Olá, tripulantes de nossa intrépida aeronave metálica, que leva cada um de vocês a conhecer o Heavy Metal praticado em cada recanto ou confim deste globo! Este Escriba que vos fala tem conduzido vocês pela Ásia Central e por lá já conhecemos a cena Metal do Cazaquistão e do Quirguistão. Hoje, nossa jornada por esta parte do mundo chega ao fim com nossa visita à Terra dos Uzbeques, o Uzbequistão!
Neste momento, você que é fã de Geografia e azilado em pesquisar regiões curiosas como eu deve estar se perguntando: “Ué! E o Turcomenistão e o Tadjiquistão?” Pois bem. Andei pesquisando o Metal destes países também e até tive a ideia de escrever um texto único sobre a cena destes dois países. No entanto, o material disponível na internet sobre bandas tajiques e turcomenas é tão escasso que a pesquisa não renderia um texto minimamente digno de ser publicado. Quando encontro músicas de bandas destes dois países, elas estão disponíveis somente no VKontakte, o “Facebook” da Rússia e de seus asseclas. Mas tenho certeza de que você não vai criar um perfil no VKontakte com aquela péssima tradução em Português só para ir atrás dessas bandas, vai? Outros países cujos nomes terminam em “-stão”, como Afeganistão e Paquistão, são mais aparentados com outras culturas diferentes das dos povos túrquicos e, além disso, jamais pertenceram a União Soviética. Então, por hora, não visitarei estes países.
Voltemos a falar do Uzbequistão. Quem leu a matéria que escrevi sobre o Metal do Quirguistão deve lembrar que os mapas destes dois países se parecem mais com um jacaré mordendo o pé de um dinossauro. O “jacaré” era o Quirguistão e o “dinossauro” era o Uzbequistão. Duvida? Vou até colocar o mapa dos dois países aqui embaixo. O país que conhecemos hoje como Uzbequistão começou a ser construído na Idade Média. O território que por muito tempo foi dominado pelo Império Persa enfim se tornou uma nação emancipada sob domínio do povo uzbeque com o nome Canato de Bukhara (“canato” era como se chamavam os reinos que estavam ou outrora foram dominados pelo Império Mongol), que existiu de 1505 até 1785, ano em que o canato se transformou em um emirado. O Emirado de Bukhara por sua vez existiu até o ano de 1917, sendo que a partir de 1873 o emirado passou a ser controlado pelo Império Russo. Em 1917, após a Revolução Bolchevique que derrubou o Império Russo e que fundou a União Soviética, o emirado perdeu um pouco de sua autonomia e se transformou em uma república interna a URSS. Em 1924 esta república passou a ser chamada de República Soviética Uzbeque, a qual garantiu a sua independência definitiva em 1991, adotando desde então o nome Uzbequistão, pelo qual é chamado até hoje. Existem várias versões divergentes entre si sobre a origem da palavra “uzbeque”. O sufixo “-stão”, como eu já falei nas matérias sobre o Casaquistão e o Quirguistão, é de origem persa e significa “terra de”. Portanto, “Uzbequistão” significa “terra dos uzbeques”.
Atualmente o Uzbequistão, cuja capital é Tashkent, é uma república parlamentarista. Seu território é dividido em 12 províncias e uma república autônoma, o Caracalpaquistão (que nome brabo dos infernos!), que possui seu próprio idioma (já pensou em aprender a falar em caracalpaque?), constituição e tudo o mais. É no Caracalpaquistão que se localiza o famoso Mar de Aral, o gigantesco lago que praticamente se transformou em deserto a partir dos anos 60 por conta do uso irresponsável de sua água para irrigação. A economia do Uzbequistão cresce em ritmo rápido, mas este crescimento não gera retornos para a grande população, o que se reflete na baixa renda per capita do país. A exportação de algodão e de recursos minerais são os grandes carros-chefes da economia uzbeque. O atual mandatário do país, Shavkat Mirziyoyev, tem empreendido esforços na tentativa de diminuir graves violações aos direitos humanos que até não muito tempo atrás eram comuns por lá, como a escravidão e o trabalho infantil nas regiões de plantio de algodão, por exemplo. Todavia, muito ainda precisa ser feito para que as liberdades individuais no Uzbequistão sejam mais respeitadas. A cultura do país é rica e variada graças às contribuições dos vários povos túrquicos que por lá habitam como cazaques, tajiques e uygures. O Pakhtakor é o time de futebol mais vitorioso da história do futebol uzbeque, mas o esportista mais popular de lá é o ciclista Djamolidine Abdoujaparov, conhecido como o “Terror de Tashkent” pelo seu estilo altamente veloz, agressivo, arrojado e sem medir quaisquer consequências nem para si nem para os demais competidores. Um Nigel Mansell do ciclismo! Ele foi tri-campeão do Tour de France, a mais importante competição de ciclismo do mundo, durante os anos 90.
