbum que começou a compor quando ainda estava na banda, a carreira solo de Bruce havia sido prolífica, mas nada espetacular. “Eu havia vendido algumas centenas de milhares de discos, mas quando os primeiros sinais de fumaça começaram a vir do Maiden, meu guitarrista Roy Z falou: ‘O mundo precisa que você volte para o Iron Maiden’. Eu respondi: ‘Por Deus, Roy, você está certo!’”.

Blaze Bayley foi chamado ao escritório de Rod Smallwood. “Eu sabia que os meus serviços não eram mais necessários. Não tenho sentimentos ruins a respeito disso. Eu gostava do Iron Maiden antes de entrar na banda, e continuei gostando depois que saí”, conta um diplomático Blaze.

Para Bruce voltar ao Iron Maiden, Steve Harris precisou ser persuadido de que as diferenças entre os dois deveriam ser esquecidas. Rod convocou uma reunião em sua casa em Brighton com Steve, Dave, Janick, Nicko e Bruce. Segundo Rod, Steve estava muito defensivo no início. “Porque nós estamos fazendo isso? Porque podemos gravar um grande álbum de retorno que chocará as pessoas. Eu sei que podemos fazer isso”, disse Rod a todos. Steve foi mais cauteloso, mas não menos direto: “Eu não quero esse retorno e vocês conhecem os motivos. Mas os meus instintos dizem que é a coisa certa a fazer. Bruce é realmente insubstituível”. Rod finalizou: “O bom senso venceu”.

Essa foi a reunião mais curta da carreira da banda, totalizando apenas três minutos. Depois, todos foram para um bar próximo comemorar, onde decidiram que Adrian Smith também estaria de volta, em uma inédita formação com três guitarristas. A banda excursionou durante 1999 tocando para grandes audiências, e em 2000 lançou “Brave New World”, que ganhou Disco de Ouro em oito países. A carreira do Iron Maiden estava novamente nos trilhos.

Porém, em 2001 a Sanctuary começou a passar por sérios problemas, Matthew Knowles, pai da cantora Beyoncé, havia se tornado executivo da empresa e apostado alto em alguns artistas. Mas quando os álbuns de nomes como De La Soul e D-12 não venderam o esperado, a companhia perdeu muito dinheiro. A expansão americana do grupo se revelou muito cara, e difícil. Rod: “A maior parte da empresa ia extremamente bem – estávamos atendendo alguns dos maiores nomes da música como Elton John, The Who, Beyoncé, Guns N’ Roses, Slipknot, Robert Plant e James Blunt, e o braço inglês da Sanctuary, através da Rough Trade, assinou com novos nomes como Strokes, Libertines e Arcade Fire. A aquisição da Castle nos deu um enorme catálogo de classic rock e reggae. O problema era que, quando você é uma companhia aberta, se você tiver um período ruim como o que nós tivemos nos Estados Unidos, com vendas muito abaixo do esperado, o alarme dos acionistas é ligado e a pressão aumenta. E, quando isso acontece, todos os seus concorrentes ficam sabendo. As empresas não querem fechar mais nada com você, porque não sabem como será o futuro da empresa”.

Andy Taylor nega a ideia de que a Sanctuary teve uma expansão exagerada: “O que aconteceu é que, infelizmente, nos demos muito mal no mercado norte-americano”. Bruce também fala sobre o assunto: “O pior é que, analisando as coisas, as ideias da Sanctuary estavam 100% corretas. Eu odeio usar jargões do mundo corporativo, mas o modelo de negócio 360 graus estava absolutamente correto em todos os aspectos. Hoje, você não pode depender apenas das vendas de discos para sustentar uma banda. Se você está em uma banda, você tem que estar pronto para um monte de outros compromissos, como aparições em eventos, merchandising e afins. O conceito da Sanctuary abrangia tudo isso”.

Em 2005, o grupo Sanctuary passou por uma grande reestruturação. No final de 2006, Smallwood e Taylor deixaram a companhia e criaram outra empresa, a Phantom Music, cujo objetivo era atender apenas uma banda: o Iron Maiden.

O Iron Maiden continua sendo um dos maiores nomes do Rock em 2011. A banda já vendeu mais de 80 milhões de discos. Mas a venda de álbuns está longe de ser a principal fonte de recursos do grupo. Hoje o Maiden é uma banda de turnês, com um merchandising fortíssimo, que mantém os negócios com uma rentabilidade sempre alta. Como Rod Smallwood explica: “Com o grande declínio na venda de discos em todo o mundo, hoje é a venda de ingressos e de merchandising que representa a maior parte dos ganhos de um artista. Tudo que envolve o Iron Maiden passa pela minha mesa ou pela de Andy. Isso inclui várias ações legais contra quebra de direitos autorais – sim, a pirataria de produtos oficiais da banda. Para cada produto oficial da banda, temos em média 100 ações por pirataria. Agimos com tolerância zero nesse aspecto. Não queremos que as pessoas prejudiquem a banda e ofereçam material de qualidade inferior par os fãs”.

De acordo com Smallwood, não há nada decidido sobre o futuro do Iron Maiden após o final da turnê de 2011. Steve Harris confirmou que o Maiden continuará na estrada até quando for possível e a banda estiver tendo prazer com o que faz. “Nós sempre falamos que o Iron Maiden encerrará a carreira no topo”.

Steve Harris e Bruce Dickinson estão aprendendo a conviver um com o outro por um bem maior. “Eu ainda acho esse um argumento estranho, mas as pessoas crescem. Hoje estamos mais maduros”, admite Harris. As recentes turnês do grupo tem confirmado isso. Depois de um show em Sofia, na Bulgária, em junho de 2007, Steve e Bruce ficaram no bar do hotel com este jornalista, bebendo e conversando felizes sobre o rock dos anos 70, em particular sobre um de seus discos preferidos, “Rainbow Rising”. Como Harris admite: “Com as idas e vindas de Bruce na banda, eu acho que ele aprendeu a curtir o Maiden como nunca curtiu. Talvez todos nós tenhamos aprendido isso. E enquanto estivermos felizes, vamos continuar”.

Depois de fazer 55 anos em março de 2011, Steve refletiu: “A idade mostra um outro lado. Eu lembro que quando tinha 12 ou 13 anos achava as pessoas que usavam barbas com uma aparência de muito velhas. Hoje eu penso o que garotos de 14 anos pensam sobre o Iron Maiden. Talvez eles achem que somos parecidos com o Gandalf! Mas isso não importa. Nós temos uma vida e uma carreira fantásticas. Se nós decidirmos parar amanhã, eu posso morrer com um sorriso no rosto”.

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