Quem nunca ouviu “1997” ou “Quem Já Perdeu Um Sonho Aqui”? Estas duas músicas são da banda Hateen e foram lançadas em 2006, no álbum “Procedimentos de Emergência”, lançado pela Arsenal Music/Universal Music. Ambas as músicas atingiram um sucesso nacional e estiveram constantemente presentes na programação da MTV e em várias rádios pelo país a fora. Mas você sabia que o Hateen ainda está na ativa e fazendo um ótimo trabalho?
A banda possui seis álbuns de estúdio lançados – os três primeiros em inglês e os três últimos em português. Influenciados pela cena underground do Hardcore californiano do final dos anos 80 e início dos anos 90, a banda iniciou seus trabalhos com um EP chamado “Blind Youth”, em 1994. Em 1996 lançaram seu primeiro álbum, chamado “Hydrophobia”, ainda em inglês. Depois de mais dois álbuns ainda em inglês (“Dear Life” e “Loved”), resolveram lançar, em 2006, um álbum em português. Um dos motivos que levaram a banda à mudança de idioma foi ver que algumas músicas de seu líder e principal compositor, Rodrigo Koala, estavam fazendo bastante sucesso com o CPM 22. Dentre estas músicas, “Não Sei Viver Sem Ter Você” e “Um Minuto Para O Fim do Mundo” foram as que atingiram maior sucesso. Com isto e com a boa recepção da cena undergound, que foi bem concentrada em São Paulo e teve o Hangar 110 como seu “monumento histórico”, a banda assinara contrato com a Arsenal e gravara seu primeiro álbum em português: “Procedimentos de Emergência”.
O Hateen acabara saindo do mainstream, mas não parou com a música: manteve-se ativo e gravando álbuns novos. Em 2011, lançara um álbum chamado “Obrigado Tempestade”, talvez o melhor de todos da banda; ali a banda retrata, entre vários assuntos, o fato de ter gravado novamente após cinco anos e após voltar a ser independente. A faixa inicial chama-se “Eu Voltei” e comenta o fato de ter demorado para voltar a gravar, dos altos e baixos que a vida pode trazer, dos amigos que nos abandonam, da saída dos tempos ruins e desagradáveis. Entre outras, destacam-se a “Obrigado Tempestade” que compara os altos e baixos da vida a um eletrocardiograma e diz que a vida sem eles não existe; além de dizer que os momentos ruins servem para dar força, para reerguer. Em seguida, uma música chamada “Depois Que Todos Vão Embora” comenta sobre ter amigos e vê-los desistindo de você em momentos mais complicados, comenta como as pessoas deixam sua vida “uma bagunça” após partirem. Faixas com bastante conteúdo, bem intensas, alternando temas do cotidiano, ajuda, conselhos de vida, experiências vividas e que se completam ao longo de todo o álbum. Vale ressaltar ainda faixas como: “Laser”, “Sem Ninguém”, “A Saudade Me Faz Bem” e “Um Pouco Mais de Tempo”.
Hoje, o Hateen é formado pelos integrantes Rodrigo Koala (guitarras e vocal), Fábio Sonrisal (guitarras), Leon (baixo) e Thiago Carvalho (bateria). Iniciada há 22 anos atrás, passou por algumas formações até aqui. Dentre elas, teve como seu baterista o Japinha, que também toca com o CPM 22. A banda seguiu com seu trabalho mostrando que a cena ainda é viva e que o Rock autoral ainda não morreu.
Com grande preconceito por parte de várias pessoas, a banda fora considerada “emo”: uma definição, muitas vezes pejorativa, dada às bandas que traziam uma carga emocional evidente em seu som misturada com o Hardcore (conhecido como Emocore). Com isso, várias pessoas tendiam a classificar o som como “fresco” ou ruim sem ao menos ter ouvido, sem ao menos ter escutado um disco completo. Tal assunto fora debatido em um documentário chamado “Do Undergound ao Emo”, onde fala do movimento underground que cresceu em São Paulo com várias bandas que queriam fazer seu próprio som e que ficou conhecida pela grande mídia quando a mesma começou a perceber que várias pessoas ouviam e consumiam este estilo musical. Sim, a cena concentrou-se em São Paulo, mas por todo país havia bandas do mesmo seguimento, o que fortaleceu ainda mais a cena: muitas delas se ajudavam, cada uma auxiliando na divulgação da outra em sua região. Quando isto começou a acontecer, uma geração mais nova passou a se importar mais com o visual do que com a própria música, aí então começou o declínio do que era sincero e original e passou a ser uma “moda”, onde tudo que falava de amor era pejorativamente chamado de “emo” e, consequentemente, “não havia qualidade”. O Hateen passou por isso, mas seguiu em frente com seu trabalho, sem desistir, acreditando no que faziam, acreditando que seu som não precisava de rótulos e que os mesmos não manchariam seu trabalho. (Veja o documentário abaixo).
Em 2016, lançaram “Não Vai Mais Ter Tristeza Aqui”, álbum com ideias fortes e que trazem palavras de esperança em meio às frustrações da vida. Hoje, mais maduros e experientes, vemos as temáticas seguindo o mesmo rumo e ganhando maturidade ao tocar em temas mais complicados da vida. A música que leva o nome do álbum abre o disco e fala sobre a vida atual, onde todos têm medo de mostrar seus verdadeiros sentimentos e que vivem em uma “eterna atuação”, escondendo seus sentimentos e suas frustrações. “Perdendo o Controle” traz questionamentos sobre problemas psicológicos como depressão e claustrofobia, que trazem o desespero e fazem com que as pessoas não consigam controlar suas próprias reações e sensações. “Sempre” traz uma ideia de esperança, de saída, de que dores passam mesmo que as memórias e as lembranças fiquem para sempre. “Passa O Tempo” tivera a participação especial da vocalista Dani Vellocet (tanto na gravação da música quanto no videoclipe) e traz uma história de quem perdeu um grande amor e não sabe o que fazer com o sentimento que ficou. O disco possui 12 faixas e, dos gravados em português, é o que possui o som mais “pesado”. Para fechar o álbum, a faixa escolhida fora “Despedida (Com Dó Menor)”; ela se difere um pouco do resto do disco: com uma sonoridade mais calma, traz conselhos de como levar a vida, mesmo que com dores, mesmo que com saudades, a ideia é não levá-la “tão a sério”, não deixar que todo o estresse dela acabe com as coisas boas que a mesma pode trazer.
Várias bandas foram descobertas por meio da forte cena de Hardcore concentrada principalmente em São Paulo entre o final dos anos 90 e começo dos anos 2000. Algumas delas (como Hateen e CPM 22) acabaram assinando com grandes gravadoras, mas voltaram a fazer o som por conta própria, alegando que eles mesmo têm que comandar o que querem fazer, como querem tocar, o que querem gravar e como querem levar sua arte e seu trabalho. A cena ainda permanece viva por meio de várias bandas e o Hateen é a prova de que se consegue, com muita dedicação e trabalho, estar lançando material novo, consegue-se levar um público fiel aos shows que acompanham o trabalho da banda e cantam junto grande parte das músicas, sendo elas mais novas ou grandes sucessos do passado. Como o próprio Koala disse na última apresentação da banda no Showlivre (programa na internet onde bandas independentes fazem um show ao vivo e podem apresentar seu trabalho) “O Rock não é para qualquer um”; mas o importante é que, aqueles que acreditam no trabalho, conseguem mantê-lo ativo, conseguem encontrar e atingir seu público. E não, a cena ainda não acabou.