O Heavy Metal no Uzbequistão demorou mais a se desenvolver comparado aos seus irmãos soviéticos. A banda mais antiga dentre as listadas neste ensaio, o Z-BEK, surgiu em 1988, enquanto as principais formações do Metal soviético não só da Rússia, mas também das outras repúblicas, foram surgindo a partir do fim dos anos 70. O Rock e o Metal local são bem underground e pouco populares, de modo que as bandas que possuem alguma condição financeira mais favorável não hesitam em sair do país em busca de melhores soluções de produção e de divulgação. Mesmo assim, as bandas uzbeques surpreendem com suas sonoridades criativas. Confira algumas delas abaixo:
ICED WARM
Transitando entre o Sinfônico e o Gothic/Doom, mas sem fixar residência por muito tempo em um único direcionamento, o Iced Warm faz o seu Heavy Metal de 2005 na capital Tashkent. Dentre os poucos lançamentos da banda, o mais importante é o full-lenght Requielle, lançado em 2009. É uma pena, pois o som do Iced Warm é empolgante e muito bem composto.
DARK DIMENSION
Fortemente influenciado pelo Immortal, a banda Dark Dimension iniciou suas atividades em 2006 na cidade de Navoiy, distante quase 500 Km de Tashkent. Tempos depois a banda se mudou para a Rússia e seu status atual é desconhecido. De todo modo, o ótimo álbum de estreia На костях прогнившей догмы (sobre os ossos de um dogma podre), lançado em 2008, se encontra disponível na íntegra no YouTube. E reforço o aviso: não é Abbath nem Demonaz que estão tocando aqui.
THE DISTORTED REALITY
Se a banda anterior era influenciada pelo Immortal, o mesmo pode-se dizer do The Distorted Reality em relação ao Cradle Of Filth, a menos das letras que tratam dos males do mundo e das sociedades. O The Distorded Reality também só possui um álbum lançado; trata-se de Weapon, de 2017. A capa é amadora, mas o conteúdo é bacana e merece um espaçozinho em suas playlists.
Z-BEK
O nome da banda, coincidentemente ou não, é um trocadilho com o nome do país. Esta que é uma das bandas mais antigas do Uzbequistão (foi fundada em 1988 ainda na época da União Soviética) nasceu com o nome BEK e acrescentou o Z- no ano de 1995. Segundo a própria banda, o nome Z-BEK é uma sigla que significa “Zone Beyond Eternal Kingdom”, ou “Zona Além do Reino Eterno”. Apesar do longo tempo de atividade, somente consta um full-length na discografia do Z-Bek, NoFate, lançado em 2009.
MONTFAUCON
Representantes do Death/Doom local, o Montfaucon por um período de sua existência (que teve início em 2002) se mudou para o lado de cá do mapa-mundi, fixando residência na Califórnia. Tempos depois a banda retornou para Tashkent. O Montfaucon não hesita em lançar mão de diversos timbres de teclados e de órgãos para dar uma temperada gótica em suas composições.
https://montfaucon.bandcamp.com/
ZINDAN
Está banda pratica um Death melódico muito bem composto, técnico e criativo com seus instrumentos de afinações baixas e timbres mortais e baixo gordão! Seu único álbum de estúdio, Depht, não é tão bem produzido em termos de qualidade sonora, mas suas composições agradaram os fãs de Death “fase prog” e das bandas suecas de Death Metal melódico.
MOMENT OF CLARITY
Para encerrar nosso mini-compêndio de Metal uzbeque, uma banda representante do Metal moderno. Ao contrário das outras bandas citadas acima, o Moment Of Clarity é uma banda um pouco mais prolífica. Durante sua primeira existência, entre 2006 e 2013, a banda lançou um EP e dois álbuns de estúdio antes de entrarem em um hiato que durou cinco anos. A sonoridade do Moment Of Clarity preza em sua maior parte do tempo pelo Deathcore, mas elementos de Metalcore também surgem de maneira pontual em vários momentos dos registros do grupo.
https://mocofficial.bandcamp.com/
Por hoje é só. Zarparemos de uma vez por todas da Ásia Central, mas quem sabe o que o futuro nos reserva aqui na região dos “-stão” que nos atraia de volta para cá? Na próxima semana, a intrépida redatora amapaense Jéssica Alves (por sinal, o Amapá é do tamanho do Tadjiquistão!) dará prosseguimento a nossa jornada ao redor do mundo em busca de um bom Heavy Metal e de boas histórias para contar. Ko’rishguncha!